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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

O meu ano de 2020 em livros

Charneca em flor, 31.12.20

Graças à  minha conta do Goodreads, descobri uma série de pormenores sobre as minhas leituras.

Por exemplo:

  1. Li 19 livros, num total de 5609 páginas 
  2. O maior livro que li foi "Os Irmãos Karamázov" de Fiódor Dostoiévski 
  3. O livro mais curto foi "O Manual do Bom Fascista" de Rui Zink
  4. O livro mais popular que li foi de Isabel Allende, "Longa Pétala de Mar" e o menos popular foi "Almanaque da Língua Portuguesa" de Marco Neves 
  5. Classifiquei os livros que li com uma média de 4,2 

 

Um bom ano de 2021, com muitas leituras 

Por Ladrar Noutra Coisa, Zaya e Guilherme Duarte

Charneca em flor, 25.12.20

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"Por Ladrar Noutra Coisa" é o diário da cadela Zaya escrita em parceria com o seu dono, o humorista Guilherme Duarte. Não deixa de ser um relato divertido do dia-a-dia visto pelos olhos da sorridente Zaya mas também nos faz pensar em como há humanos que não merecem o amor incondicional que os cães lhe devotam. Revisitamos aquilo que Zaya viveu na sua vida passada, antes de entrar na vida de Guilherme Duarte e da namorada, e acompanhamos a felicidade que ela conheceu quando saiu do canil.

Este livro pretende, em primeiro lugar, divertir mas também emociona e faz pensar. A Zaya mostra-nos como os humanos podem ser complicados e como a vida ser muito mais fácil se não nos levássemos tão a sério.

Já sigo o Guilherme Duarte há muito tempo. Preparem-se para o seu sarcasmo e a sua ironia apurada. E também algumas asneiras .

Aconselho vivamente este diário, especialmente se quisermos passar umas horas repletas de gargalhadas. Bem que precisamos.

"25 de Dezembro Quarta-feira 

Este diário foi uma prenda dos humanos mal cheguei cá a casa. Não quero parecer pobre e mal-agradecida, mas foi um bocado desilusão quando abri o presente. Quando o vi, pensei que fosse uma dessas coisas de que eu gosto e que eles me têm dado: biscoitos diversos, comida duas vezes por dia, brinquedos variados, uma cama... Ainda pensei que fosse uma bola, que eu ADORO, mas pareceu-me logo estranho o formato do embrulho - dificilmente seria uma bola, que as bolas são redondas e eu não sou burra, mas nunca perdi a esperança até o abrir, e só aí é que percebi que era um livro. Pior, um livro com páginas em branco! Os humanos disseram que era um diário para eu escrever. Não percebo a necessidade humana de registarem as coisas que fazem no dia a dia. Escrevem o que fizeram como se tivessem uma vida muito interessante, tiram fotografias por tudo e por nada que nunca mais vão voltar a ver, em vez de aproveitarem o momento."

No teu olhar

Charneca em flor, 19.12.20

Luísa sorriu-lhe e Filipe decidiu pegar nos seus pertences para ir conversar com ela:

- Olá. Posso sentar-me contigo? Gostaria de conversar contigo.

Luísa assentiu e Filipe sentou-se:

- Primeiro que tudo, tenho que te pedir desculpa pela cena na cascata.

- Estás a pedir desculpa por me teres impedido de cair?! Só tenho a agradecer.

Filipe riu-se:

- Não me referia a isso. Falava da cena que a minha amiga te fez. Nada lhe dava o direito de te falar daquela maneira.

- Ah, isso. Até sou capaz de entender. Se calhar, eu faria o mesmo se visse o meu namorado agarrado a outra mulher. Bom, talvez não usasse o mesmo tipo de linguagem mas ainda assim…

- A Vanessa não é minha namorada. Não temos nenhum compromisso. Ela fez -se de convidada para vir comigo e eu não consegui evitar que ela viesse. O melhor é começar pelo princípio.

