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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Desafio Arte e Inspiração #7

"O Beijo"

Charneca em flor, 27.10.21

Emília sentia-se muito feliz. Empreender uma viagem sozinha tinha sido uma ideia temerária uma vez que era contrária à sua maneira de ser. Nunca fora muito aventureira. No entanto, sonhava conhecer Viena há muito. Quando ainda era muito jovem ficara fascinada com o filme “Sissi", baseada na vida da Imperatriz Elisabete, esposa do jovem Imperador Francisco José de Habsburgo.

Ao longo dos anos foi pesquisando tudo o que podia sobre a Áustria e a sua capital Viena. A sua dedicação levaram-na a perceber o papel influente que a família Habsburgo tivera na História da Europa ao longo de nove séculos bem como a importância que a Áustria teve na cultura europeia. Na Áustria nasceram pessoas tão talentosas, como Sigmund Freud, Gregor Mendel, Hans Asperger, os compositores Strauss, Mozart, Schubert ou o pintor Gustav Klimt. No que diz respeito à música, a importância que a família Habsburgo lhe atribuía atraiu também compositores estrangeiros como Beethoven por exemplo.

Deambulando pelas ruas de Viena, Emília tinha a sensação que se respirava cultura. A cidade era mesmo a capital imperial a julgar pela imponência dos seus edifícios e pela grandeza das suas estátuas. Nos seus dias sem compromissos, Emília perdera-se na atmosfera dos cafés vienenses e passeara nos magníficos jardins do Palácio de Schönbrunn, onde vivera D. Leopoldina de Habsburgo que foi Rainha de Portugal pelo casamento com D. Pedro IV. Infelizmente, a semana estava quase no fim e o regresso à rotina aproximava-se. Naquele dia, Emília programara a visita ao Palácio Belvedere onde se situa a Galeria Belvedere. Ali podiam-se ver obras desde a Idade Média, passando pelo período Barroco, pelo período de Arte Nova até ao séc. XXI. Ela foi observando todas as obras com mais ou menos atenção enquanto procurava um quadro que sempre lhe despertara curiosidade. Até que entrou numa sala e lá estava ele, “O Beijo" de Gustav Klimt.

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"O Beijo" de Gustav Klimt

O magnetismo que aquela obra exerceu sobre ela fez com que se abstraísse de tudo o que a rodeava. Os seus olhos estavam presos nos pormenores da pintura. Qual teria sido a intenção do artista ao conceber aquela cena? Porque é representara o homem com linhas rectas enquanto a mulher está coberta por figuras geométricas circulares? Aquele “Beijo" terá sido consentido ou não? Afinal o homem pega no rosto da mulher e agarra-a de uma maneira que transmite a sensação de domínio. A expressão que Klimt atribuí à mulher é enigmática. Será que gosta do beijo ou nem por isso? E os pés? Estão numa posição estranha, dão a impressão de crispação.

- A beleza da arte é que cada pessoa lhe pode dar o seu próprio significado.

Emília sobressaltou-se. A seu lado, estava homem muito atraente que lhe sorria. Emília imaginou-se a ser beijada por aquele homem como a protagonista do quadro de Klimt e pensou que devia ser muito agradável. Sem perceber de onde saíra aquela ideia despropositada, corou enquanto dizia:

- Como?

- Desculpe mas não pude deixar de ouvir aquilo que “conversava" com este quadro.

Não percebia o que lhe dizia aquele homem. Será que tinha pensado em voz alta outra vez?

- Lamento se perturbei o seu sossego. Tenho o hábito de pensar alto. Já me tem trazido alguns dissabores.

- De modo nenhum. Até achei graça. Quer acompanhar-me pelo resto do Museu? Estou sozinho e gosto de discutir o que vejo com outras pessoas.

Emília pensou: “ E porque não? Não tenho nada a perder.”

Assim a viagem deixou de ser solitária porque Gustavo, assim se chamava o homem, a levou a conhecer a Viena que se escondia atrás dos edifícios imponentes da cidade imperial.

 

No desafio Arte e Inspiração, participam  Ana D.Ana de DeusAna Mestrebii yue, Bruno EverdosaCélia, Cristina Aveiro, Fátima BentoImsilvaJoão-Afonso MachadoJosé da XãLuísa De SousaMariaMaria AraújoMiaOlgaPeixe FritoSam ao LuarSetePartidas

 

 

Carta de Guerra, Bárbara Tinoco

Charneca em flor, 25.10.21

Hoje a música chega mais tarde porque estive à espera que este vídeo fosse publicado. Bárbara Tinoco é uma jovem cantautora de enorme valor e sensibilidade. Tem, apenas, 22 anos. Na passada semana, lançou o seu álbum "Bárbara" do qual faz parte esta música de homenagem aos seus avós. Ele esteve na Guerra do Ultramar e ela ficou cá à espera das suas cartas e do seu regresso. Os próprios, João e Maria, são os protagonistas deste vídeo delicioso.

