Ó SARS-CoV-2, vamos ter aqui uma conversa de pé de orelha. Quer dizer não é bem pé de orelha porque temos que respeitar com distanciamento social. Na verdade, eu vim apetrechada com máscara, touca, luvas, protecções nos sapatos e fato de protecção descartável que tu não és de fiar.
O que eu queria falar contigo era pedir, ou melhor, exigir que desapareças. Já ninguém te pode aturar.
Já viste que estás a atrapalhar a vida das pessoas?
Umas ficam doentes, muito doentes por dias a fio até não aguentarem mais e partirem. Aquelas que cuidam dos doentes ficam exaustas e às vezes acabam também por adoecer. Os sistemas de saúde de vários países estão no limite, ou já implodiram, com os problemas que essa realidade acarreta também para quem sofre de outras doenças.
Aqueles que tiveram a sorte de não serem contagiados por ti, morrem, também, um bocadinho todos os dias. Porque têm os seus negócios parados e não sabem como se vão aguentar. Porque as empresas onde trabalham entraram em lay-off e aquilo que recebem não é suficiente para fazerem frente aos compromissos que têm. Muitos não vêem nenhuma luz ao fundo do túnel.
Outros sofrem porque não podem abraçar pais, filhos, netos e avós. Ou porque estão sozinhos em casa ou porque estão em família mas já não se podem aturar uns outros. Têm ainda menos paciência para a família do que a que têm para te aturar a ti, SARS-CoV-2.
Mas vou-me deixar de divagações filosóficas. O que me chateia mesmo é que tu estás a parar a minha vida. Nem estou assim muito preocupada com os outros. O que me interessa é que eu não tenho tempo para te aturar. Exijo que desapareças de uma vez por todas porque eu tenho sítios para ir e agora não posso. Quero passear na praia, quero ir almoçar num restaurante com vista para o mar, quero planear a comemoração do meu aniversário com a certeza de que vou conseguir concretizar os meus planos. Já me estragaste as férias das Páscoa. Vê lá se ficas por aqui. Ainda tenho muitas paragens para conhecer, sítios para ir, aventuras para viver e é por isso que eu não tenho mesmo tempo para aturar o teu mau feitio. Desaparece de uma vez e vai para a caverna de onde nunca devias ter saído. Tenho dito.
Texto criativo escrito no âmbito do Desafio de escrita dos Pássaros. Podem seguir o desafio aqui.