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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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Desafio dos Pássaros- A reflexão

Charneca em flor, 31.12.19


Os Pássaros fizeram a proposta mas eu tenho andado muito ocupada e ainda não tinha tido a oportunidade. O Natal e a minha viagem de fim de ano ocuparam todo o espaço disponível na minha cabeça. Comecei a escrever este texto no Aeroporto Saint-Exupéry em Lyon enquanto esperava o voo que me trouxe de volta a Portugal. E que sítio seria mais inspirador do que um Aeroporto que carrega o nome de um dos meus escritores favoritos?
Agora indo ao ponto que me leva a escrever este desabafo, o Desafio de Escrita dos Pássaros tem sido muito enriquecedor por vários motivos. Embora sempre tenha gostado de escrever, esta foi uma prova de fogo que me fez sair, muitas vezes, da minha zona de conforto com os temas que foram sendo propostos. Semana a semana aprendi muito sobre mim e sobre a minha forma de escrever.
Em primeiro lugar, foi um desafio à minha capacidade de síntese porque foi muito difícil para mim que todas as ideias coubessem em 400 palavras, apenas. Apercebi-me que utilizo um vocabulário muito limitado. Tendo em conta que a língua portuguesa é tão rica, é uma pena não escrever com um maior número de palavras diferentes. Outro facto interessante, foi a constatação da minha insegurança embora isso não tenha sido uma grande surpresa. Quando leio os outros textos não consigo deixar de comparar a qualidade da minha escrita com a dos outros participantes. Na verdade, acompanhar as partilhas dos outros autores faz-nos imergir num verdadeiro banho de talento literário. E, na minha opinião, eu fico sempre a perder. Eu sei que este desafio não é um concurso mas não consigo evitar. Na verdade, acompanhar as partilhas dos outros autores faz-nos imergir num verdadeiro banho de talento literário. Estou a contar que algumas gotas desse talento cheguem até à minha humilde pessoa,
Seja como fôr não será a minha insegurança que me fará parar. Contem comigo e com as minhas limitações para o Desafio de Pássaros parte II.

Leituras de 2019 - Top 3

Charneca em flor, 30.12.19

Nesta época propícia a balanços, resolvi fazer um top 3 dos livros que mais gostei de ler em 2019

  1. "As oito montanhas" de Paolo Cognetti. Este livro foi o que mais me marcou no ano que acaba. É uma história de uma amizade entre 2 rapazes que se prolonga até à vida adulta. Para além do relacionamento entre os 2 também se percebe a relação especial que estabelecem com a montanha. Foi um livro muito especial para mim. 

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  2. "Becoming" de Michele Obama. Gosto muito de ler biografias principalmente se forem de mulheres fortes e determinadas. E é assim que eu via Michele Obama. Nesta autobiografia ainda fiquei a gostar mais dela porque ela e o marido Barack Obama são a prova de que não há impossíveis seja qual fôr o sítio de onde viemos.

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  3. "Sophia de Mello Breyner Andresen" de Isabel Nery. 2019 foi o ano das biografias. Esta também foi marcante embora me tenha sentido um pouco constrangida porque Sophia não gostava de falar da sua vida íntima porque acreditava que a obra era mais importante que a vida. No entanto, adorei este livro ainda para mais porque em 2019 se comemorou o centenário do nascimento da poeta.

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    Bom ano e Boas leituras

     

     

Desafio de escrita dos Pássaros tema #15

Alerta, alerta, o Pai Natal reformou-se

Charneca em flor, 20.12.19


Alerta CM: O Pai Natal decidiu reformar-se. O Natal de milhões de crianças pode estar comprometido. Falta pouco mais de uma semana para a véspera de Natal. Quem é que irá distribuir os presentes?