Achei espectacular que uma jovem de 22 anos escrevesse uma música sobre este tema, tão distante, da sua realidade. Mas, se pensarmos bem, a canção fala de amor e o amor é intemporal. Esta história é comum a tantos casais onde os meus pais se incluem. Talvez por isso me tenha sensibilizado tanto. Afinal, esta é também a minha história.

Espero que gostem.

 

Desafio Arte e Inspiração #6

Alentejo do meu coração

Charneca em flor, 20.10.21

O automóvel rolava, suavemente, pela estrada que eu conhecia tão bem. Sem razão aparente, sentia-me um pouco ansiosa. Pensando bem, aquela reacção era-me familiar. A expectativa de voltar aos meus lugares causava-me, sempre, alguma perturbação.

Sem nunca deixar de estar atenta à condução, comecei a reparar que a paisagem que ladeava a via se ia alterando. Os tons tornavam-se, progressivamente, mais dourados. E, finalmente, vi a placa que indicava o início do meu Alentejo. Avistar aquele marco fazia-me respirar doutra forma. A partir dali, sentia-me em casa.

Não nasci no Alentejo mas é onde se encontram as minhas raízes. Os meus pais migraram para os arredores de Lisboa no início dos anos 70, acompanhando o movimento do interior para o litoral. Assim eu cresci, maioritariamente, longe do Alentejo mas os meus pais mantiveram uma relação muito estreita com a família que por lá ficou. Sempre que possível rumavam ao torrão natal. Desde cedo que percebi que o Alentejo era a minha verdadeira casa. Talvez isso se tenha devido à minha maneira de ser mas nunca senti a terra onde cresci como a minha terra natal. Foi no regaço da minha avó que construí as minhas memórias mais felizes. Ao contrário dos meus amigos da ciddade, eu sempre soube de onde vêm os ovos ou a diferença entre um sobreiro e uma oliveira. Durante toda a infância e adolescência, férias escolares rimavam com Alentejo. Nesses momentos, os dias corriam velozes e eu terminava-os suja mas extremamente feliz. Os meus brinquedos eram a terra, as folhas e os galhos. Os meus companheiros tanto podiam ser cães, gatos, porcos, cabras mas também os outros miúdos da terra. A maioria dos meus amigos das férias eram, mesmo, alentejanitos mas também um ou outro miúdo da cidade.

Na adolescência, o cenário foi-se alterando. Os jovens da cidade já não apareciam tantas vezes e alguns adolescentes da terra também desapareceram. O trabalho começou a escassear por ali e as famílias que tinham resistido aos primeiros movimentos migratórios acabaram por se verem obrigadas a procurar outras paragens com mais oportunidades. Os velhos ficaram e eu continuei a ser das poucas adolescentes que continuava a preferir passar ali o Verão do que numa qualquer praia lotada do Algarve.

Depois de a minha avó falecer, foram poucas as vezes que voltei ao Alentejo. As recordações eram muito dolorosas e não soube lidar com elas. Só eu sei a falta que a minha avó me faz. O seu amor ainda me aquece o coração.

A seguir à  última curva da estrada, a aldeia surgiu encavalitada num monte. Chegada à casa da minha avó, senti o coração apertado como era habitual desde que ela partira. A sua ausência ocupava todas as divisões mas ao mesmo tempo cada canto despoletava em mim recordações muito felizes.

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Sobreiro, El Rei D. Carlos de Bragança, 1905

Olhei para o relógio e reparei que se aproximava a hora do evento que me levara a regressar ali. Com o coração aos saltos, encaminhei-me para o montado contíguo ao quintal da minha avó. As árvores já não eram bem iguais às que viviam na minha memória, os anos não passavam só pelas pessoas. De repente, lá estava ele, o quercus mais antigo da região. Por momentos, voltei a ser uma adolescente tímida e apaixonada. Ali, encostada ao seu tronco poderoso, aconteceu o meu primeiro beijo. E, à minha espera, estava o protagonista da minha mais bela história de amor. Os 30 anos que passaram apagaram-se num ápice quando o nosso olhar se cruzou. As nossas conversas, pela noite fora, no Messanger já tinham reacendido a chama da paixão. No momento do reencontro, as emoções inundaram-nos em catadupa e o sobreiro grande voltou a ser a testemunha silenciosa dos nossos beijos apaixonados.