Filipe contou que era fotógrafo. Embora tivesse paixão pela parte artística da fotografia mas era obrigado a fazer trabalhos de freelancer em produções de moda e publicidade para conseguir manter-se e manter o seu trabalho artístico. Foi assim que conhecera Vanessa. Ela participara num trabalho que Filipe fizera para um catálogo de roupa. A marca fizera uma festa para celebrar o fim da produção e Filipe deixara-se seduzir por ela. Era para ser um encontro fortuito, one night stand como dizem os americanos, mas ela colara-se a ele e fizera-se de convidada para ir com ele até à aldeia.

- Mas com aquela reacção, ela parece alimentar sentimentos por ti.

- Não me parece. Conheço muitas mulheres daquele tipo. Ela aproximou-se de mim porque achou que eu a podia ajudar a subir na sua ansiada carreira de modelo.

- Tens-te assim em tão pouca conta? És um homem atraente – Luísa corou apercebendo-se do que tinha dito.

- Obrigada. Também não estás nada mal. – Filipe olhou Luísa nos olhos de forma profunda.

O silêncio instalou-se entre eles e nenhum dos dois desviou o olhar. Luísa estava a ficar constrangida por isso tentou encaminhar a conversa noutro sentido.

- A Maria diz que és um artista com muito talento.

- Oh, a Maria não é propriamente isenta. Ela conhece-me desde miúdo. É como se fosse da minha família. Gosto muito dela e do Fernando.

- Não sejas modesto. Reparei nalguns desenhos teus na pousada e são muito bons. Desenhas e fotografas, é isso?

- Basicamente. – as suas mãos pousavam no seu bloco, de forma protectora.

- E o que estavas a desenhar há pouco? Era a paisagem aqui da praia fluvial e da aldeia?

- Não era bem isso. Estava a desenhar de memória.

- Gostava de ver, se não te importares, claro.

Filipe ia abrir o caderno mas hesitou. Passado uns momentos, lá se decidiu.

- Espero que não leves a mal mas não consegui resistir.

Luísa não percebeu até os seus olhos baterem na folha que Filipe lhe estendia. Nas suas mãos estava um maravilhoso desenho a carvão. Era ela na cascata mas, ao mesmo tempo, era alguém diferente. Filipe retratara com um ar diáfano, como uma visão, uma deusa. Emocionou-se ao ver-se através do olhar artístico de Filipe.

- Não dizes nada, Luísa? Não gostaste? Ofendi-te de alguma forma?

Com voz embargada:
- Não, de maneira nenhuma. Está absolutamente… nem sei que dizer. Nunca me vi assim.

- Mas foi assim que eu te vi. Como uma visão mágica, uma deusa saída das águas da cascata. Fiquei maravilhado quando te encontrei. – A medo, acariciou-lhe a mão.

Luísa resistiu ao primeiro impulso de retirar a mão e deixou-se embalar pela sensação de tranquilidade que aquele cenário e a companhia de Filipe lhe proporcionavam. Ao contrário do que dizia a sua cabeça, o seu coração insistia na premente necessidade de conhecer melhor aquele homem que se atravessara, inesperadamente, no seu caminho.

As Longas Noites de Caxias, Ana Cristina Silva

Charneca em flor, 14.12.20

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A literatura pode ter várias funções. Há quem a utilize como forma de distracção, para estudar algum assunto, como forma de enriquecimento pessoal ou para fazer pensar. Eu incluo este livro de Ana Cristina Silva nesta última categoria. "As  Longas Noites de Caxias" é um livro perturbador e que nos põe a cabeça a funcionar. Esta obra perturba, em primeiro lugar, porque, embora seja uma obra de ficção, se baseia em factos verídicos relativamente recentes. Em segundo, faz-nos pensar que a História se pode repetir, mais cedo ou mais tarde. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte para que não seja possível perseguir alguém porque pensa de maneira diferente.