Rudolfo, a rena, carregou no comando da televisão para mudar o canal. O nariz estava ainda mais vermelho e reluzente, tal era a raiva.
- Como é que aqueles fulanos conseguiram descobrir a reforma do Pai Natal. Tudo se fez para encobrir o acontecido. Só pode ter sido aquele Nicolau a divulgar a notícia. Adora aparecer. – bufou Rodolfo. – Deixa cá ver se o anúncio já tem muitas respostas.


Anúncio: Procura-se profissional qualificado para tarefa delicada. Qualificações mínimas requeridas: Carta de condução de veículos de tracção animal. O candidato deve gostar de crianças, ter bom coração e acreditar na magia do Natal. Disponibilidade imediata. Os interessados devem enviar um email para info.laponia@gmail.com e dirigir-se ao escritório do Pai Natal na Lapónia.


- Ó, meu rico São Nicolau. Tantas respostas. Acho que vou ter uma tarefa bem difícil pela frente.
Enquanto isso, no escritório do Pai Natal, os candidatos amontoavam-se à entrada dificultando a entrada da rena Rudolfo.
- Com licença. Têm que me deixar passar para podermos começar com as entrevistas. Não há tempo a perder.
Os aspirantes a Pai Natal abriram alas para o entrevistador passar. O recrutamento ia iniciar-se, finalmente.
Rudolfo entrevistou dezenas de candidatos enfadonhos que não traziam nada de novo à função. Já que era para mudar que fosse para um Pai Natal ainda mais especial que o anterior. Até que entrou uma pessoa bem diferente na sala. Rudolfo olhou estupefacto para quem estava à sua frente. Em vez de um velho barrigudo de barbas brancas, Rudolfo olhava para uma quarentona bem conservada e cheia de curvas.
- A senhora deve estar enganada. Eu procuro um Pai Natal. A senhora é uma mulher e isso desqualifica-a para a função. Lamento que tenha perdido o seu tempo, senhora…
- Charneca em Flor. Não há nenhum engano. O Sr. Rudolfo já ouviu falar em paridade? Os homens e as mulheres têm direito a oportunidades iguais. Já está na altura de ser uma Mãe Natal a distribuir os presentes às crianças.
- Paridade? Ideia interessante. Fale-me mais de si. Se calhar, a ideia de uma Mãe Natal não é assim tão disparatada.
E foi assim que a Charneca em Flor conseguiu ser escolhida para Mãe Natal.

 

Para ler mais textos deste desafio é só passar por aqui.

Feliz Natal

Desafio da escrita dos Pássaros tema #14

A vida que não vivi

Charneca em flor, 13.12.19

Mais um dia que começa e eu com tão pouca vontade de ir trabalhar. Sair da cama, todas as manhãs, é cada vez mais difícil. Os dias são todos iguais, monótonos e rotineiros. Não foi assim que eu imaginei o meu futuro.
No meu quarto de adolescente, sonhei em encontrar a cura para o cancro mas a minha vida encaminhou-se num sentido diferente. Em vez de passar os meus dias num laboratório de investigação, estou numa caixa de supermercado. Eu sei que é um trabalho tão válido como qualquer outro mas eu não nasci para isto. Os clientes olham para mim mas parece que não me vêem. Dou os bons-dias e a maioria dos clientes nem se dá ao trabalho de me responder. Eu estou farta de estar sempre a perguntar se os clientes querem saco ou se querem número de contribuinte na factura. Ou de contar os trocos dos velhotes. Eu não nasci mesmo para isto. Se a minha vida tivesse sido diferente, as pessoas olhariam para mim com um respeito e admiração. Assim sou transparente.
Desde a infância que os meus pais me estimularam a estudar. Acreditei que a dedicação aos estudos me iria encaminhar para uma profissão mais gratificante. As minhas amigas saíam para se divertirem e eu ficava em casa porque o meu foco era só um. Até que um dia me apaixonei e a escola deixou de ser o mais importante. Só queria estar com o meu amor e pouco estudava.
Os meus resultados escolares ressentiram-se e o projecto de tirar um curso superior ficou pelo caminho já que falhei a entrada na faculdade. Os meus pais ficaram muito desiludidos porque tinham sonhado um futuro dourado para mim que não se concretizou. E eu ainda lhes dei mais um desgosto já que fiquei grávida logo a seguir.
Para criar a minha filha tive que prescindir de muito, tive que crescer à pressa. Já não houve oportunidade de voltar a concorrer ao ensino superior porque era necessário começar a trabalhar. Agarrei o primeiro trabalho que me apareceu e onde continuo até hoje. O pai da minha filha fartou-se depressa de brincar às casinhas. Não o condeno. Não é fácil ser pai, ou mãe, aos 18/19 anos. Eu tive que continuar a lutar pela minha filha.
A minha filha é a minha maior riqueza mas mesmo assim eu carrego uma grande mágoa pela vida que não vivi.

