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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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No teu olhar

Charneca em flor, 19.12.20

Luísa sorriu-lhe e Filipe decidiu pegar nos seus pertences para ir conversar com ela:

- Olá. Posso sentar-me contigo? Gostaria de conversar contigo.

Luísa assentiu e Filipe sentou-se:

- Primeiro que tudo, tenho que te pedir desculpa pela cena na cascata.

- Estás a pedir desculpa por me teres impedido de cair?! Só tenho a agradecer.

Filipe riu-se:

- Não me referia a isso. Falava da cena que a minha amiga te fez. Nada lhe dava o direito de te falar daquela maneira.

- Ah, isso. Até sou capaz de entender. Se calhar, eu faria o mesmo se visse o meu namorado agarrado a outra mulher. Bom, talvez não usasse o mesmo tipo de linguagem mas ainda assim…

- A Vanessa não é minha namorada. Não temos nenhum compromisso. Ela fez -se de convidada para vir comigo e eu não consegui evitar que ela viesse. O melhor é começar pelo princípio.

Filipe contou que era fotógrafo. Embora tivesse paixão pela parte artística da fotografia mas era obrigado a fazer trabalhos de freelancer em produções de moda e publicidade para conseguir manter-se e manter o seu trabalho artístico. Foi assim que conhecera Vanessa. Ela participara num trabalho que Filipe fizera para um catálogo de roupa. A marca fizera uma festa para celebrar o fim da produção e Filipe deixara-se seduzir por ela. Era para ser um encontro fortuito, one night stand como dizem os americanos, mas ela colara-se a ele e fizera-se de convidada para ir com ele até à aldeia.

- Mas com aquela reacção, ela parece alimentar sentimentos por ti.

- Não me parece. Conheço muitas mulheres daquele tipo. Ela aproximou-se de mim porque achou que eu a podia ajudar a subir na sua ansiada carreira de modelo.

- Tens-te assim em tão pouca conta? És um homem atraente – Luísa corou apercebendo-se do que tinha dito.

- Obrigada. Também não estás nada mal. – Filipe olhou Luísa nos olhos de forma profunda.

O silêncio instalou-se entre eles e nenhum dos dois desviou o olhar. Luísa estava a ficar constrangida por isso tentou encaminhar a conversa noutro sentido.

- A Maria diz que és um artista com muito talento.

- Oh, a Maria não é propriamente isenta. Ela conhece-me desde miúdo. É como se fosse da minha família. Gosto muito dela e do Fernando.

- Não sejas modesto. Reparei nalguns desenhos teus na pousada e são muito bons. Desenhas e fotografas, é isso?

- Basicamente. – as suas mãos pousavam no seu bloco, de forma protectora.

- E o que estavas a desenhar há pouco? Era a paisagem aqui da praia fluvial e da aldeia?

- Não era bem isso. Estava a desenhar de memória.

- Gostava de ver, se não te importares, claro.

Filipe ia abrir o caderno mas hesitou. Passado uns momentos, lá se decidiu.

- Espero que não leves a mal mas não consegui resistir.

Luísa não percebeu até os seus olhos baterem na folha que Filipe lhe estendia. Nas suas mãos estava um maravilhoso desenho a carvão. Era ela na cascata mas, ao mesmo tempo, era alguém diferente. Filipe retratara com um ar diáfano, como uma visão, uma deusa. Emocionou-se ao ver-se através do olhar artístico de Filipe.

- Não dizes nada, Luísa? Não gostaste? Ofendi-te de alguma forma?

Com voz embargada:
- Não, de maneira nenhuma. Está absolutamente… nem sei que dizer. Nunca me vi assim.

- Mas foi assim que eu te vi. Como uma visão mágica, uma deusa saída das águas da cascata. Fiquei maravilhado quando te encontrei. – A medo, acariciou-lhe a mão.

Luísa resistiu ao primeiro impulso de retirar a mão e deixou-se embalar pela sensação de tranquilidade que aquele cenário e a companhia de Filipe lhe proporcionavam. Ao contrário do que dizia a sua cabeça, o seu coração insistia na premente necessidade de conhecer melhor aquele homem que se atravessara, inesperadamente, no seu caminho.