 

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A Luz, Stephen King

Charneca em flor, 19.10.21

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Não escolho este género literário com frequência mas este mês propus-me a experimentar a ler um thriller. O tema proposto pelo clube de leitura #umadúziadelivros da Rita da Nova para o mês de Outubro foi, precisamente, "Um livro assustador"

Nem me lembrava que tinha esta edição na prateleira. A leitura não foi fácil e algumas passagens assustaram-me verdadeiramente. O que quer dizer que o objectivo deste livro foi atingido. A história está bem escrita, como é óbvio, embora se possa dizer que a época em que foi escrita está muito marcada no enredo. O autor recorreu a ideias muito diferentes para nos provocar muitos momentos assustadores. Não sei se se pode considerar uma obra intemporal mas não deixa de ser um clássico dos thrillers. O facto de este romance ter uma criança como personagem principal incomodou-me muito e quase que me levou a desistir da leitura. Isso levou a que, no início, avançasse com alguma dificuldade mas a partir de certa altura, o livro conseguiu prender-me até à última linha.

O protagonista da história é um menino de 5 anos muito especial. O pai, um homeme problemático, arranja um trabalho como zelador num hotel isolado nas montanhas que fica fechado durante o Inverno. Devido aos grandes nevões que caem naquela região, quem está no hotel pode ficar muitos meses sem falar com mais ninguém para além das pessoas que estão consigo no hotel, neste caso a família Torrance, Danny, o menino e os pais Jack e Wendy. Obviamente que este isolamento afecta qualquer pessoa sujeita a essa experiência como bem sabemos pelo último ano e meio de pandemia. No entanto, podemos dizer que o edifício antigo onde se situa o hotel Overlook também é personagem nesta história.

Apesar de ter gostado desta história, este género não é para mim. No entanto é importante sairmos da nossa zona de conforto. Afinal, não podemos ler sempre o mesmo.

"Por um momento foi incapaz de respirar, a vista tinha-a deixado sem fôlego. Estavam parados próximos do cume de um pico. Do outro lado - ninguém sabe a que distância - uma montanha ainda mais alta empinava-se no céu, com o cume recortado, apenas uma silhueta aureolada pelo sol que coneçava a pôr-se. 

(...)

Afastou o olhar do abismo quase à força e acompanhou o dedo de Jack. Podia ver a estrada agarrada à encosta daquele pináculo de catedral, com um traçado sinuoso mas sempre dirigindo-se para noroeste, ainda subindo, porém menos íngreme. Mais adiante, aparentemente cravado na própria encosta, viu os pinheiros rigidamente fixados darem lugar a um relvado muito verde tendo ao centro, contemplando tudo, o hotel. O Overlook. Ao vê-lo, tomou fôlego e recuperou a voz.

- Oh, Jack, é esplêndido!"

 

 

"Por Mim", Rita Guerra e João Paulo Rodrígues

Charneca em flor, 18.10.21

Já estou de "orelha em pé" com esta música desde a semana passada mas teve que ficar adiada.

Rita Guerra conta com uma carreira de mais de 30 anos e é dona de uma enorme capacidade vocal. A cantora e compositora cruzou-se com João Paulo Rodrigues no programa televisivo "A Máscara" e gostou muito de o ouvir cantar. Agora surgiu a oportunidade de gravarem um dueto. E quanto a mim, resultou muito bem.

"Por Mim" é uma canção sobre alguém que quer sair de uma relação onde já não faz sentido continuar. As vozes combinam-se muito bem e o vídeo também é muito bonito. A autoria deste tema, letra e música, é partilhada por Rita Guerra, Diogo Guerra, Kaysha, Ivo Lucas, Rui Carvalho e João Carrasqueira.

Espero que gostem.

Boa semana.

Desafio Arte e Inspiração #5

Esqueleto no quarto

Charneca em flor, 13.10.21

O ano de 1966 ficou marcado na vida daquela família. Depois de um trabalho de parto de várias horas, nasceu Frederica. O dia 6 do 6º mês começara há, apenas, 6 minutos quando se ouviu o choro inconfundível de uma criança acabada de nascer.

A velha parteira, que ajudava bebés a nascer há 60 anos, pousou a pequena criatura nos braços da mãe dizendo:

- É uma menina especial. O momento do nascimento ficou marcado por um número mágico. – a anciã referia-se à coincidência do número 6 no momento do nascimento.

