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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Autumn, Ali Smith

Charneca em flor, 25.12.21

IMG_20211221_152649.jpgEste ano, em termos literários, fiz um esforço para sair da minha zona de conforto e tentei ler livros diferentes do que me era habitual. Uma das experiências foi ler em inglês. Já o tinha feito no início do ano com "Normal People" e agora, por sugestão do podcast Livra-te  da Rita da Nova e da Joana da Silva, resolvi assinalar as últimas semanas de Outono com a leitura de "Autumn" de Ali Smith.

Para ler em inglês, prefiro a versão ebook porque, nalgumas aplicações, é possível procurar o significado de alguma palavra que eu não compreenda.

Esta obra conta a história da amizade, desde a infância, de Elisabeth, e o seu idoso vizinho, Daniel Gluck mostrando como é que essa relação influencia o crescimento e o desenvolvimento intelectual de Elisabeth. No início do livro, o idoso tem mais de 100 anos e encontra-se num lar onde passa grande parte do dia a dormir. Elisabeth visita-o e senta-se a seu lado a ler. Ao longo do livro, a autora conta-nos o "caminho" que aquela amizade trilhou até chegar aquele ponto mas também nos faz mergulhar naquilo que o idoso sonha nas suas longas horas adormecido e na vida intelectual de Elisabeth. Paralelamente às visitas de Elisabeth ao seu amigo, Ali Smith faz-nos olhar para inúmeros problemas que afectavam a sociedade britânica na época em que o livro foi escrito como, por exemplo, a burocracia (problema universal), a xenofobia, a integração dos emigrantes e o eminente Brexit. Podemos dizer que "Autumn" é sobre todos estes temas, sempre actuais, mas, para mim, é, apenas e só, a história sobre a beleza da verdadeira amizade que não escolhe diferenças culturais ou etárias. A amizade é possível em todas as circunstâncias, só é preciso acreditar no seu poder.

Ali Smith tem uma escrita deliciosa com capítulos que são exemplos de autêntica prosa poética. Um livro que vale muito a pena ler. Também está traduzido para português. Provavelmente, não consegui compreender tudo aquilo que Ali Smith escreveu mas gostei muito da experiência. Gostei tanto que já tenho os outros 3 ebooks - "Winter", "Spring" e "Summer" - em espera.

"Well, who? Where do I start? I’m the butterfly antenna. I’m the chemicals that paint’s made of. I’m the person dead at the water’s edge. I’m the water. I’m the edge. I’m skin cells. I’m the smell of disinfectant. I’m that thing they rub against your mouth to moisten it, can you feel it? I’m soft. I’m hard. I’m glass. I’m sand. I’m a yellow plastic bottle. I’m all the plastics in the seas and in the guts of all the fishes. I’m the fishes. I’m the seas. I’m the molluscs in the seas. I’m the flattened-out old beer can. I’m the shopping trolley in the canal. I’m the note on the stave, the bird on the line. I’m the stave. I’m the line. I’m spiders. I’m seeds. I’m water. I’m heat. I’m the cotton of the sheet. I’m the tube that’s in your side. I’m your urine in the tube. I’m your side. I’m your other side. I’m your other. I’m the coughing through the wall. I’m the cough. I’m the wall. I’m mucus. I’m the bronchial tubes. I’m inside. I’m outside. I’m traffic. I’m pollution. I’m a fall of horseshit on a country road a hundred years ago. I’m the surface of that road. I’m what’s below. I’m what’s above. I’m the fly. I’m the descendant of the fly. I’m the descendant of the descendant of the descendant of the descendant of the descendant of the descendant of the fly. I’m the circle. I’m the square. I’m all the shapes. I’m geometry. I haven’t even started with the telling you what I am. I’m everything that makes everything. I’m everything that unmakes everything. I’m fire. I’m flood. I’m pestilence. I’m the ink, the paper, the grass, the tree, the leaves, the leaf, the greenness in the leaf. I’m the vein in the leaf. I’m the voice that tells no story."