Neste livro acompanhamos o percurso individual bem como o "encontro" em Caxias de duas figuras antagónicas, uma jovem universitária presa política e uma agente da PIDE. Uma dessas personagem, a agente Leninha, foi inspirada em Madalena Oliveira, a única mulher a atingir o cargo de Chefe de Brigada. Esta mulher era, particularmente, cruel e chegou a ser julgada e condenada por crimes de violência desnecessária em 1977. A história da outra personagem, a estudante universitária Laura, podia ser a história de tantas mulheres corajosas que passaram pela prisão de Caxias e que sofreram as várias sevícias que ali foram praticadas. 

A autora articula a trama através de avanços e recuos temporais para percebermos como é que as circunstâncias da vida conduziram aquelas 2 mulheres ao momento em que as suas existências se cruzaram. A descrição das várias noites de tortura sofridas por Laura são tão reais que quase sentimos as dores que ela sentiu. Em relação a Leninha, compreendemos como é que a sua história pessoal contribuíu, em grande medida, para o seu carácter cruel e violento. Todavia, na minha opinião, isso em nada justifica a violência desmedida exercida sobre as presas políticas.

Mas ainda conseguimos encontrar outra personagem central, o medo. O medo está presente em quase todas as páginas de forma extremamente real e assustadora.

Ana Cristina Silva criou, com esta obra, uma oportunidade para que as gerações mais novas vejam o lado mais obscuro da ditadura e que compactuem com quem quer apagar, ou dissimular, a História 

Tendo em conta o progressivo aumento da extrema-direita um pouco por toda a Europa, inclusivé em Portugal, temo que estas situações se possam voltar a repetir. Aliás, até nos entram pela casa dentro, através da televisão, histórias de violência extrema e desnecessária exercida por figuras da autoridade.

Será que queremos mesmo viver num mundo assim?!

 

"O medo de não resistir à tortura. A coragem. E o tempo que se mantinha parado e que também vigiava Laura dentro da cela. Um tempo que estava suspenso e que deixava tudo em suspenso antes da tortura. Não era sem razão que os presos de Caxias se referiam à lenta queda na loucura, após semanas de isolamento."

Manhã de esperança

Charneca em flor, 12.12.20

- Oh, Luísa, compreendo perfeitamente o que sentes. Mas, não te deves sentir envergonhada. Esses 2 espécimes de hominídeos são indignos de ti. Fizeste bem em afastar-te. Claro que nem queres ouvir falar em homens agora mas, acredita, que as pessoas, sejam homens ou mulheres, não são todas iguais.

- Achas que não, Maria? Tu gostas muito do Filipe, pelo que percebo, mas não sei se ele é assim tão diferente. Afinal, assim que pôde, descartou aquela mulher que estava com ele.

- Bom, Luísa, tal como eu e o Fernando não contámos ao Filipe, a conversa que tiveste connosco ao jantar, eu também não posso partilhar contigo aquilo que ele nos contou. Não me quero armar em casamenteira mas ainda acho que devias, ao menos, conversar com ele. Suspeito que mexeste com ele tanto como ele mexeu contigo.

- Mas como é que sabes se ele mexeu comigo? Eu acho que não disse nada sobre isso.

- É, apenas, um palpite. Eu senti ali alguma química quando ele entrou na sala de jantar. Era palpável.

Luísa voltou a corar e não conseguiu evitar um sorriso. Maria sabia ler os sinais.

- Bom, já é tarde. É melhor irmos dormir. Obrigada pelo chá e por me ouvires, Maria.

- Eu é que agradeço a confiança.

- Se calhar, vou antecipar o meu regresso a casa.

- Mas, porquê? Acabaste de dizer que te sentias bem aqui. É por causa do Filipe? Ele não te vai perseguir, descansa. Não é pessoa para isso. A não ser que tu queiras – rematou Maria rindo.