A mãe, exausta, nem percebia bem o que dizia a parteira mas fez um esforço para sorrir. Aquela filha tinha sido muito desejada mas o cansaço acumulado dominava-a. Agora que tinha a filha nos braços e que a via tão perfeita, o corpo pedia-lhe que fechasse os olhos e dormisse.

Toda a família se deixou encantar por aquele ser tão pequenino. Desde o primeiro minuto, Frederica tornou-se no centro do pequeno universo formado pelas grossas paredes da casa. No entanto, nem tudo ia bem. Durante o dia, era um bebé tranquilo mas, quando caía a noite, a pobre criança chorava desalmadamente. Ninguém conseguia acalmá-la. Durante todas as horas da noite, havia sempre alguém com ela ao colo mas o pranto não parava.

A família não poupou recursos e procurou os melhores especialistas mas não se conseguia descobrir qual era o problema. Desesperada, a mãe levou-a ao padre da aldeia vizinha, conhecido por ser exorcista. Na presença daquele santo homem, a menina chorava e ria ao mesmo tempo, de maneira assustadora. O sacerdote não hesitou e exorcizou a menina.

A visita ao padre teve efeitos durante alguns dias mas, rapidamente, o choro nocturno voltou a ouvir-se por toda a casa e redondezas.

Até que um dia apareceu por ali uma estranha personagem. A mulher era muito idosa e estava vestida pobremente. Os cabelos e as unhas pareciam muitos sujos e o rosto era dominada por uma verruga gigantesca donde saíam compridos pêlos. O feitor encontrara-a à beira do caminho onde pedia ajuda. O homem era dono de um coração bondoso e, como o monte tinha algumas casas vazias, ofereceu-lhe guarida.

O choro nocturno ouvia-se até às casas do monte. Todas as noites, a velha sentava-se à porta hipnotizada com aquele som. Durante o dia começou a espalhar, pelos vizinhos, que conseguia ajudar a menina.

Não tardou que tal assunto chegasse aos ouvidos da mãe da criança e numa manhã pegou em Frederica e foi procurar a tal velha.

Quando viu a estranha mulher, ficou assustada mas não teve coragem para voltar para trás.

- Ainda bem que vieste, minha filha. Sei que em tua cass têm sofrido muito mas eu vou ajudar-te. Deixa-me pegar na tua menina.

A velha pegou na criança e sentou-a no colo. Fixou o seu estranho olhar na criança. De repente, revirou os olhos e ficou estática durante um bom bocado. De início, Frederica ainda choramingou mas depois começou a olhar para a velha com interesse. A mulher balbuciou qualquer coisa que ninguém percebeu.

A estranha voltou-se para a mãe de Frederica:

- A tua filha nasceu de noite, não foi? Ela foi marcada pela lua. Desde o dia em que nasceu que há 6 espíritos que a atormentam todas as noites.

As lágrimas corriam pelo rosto da mãe de Frederica. Agora é que estava apavorada.

- E não há nada a fazer?

- A única solução é apelar à ajuda de uma antepassada da Frederica. No jazigo mais antigo do cemitério, têm que procurar o caixão da tataravó. O nome é Madalena Carmem. Quando abrirem o esquifo, vão descobrir que, apesar dela ter morrido há mais de 150 anos, o esqueleto está intacto. A menina tem que dormir na companhia do esqueleto. A presença da tararavó afastará todos os outros espíritos e vai protegê-la para toda a vida.

A velha mulher calou-se enquanto a mãe levava Frederica pela mão. Ia um pouco desalentada porque não sabia como é que ia convencer a família a pôr um esqueleto no quarto da menina.

Obviamente que a ideia não foi muito bem aceite mas tanto insistiu que o marido moveu influências e, por portas e travessas, lá conseguiu o esqueleto da tataravó.

Desde a primeira noite em que teve o esqueleto por companhia que Frederica dormiu perfeitamente. Nunca mais deixou de dividir o quarto com a tataravó. Os outros espíritos mantiveram-se bem afastados e isso é que era importante.

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El sueño, Frida Kahlo (1940)

A velha? Assim que o esqueleto chegou, ela desapareceu sem deixar rasto.

 

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Onde vais, Bárbara Bandeira e Carminho

Charneca em flor, 11.10.21

Quem pesquisar os meus posts de música, quer neste blogue quer n' "O Voo da Garça", apercebe-se de que gosto muito de partilhar canções em dueto, principalmente se forem combinações improváveis. 