Terapia de Casal, Rita da Nova e Guilherme Fonseca

Charneca em flor, 20.12.21

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O podcast Terapia de Casal foi um dos primeiros que acompanhei com regularidade e comecei a ouvi-lo desde a primeira hora. Já "conhecia" o Guilherme desde o Canal Q e também lia o blogue da Rita há muito tempo. A dinâmica que construíram no podcast é muito divertida por isso não hesitei em encomendar o livro assim que divulgaram esta novidade. 

Depois de ter lido alguns livros mais densos, achei que era altura de pegar num livro leve e divertido. E que bem me fez nas últimas semanas que têm sido esgotantes em termos profissionais. Demorei mais tempo do que previra exactamente por causa do cansaço que tenho sentido.

O livro tem prefácio da humorista Joana Marques e está organizado por vários temas que representam "coisinhas insignificantes que dividem os casais" como eles referem no subtítulo. Um deles discorre sobre o tema que o irrita no outro o qual tem direito de resposta para contrapôr os seus argumentos de defesa. No fim de cada capítulo somos convidados a escolher se somos Team Rita ou Team Guilherme assinalando a lápis (a Rita nunca perdoaria se escrevessemos a caneta ) qual é a nossa opção naquela questão.

Como é óbvio, não se trata de verdadeira terapia, só se fôr terapia pelo humor porque os textos são muito engraçados. Embora seja o Guilherme que ganhe a vida como humorista, a Rita não lhe fica nada atrás porque ela tem uma tendência natural para o humor.

Basicamente, este livro é uma boa oportunidade para nos rirmos e muito e para nos ajudar a esquecer, por momentos, os problemas que nos rodeiam. Para além disso, está muito bem escrito. Muitos parabéns à Rita pelo seu primeiro livro, mesmo que não tenha sido a solo. Tenho a certeza de que, em breve, se lançará noutros voos literários.

Ah, é verdade. Sou Team Rita mas apenas com 5 pontos de diferença para a Team Guilherme. Afinal, gosto muito de ambos.

Se ainda vos falta uma prenda de Natal, aqui está uma boa sugestão. Seja para os casais para aprenderem a lidar com as pequenas questões do dia-a-dia ou seja para solteiros para perceberem que, se calhar, é melhor continuarem assim .

Boas leituras.

"No entanto, não queremos que fiquem com a impressão de que aquilo que nos divide são questões profundas, como se devemos ou nao ter filhos, se acreditamos em Deus ou quais são as nossas faces politicas. Nisso concordamos plenamente, mas é-nos muito mais complicado chegar a acordo em temas mais triviais e insignificantes como  a decoração da casa, o tempo gasto no WC ou em como ir às compras ao supermercado.
É sobre esses temas pequeninos, que não matam, mas moem, que costumamos discutir há cerca de dois anos, todas as semanas, no nosso podcast Terapia de Casal. Por norma, temos convidados que assumem o papel de 《terapeutas》e nos ajudam a acender ainda mais a discussao (o chamado 《atirar lenha para a fogueira》). "

 

Mais ou Menos Isto, Rita Rocha

Charneca em flor, 20.12.21

A Rita Rocha foi uma das participantes que mais deu nas vistas no último The Voice Kids logo a partir da prova cega onde cantou enquanto tocava harpa. Parecia mesmo um anjo descido dos céus. A sua dedicada mentora foi Carolina Deslandes levando-a à final embora não tenha sido vencedora. No entanto, Carolina Deslandes nunca mais deixou de a acompanhar e apoiar. Rita Rocha, apesar da sua juventude, prepara o seu EP que sairá em 2022 mas já podemos conhecer o single de estreia. "Mais ou Menos Isto" tem letra de Carolina Deslandes e Bárbara Tinoco. A música conta com a colaboração das duas letrista bem como dos músicos Feodor Bivol e Agir que também assinou a produção. 

A voz da Rita Rocha é celestial e a canção conta uma história tão verdadeira e real e que deve ter acontecido a todos os jovens, e não só, a história de um amor não correspondido. Lindo.

Boa semana.