- Não é por ele porque mal o conheço mas tenho medo daquilo que me fez sentir na cascata. Confesso que me perturbou.

- Não tenhas receio. Quem sabe até tenhas uma boa surpresa aqui na aldeia. Não te preocupes que esta conversa não saí desta cozinha. Dorme bem.


Apesar de tudo, Luísa dormiu muito bem e acordou com excelente disposição. Resolveu ficar mais uns dias ali na aldeia. Agora que estava desempregada, era dona do seu tempo. E se encontrasse Filipe, logo se via o que aconteceria.

Depois de se arranjar, desceu para tomar o pequeno-almoço. Como era dia de semana, havia poucos hóspedes. Apenas ela e um casal de meia-idade que se recolhiam cedo e madrugavam pela manhã. Raramente se cruzava com eles, faziam grandes caminhadas que envergonhavam pessoas mais jovens.

Quando a viu chegar, Maria sorriu-lhe com carinho enquanto lhe servia o pequeno-almoço. O ambiente na pousada era mesmo acolhedor tal como toda a aldeia. Não imaginava melhor lugar para se recuperar e para planear os passos que daria a seguir. Mas por enquanto só queria pensar no momento presente e naquela manhã soalheira. Com um livro debaixo do braço, caminhou até à praia fluvial da aldeia e instalou-se na esplanada.

Antes de abrir o romance que estava a ler, olhou em volta e reparou que, numa mesa mais distante, um homem de boné desenhava concentrado e absorto.

“É um artista, desenha maravilhosamente”, as palavras de Maria ecoaram na sua cabeça.

Seria ele? Seria Filipe, o rapaz da cascata? Sentiu o seu coração bater descompassado. A sua cabeça não conseguia controlar as suas emoções.

Como se pressentisse que estava a ser observado, Filipe levantou a cabeça e o seu olhar, intenso, cruzou-se com o olhar dela.

Florbela Espanca

8 de Dezembro de 1894 - 8 de Dezembro de 1930

Charneca em flor, 08.12.20

Hoje passam 90 anos sobre o dia que Florbela Espanca escolheu para  morrer, no dia em que fazia 36 anos. Uma alma perturbada mas que foi capaz de elaborar os mais belos poemas. Aqui fica aquele ao qual fui roubar o meu nome virtual.

Charneca em Flor

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu bruel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade...

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!

Reunião familiar

Charneca em flor, 08.12.20

Respondendo ao desafio da Isabel, aqui fica "O meu conto de Natal":

《A pequena Madalena escreveu, com afinco, uma carta ao Pai Natal:

“Querido Pai Natal,

Não preciso de muitos presentes neste Natal. Já tenho brinquedos suficientes. Aliás até já fui com a mamã dar brinquedos aos meninos pobres. O que desejava mesmo era que o meu Natal fosse um Natal alegre e feliz. Não queria que os meus pais discutissem por causa do sítio onde eu vou passar a Consoada ou o Dia de Natal. No ano passado, o primeiro Natal desde que se separaram, foi uma grande confusão. Os adultos fizeram-me andar a correr de um lado para o outro.
Eu sei que os meus pais nunca mais vão viver juntos e que agora, em vez de sermos uma só família, haverá sempre a família do pai e a família da mãe. Mas eu sou só uma e eles não me podem cortar ao meio.
Eu ficava tão feliz se, ao menos no Natal, as 2 famílias se pudessem juntar outra vez. Esse é o presente que eu mais desejo.
Despeço-me até dia 24 de Dezembro. Agasalhe-se bem. Gosto muito de si.

Beijinhos
Madalena

P.S. – Se me trouxesse um cãozinho também era bom mas não quero abusar.”

De seguida, colocou a carta num envelope e endereçou-o ao Reino do Pai Natal na Lapónia. Antes da mãe a deixar na porta da escola, pediu-lhe que enviasse a sua carta. A mãe concordou, sorrindo.