Desafio da escrita dos Pássaros tema #13

E tudo o vento trouxe de volta

Charneca em flor, 06.12.19

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A doce Melanie jazia no leito, agonizante. O parto tinha sido complicado provocando-lhe uma enorme hemorragia. Perante tal cenário, Ashley vai ficando cada vez mais desesperado. Nesse momento, Scarlett apercebeu-se de que tinha andado a viver um equívoco. O seu amor por Ashley era um devaneio da juventude. Agora ela via, claramente, como o homem tinha sido um fraco por não resistir às suas investidas quando o seu verdadeiro amor era Melanie. Como se arrependia de se ter envolvido com Ashley. A prima tinha um coração tão puro que, mesmo perante as evidências, nunca acreditara que eles tinham um caso.
Scarlett sentia nascer no seu coração a certeza de que o amor tinha estado sempre tão perto. Será que era tarde de mais? Conseguiria salvar o seu casamento? Rhett casara com ela sabendo o que sentia por Ashley. No entanto, ela tinha a certeza que o marido tinha sentimentos por ela.
Quando se apercebeu que o marido já não estava ali, aguardando o triste desfecho, foi procurá-lo. Tem que lhe confessar aquilo que sente. Encontra-o no quarto a fazer as malas.
- Rhett? Mas…
- O teu querido Ashley está prestes a ficar viúvo. Não quero ser um empecilho.
- Não. Eu estava errada. É a ti que eu amo. Só percebi agora.
- É tarde demais.
Rhett desceu as escadas apressadamente mas Scarlett alcançou-o na porta. Lá fora a neblina da manhã cobre Tara por inteiro.
- Eu não posso viver sem ti.
- Francamente, minha querida, isso não me interessa.
Rhett vai-se afastando enquanto Scarlett cai por terra chorando desalmadamente .

Passaram-se 3 meses sobre a morte de Melanie e sobre o desaparecimento de Rhett. Ashley e os filhos também deixaram Tara. Apesar da viuvez de Ashley, já não fazia sentido continuarem juntos.
Scarlett sentia-se sozinha. Perdera tudo. Os seus pais morreram e a sua filha Bonnie também. Tinham-na perdido tão cedo. Essa dor contribuiu muito para o afastamento de Rhett. Ela acreditava que isso até fora mais importante do que a sua traição.
Desde a manhã daquele dia que Tara era fustigada por rajadas de vento. Uma silhueta familiar aproximava-se. Era Rhett.
- Oh, Rhett, meu amor. Não posso acreditar.
- Nem eu, minha querida. A vida sem ti não faz sentido. Perdoa-me tudo o que disse. Vamos esquecer o passado e começar de novo.
E, abraçando-a, dá-lhe o beijo mais apaixonado de sempre.

THE END

 

Esta semana foi proposto que escrevessemos um final diferente para um filme. Eu viajei com Scarlett O'Hara até ao sul da América e este foi o resultado.