Nunca imaginaria um dueto entre Bárbara Bandeira e Carminho mas não foi só por isso que escolhi este tema para partilhar esta semana. "Onde vais", para mim, é uma das mais belas canções de 2021. A letra foi escrita pelas intérpretes e por Ivo Lucas. Na música também colaboraram Bárbara Bandeira, Carminho, Ivo Lucas, Phelipe Ferreira e Tyoz.

Tendo a conta a participação de Bárbara Bandeira com Ivo Lucas torna impossível não nos lembrarmos de Sara Carreira ao escutarmos, com atenção, a letra deste tema. Ivo Lucas era o namorado da jovem cantora e Bárbara Bandeira era uma das suas melhores amigas.

Espero que gostem tanto como eu. Boa semana.

 

Nobel da Literatura 2021

Charneca em flor, 10.10.21

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A semana que passou ficou marcada pelo anúncio dos laureados com os Prémios Nobel nas várias áreas. No dia 7 de Outubro ficou-se a conhecer o Prémio Nobel da Literatura de 2021, o romancista e contista Abdulrazak Gurnah, natural de Zanzibar.

Já há mais de uma década que não se premiava um africano. O comité Nobel justifica assim esta atribuição:

"O prémio foi atribuído ao romancista nascido em Zanzibar [região autónoma da Tanzânia] e ativo em Inglaterra, pela sua capacidade de mergulhar de forma intransigente mas também compassiva nos efeitos do colonialismo e nos destinos dos refugiados que estão num abismo, divididos entre culturas e continentes”

Embora o comité Nobel queira fazer parecer que não têm  motivações políticas, tal não corresponde bem à realidade. Nos últimos anos muito se tem falado sobre os erros do colonialismo e sobre os seus símbolos bem como é impossível passar ao lado do problema dos refugiados. Esta atribuição prova que os membros do comité não estão fora da vida real. 

Abdulrazak Gurnah chegou ao Reino Unido, como refugiado em 1960 e passou, agora, a fazer parte da já extensa galeria dos Prémios Nobel.

O escritor escreve em inglês e existe, apenas, um livro traduzido para português. Trata-se de "Junto ao mar", editado em 2003 em Portugal.

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Desafio Arte e Inspiração #4

Prima donna

Charneca em flor, 06.10.21

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Solange folheava um velho caderno de folhas amareladas. De vez em quando, parava e lia um pouco do que estava escrito. A ingenuidade que transparecia daquelas palavras inspirava-lhe inúmeros sorrisos. Aquilo que estava à sua frente era o diário que escrevia na adolescência. Encontrara-o, perdido, numa caixa de livros que nunca chegara a arrumar. O achado tinha-a feito recuar mais de 20 anos.

Por momentos, voltara a ser uma jovem sonhadora que imaginava como seria a sua vida de adulta. Naquelas páginas derramara as suas alegrias e as suas angústias bem como as suas lágrimas. Na época, a dança já ocupava grande parte do seu tempo. A professora que a acompanhava fizera-a acreditar que tinha as capacidades para se tornar uma prima donna. E ela alicerçara a sua vida nessa certeza. A sua dedicação era total. Enquanto as suas amigas iam ao cinema, a discotecas, namoriscavam com este ou com aquele, Solange treinava e voltava a treinar. Mesmo assim, ela julgara ser possível chegar ao topo do mundo da dança e construir uma vida familiar estável onde coubessem um marido e 2 filhos. Nas páginas do diário encontrava-se a descrição do marido perfeito e até os hipotéticos nomes para os filhos que nunca chegaram a nascer. Quanta ingenuidade.

A sua luta diária para ser a melhor bailarina do mundo dera resultado. Solange chegou a prima donna dançando com as melhores companhias de bailado e pisara alguns dos mais icónicos palcos do mundo. Nessa auto-estrada de sucesso, perdera-se do amor. Os poucos homens por quem se apaixonou espalharam-se pelas estradas secundárias da existência. Para que um sonho se realizasse, outros tiveram que se desfazer.

Agora, passados tantos e tantos anos, ali estava ela recordando os seus momentos de glória que, durante muito tempo, foram ofuscando a ausência daqueles que não chegaram a ser.

Solange vivera rodeada de pessoas que fingiam interessar-se por ela mas que só queriam aproveitar a sua sombra de árvore frondosa que se destacava na floresta. Aplaudida por multidões, agora ali estava ela, só, com um simples caderno de páginas amareladas por única companhia.

 

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