A mãe da criança guardou a carta até à hora do almoço. Sempre estimulara a que a filha acreditasse na magia do Natal principalmente desde que se separara já que os últimos tempos não tinham sido fáceis. Um divórcio, por mais amigável que fosse, era sempre complicado. Era preciso encontrar um novo equilíbrio, uma nova harmonia familiar e isso levava o seu tempo. Nada a preparara para o que descobriu na carta que Madalena escrevera ao Pai Natal. Não conseguiu conter as lágrimas quando percebeu que o Natal do ano anterior tinha sido uma época triste para a filha. Relembrou os alegres Natais antes do divórcio com toda a família reunida. O seu ex-cunhado vestia-se de Pai Natal e era uma alegria para as crianças. Madalena tinha razão. O Natal passado não tinha sido assim tão feliz e ela tinha chegado a discutir com o ex-marido porque não queria que a filha fosse passar o dia de Natal com a família dele já que era a sua semana de ficar com ela. Acabou por ceder mas mal tinha comido o delicioso polvo que a sua mãe fazia todos os Natais.

Perante aquela carta só havia uma atitude a tomar se queria que a filha continuasse a acreditar na magia do Natal. Percorreu a lista de contactos até encontrar o número familiar.

No dia 24 de Dezembro, Madalena estava em casa da avó Joana, mãe do seu pai. Ela e os primos armavam a maior confusão correndo pelo longo corredor. De vez em quando, espreitava a azáfama da cozinha onde a avó e os tios se atarefavam na cozinha. O pai não largava o telemóvel.

Perto da hora do jantar, tocaram à campainha. O pai pegou na mão da Madalena:
- Vem cá comigo abrir a porta. Chegou uma surpresa para ti.

Quando a porta se abriu, Madalena olhou perplexa para quem acabava de chegar.

Na soleira da porta estava a mãe, os avós Maria e João e a tia Sofia.
- Mas, mas… não percebo. O que estão aqui a fazer? – Madalena não sabia se havia de rir ou chorar de emoção. Estava tão contente que sentia que o seu coração ia rebentar de alegria.

Todos os adultos sorriam e tinham os olhos brilhantes como se tivessem lágrimas prestes a saltar.

As 2 famílias de Madalena voltaram a sentar-se à mesma mesa para celebrar o Natal e empenharam-se em viver aqueles momentos com serenidade e harmonia.
Madalena não parava de sorrir. Estava sentada entre a mãe e o pai. Apesar da sua tenra idade, compreendia a cedência que os seus pais tinham sido capazes de fazer para que ela tivesse o Natal que sonhara.

Levantou-se e segredou ao ouvido do tio:
- Sabes, tio Zé, hoje não precisas de te vestir de Pai Natal. Eu já recebi o melhor presente.

Ao longe ouviu-se um latido. Parecia um cachorrinho.》

 

P.S. - Quando vi este post, fiquei com a ideia de te que, no ano passado, tinha escrito um conto de natal. Só que não o encontrava em lado nenhum. Nem na lista da Isabel nem no meu blogue. Achei que tinha pensado em escrever mas que não o tinha chegado a fazer. Qual não foi a minha surpresa quando encontrei o início desta história perdido no meu arquivo. Foi só acabar de escrevê-la. Afinal, esta história continuou a existir num canto escondido da minha cabeça e do meu tablet .

 

Desabafo doloroso

Charneca em flor, 05.12.20

Tudo começou como uma brincadeira. Devido ao desafio das palavras da Mel e da Mula, escrevi uma história que só devia ter 2 capítulos. Só que alguns simpáticos seguidores convenceram-me a dar continuidade à história. Hoje publico mais um capítulo. Para quem quiser seguir a história, vou agregar todos os posts com a hastag #luísaefilipe