Para descobrirem mais textos é só ir aqui

 

 

Mau tempo no Canal, Vitorino Nemésio

Charneca em flor, 02.12.19

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Já há muito tempo que queria ler este livro, um clássico da nossa literatura. Este exemplar já estava pousado nas minhas prateleiras há uns anos aguardando a altura certa para o ler. A leitura levou-me algum tempo porque há outras actividades que se vão sobrepondo. Ou é a vida do dia-a-dia que se impõe ou mesmo a actividade de escrever os textos para o Desafio dos Pássaros, para já não falar do Curso de Escrita Criativa que vou fazendo a um ritmo muito lento. Obviamente que "Mau tempo no Canal" também é uma obra de alguma densidade que deve ser saboreada no seu devido tempo. 

O livro foi publicado nos anos 40 do século passado mas a trama diz respeito à segunda década do mesmo século e decorre nos Açores. O canal a que se refere o título é o canal que separa a ilha do Faial e a ilha do Pico. É, principalmente, nestas 2 ilhas que acontece a história narrada embora a acção também se estenda à ilha de São Jorge e à Terceira. Na primeira cena descobrimos um namoro entre 2 jovens, Margarida Clark Dulmo e João Garcia. Esta relação encontra alguns obstáculos já que há conflitos antigos entre as famílias dos jovens. Ou seja, é uma espécie de história de Romeu e Julieta que se passa na Horta e não em Verona. Este conflito vai ser preponderante no enredo deste romance.

Na história também se aborda os muitos casos da peste que afectou o arquipélago e a pesca, ou caça para ser mais exacta, da baleia. Aliás os pescadores são das personagens mais pitorescas que Vitorino Nemésio descreve.

O romance encantou-me, não só pela história mas, sobretudo, pelo talento literário do autor. As suas descrições fabulosas das paisagens insulares fizeram-me viajar pelas ilhas da bruma. Aliás, ao ler este romance consegui abstrair-me da realidade e penetrar na história como se estivesse lá. Outro pormenor que eu adorei foi os recursos fonéticos que Vitorino Nemésio encontrou para percebermos a particularidade do sotaque açoriano e o linguajar das pessoas mais simples.

Quanto a mim, ler este romance aumentou o meu conhecimento da literatura portuguesa bem como da nossa cultura. Também foi uma oportunidade de recordar os dias que passei nos Açores. Não conheci nenhuma das ilhas mencionadas, ou melhor, conheci o Aeroporto da Horta onde fiz escala na viagem de regresso ao continente. Vi a ilha do Pico a partir do avião (cortesia do piloto para deliciar os passageiros). Achei mesmo que tinha um aspecto mágico com as nuvens à volta do pico. Os Açores ocupam um lugar especial no meu baú das memórias.

Partilho aqui um excerto em que Margarida descreve a experiência de subir ao pico do Pico e o que sentiu ao ter oportunidade de ver o nascer do sol naquele cenário.

"Passara o fim de Agosto até às vindimas no Pico, nas vinhas que o avô conservara entre a Candelária e São Mateus, em Campo Raso. Satisfizera em setembro a grande ambição da sua vida: subir ao pico do Pico, embora não fosse a melhor época. Passava-se uma noite a meio da encosta, numa furna. De madrugada - leite quente de vaca, que o pai (e nisso era bem amigo!) fazia ordenhar por Manuel Bana, tendo-a mandado de véspera, para chegar descansada o mais perto possível da étape. Não estava um dia muito claro; mas vir aparecer o Sol dos lados da Terceira, todo sangrento num mar de chumbo, um mar como nunca tinha visto, fresco e sem nada que lhe cortasse a limitação parada, a não ser as ilhas negras e acobardadas numa neblina. Para a banda das Flores, uma Lua de bordos tristes que ia morrer. Mas ela sentia-se contente a ver o Sol crescer devagar para ela, que o esperava à beira da cratera apagada do Pico, com um pau ferrado. O vulto de São Jorge, da Ponta dos Rosais ao Topo, parecia um navio azulado pelo próprio fumo da marcha, de proa à "suposta ilha" de Fernão Dulmo, que via a nudez do Sol primeiro que outra alguma."