"Luísa contou à sua recente amiga e anfitriã como tinha tido uma experiência traumática com o seu chefe. A jovem trabalhava há alguns anos numa empresa de marketing e publicidade, desde que terminara a faculdade. Conhecia o seu chefe desde essa altura uma vez que tinham trabalhado juntos nalguns projectos até ele ter sido promovido. Luísa considerava-o um amigo e tinham saído várias vezes juntos com os respectivos companheiros. Qual não foi o espanto que sentiu quando, nos últimos meses, começou a perceber que o chefe não era a pessoa que ela imaginava. Começara a notar pequenos sinais estranhos que não valorizou, inicialmente. Uns toques na mão, um roçar no corpo como se fosse inadvertido, um olhar mais lascivo que ela pensou que fosse só a sua imaginação… Até ao dia em que ele foi directo ao assunto. Surgira a possibilidade de Luísa ser promovida mas não era a única candidata. Ele disse-lhe, claramente, que se prolongassem a hora do almoço até um quarto de hotel, ele ia indicá-la para o lugar. Nessa altura, as lágrimas corriam pelo bonito rosto de Luísa e ela não foi capaz de prosseguir.
Maria abraçou-a com carinho.
- Que horror, Luísa, parece uma história daquelas que se vêem em filmes. E o teu namorado? Falaste há pouco que ambos tinham companheiros. Ai, desculpe, não queria tratá-la por tu.
A jovem foi-se controlando, a pouco e pouco.
- Estou a abrir o meu coração. Não faz grande sentido um tratamento tão formal. Também posso tratar-te por tu, Maria?
- Claro que sim. Mas continua, se te sentires capaz.
- O João é meu namorado desde os nossos 15 anos. Vivemos juntos desde que começamos a trabalhar. Ele foi a minha segunda desilusão.
- Então? Não compreendo.
- Quando lhe contei, pensei que ele fosse tirar satisfações com o meu chefe ou dar-me apoio para eu me despedir imediatamente mas não foi nada disso que aconteceu. Disse-me que eu era pouco ambiciosa, que ele não se importava que eu acedesse aos caprichos do outro se isso significasse uma progressão na minha carreira e no meu ordenado. Senti que o João achava que eu era uma prostituta e ele, o meu proxeneta. Nunca me senti tão humilhada e envergonhada na vida.
Luísa chorava copiosamente e Maria tentou, em vão, enxugar as suas lágrimas. Pobre rapariga, pensava ela.
- E o que fizeste?
- Disse ao João que não era essa a reacção que eu esperava e que talvez fosse melhor dar um tempo na nossa relação. Fiz uma mala e fui para a casa dos meus pais. Não lhes disse o que se tinha passado, só que tinha tido uma discussão com o João. No dia seguinte, fui aos recursos humanos e apresentei a minha carta de demissão. Como tivemos muito trabalho durante vários meses, eu tinha muitos dias de férias para tirar bem como folgas por ter trabalhado vários fins-de-semana. Assim vim de férias para este paraíso. Tinha visto a vossa pousada num artigo de uma revista e cá estou eu. Desliguei todas as minhas redes sociais e só atendo chamadas dos meus pais e da minha irmã. Só eles é que sabem onde estou. Nos primeiros dias houve muitas tentativas de contacto quer do João quer do meu chefe, por várias formas por isso desliguei tudo. Só quero estar aqui, em contacto com a natureza, com as pessoas acolhedoras aqui da aldeia e com os meus livros. E estou quase a conseguir encontrar-me de novo.

Palavra do Ano 2020

Charneca em flor, 01.12.20

Este ano, a Porto Editora volta a lançar a iniciativa Palavra do Ano. Esta iniciativa "tem como principal objetivo sublinhar a riqueza lexical e o dinamismo criativo da língua portuguesa, património vivo e precioso de todos os que nela se expressam, acentuando, assim, a importância das palavras e dos seus significados na produção individual e social dos sentidos com que vamos interpretando e construindo a própria vida."

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Qualquer um de nós pode participar na escolha da palavra que marcou o ano de 2020 votando aqui.

Eu já participei.