 

Natal em tempo de pandemia

Charneca em flor, 14.12.21

 

21273791_ERk3P.jpegA noite começava a cair e as luzes coloridas alegravam as ruas. As poucas pessoas que se viam seguiam atarefadas procurando chegar a casa o mais depressa possível para se reunirem com as suas famílias na noite mais mágica do ano, a Véspera de Natal. Quem andava por ali seguia tão absorto com os seus problemas que nem reparava num homem jovem que percorria as ruas desesperadamente.

José procurava uma farmácia aberta mas, todas as que encontrava, já tinham encerrado para que os seus funcionários celebrassem o Natal. Aquele dia preparava-se para ser um dos dias mais importantes para ele e para a sua família. No entanto, o eminente acontecimento estava a ser ensombrado pelas regras que a terrível pandemia tinha imposto no país.

Já tinham passado quase dois anos desde que se descobrira uma doença de tal modo contagiosa que se tinha espalhado por todos os países do Mundo provocando uma pandemia. Cada país tinha lutado o melhor que podia contra as consequências desta ocorrência mas tinha sido impossível impedir que aquela doença afectasse os cuidados de saúde, a economia, os negócios, a vida em comunidade, a maneira como as pessoas se relacionavam umas com as outras ou usufruíam dos direitos outrora conquistados.

O governo do país de José tinha decretado que, para aceder aos espaços públicos, todos os cidadãos teriam que apresentar um teste negativo para a doença. Só que o homem não conseguia encontrar nenhum sítio disposto a realizar o dito procedimento o que o estava a afastar do lugar onde ele desejava estar, acima de tudo e de todos, ao lado da mulher da sua vida. Eles estavam prestes a conhecer a felicidade mais plena mas nunca tinham imaginado que não estivessem juntos naquele momento.

Quando estava prestes a desistir, viu uma luz a piscar. Por momentos, pensou que era a estrela que os Reis Magos viram, a Oriente, no primeiro Natal mas tratava-se de uma cruz verde que assinalava a farmácia de serviço. Apesar de iluminado, não se via vivalma no interior do espaço. De repente, a porta automática abriu-se assustando o pobre José. Com a esperança de encontrar ali a solução para o seu problema, entrou. Enquanto explicava a situação à simpática farmacêutica que lá se encontrava, viu surgir um ser etéreo vestido de bata azul, máscara e viseira. Para ele, aquela pessoa transformou-se no seu anjo da guarda porque lhe fez o tão aguardado teste, felizmente, negativo.

Assim que pôde saiu a correr a tal velocidade que parecia voar em direcção ao carro enquanto telefonava à sua amada:

- Maria, meu amor, consegui. Vou a caminho do hospital. Diz ao nosso filho que espere mais um pouco para nascer.

Algumas horas depois, Maria e José recebiam, nos braços, o filho tão desejado. Porque não há tempestade ou pandemia que seja capaz de afastar aqueles que se amam.

Feliz Natal 

 

Este conto de Natal foi escrito para responder ao desafio lançado pela querida imsilva do blogue pessoas e coisas da vida.

Serve também de homenagem todos os profissionais de saúde, onde me incluo, que continuam, dia após dia, a desempenhar o seu papel no combate à pandemia. Que tenham todos um Santo e Feliz Natal.

P.S. - Foto captada no Mercadito de Trento, Itália, no Natal de 2016.

 

O Principezinho, João Afonso

Charneca em flor, 13.12.21

O músico João Afonso lançou um trabalho fantástico que junta 2 artes que eu adoro, música e livros. O cantautor português pegou nalguns dos livros da sua vida, musicou-os e, com a colaboração de escritores, fotográfos e artistas plásticos, criou um maravilhoso objecto, excelente sugestão de presente para o Natal que se aproxima. 

Hoje partilho o vídeo d' "O Principezinho", um dos livros da minha própria vida

Boa semana, com muita música e boas leituras.

Povo que cais descalço, Dead Combo

Charneca em flor, 06.12.21

Hoje não trago uma música nova. Antes pelo contrário, este vídeo tem 8 anos. No último sábado, faleceu Pedro Gonçalves, uma das metades dos magníficos Dead Combo. Apesar de eu valorizar muito as letras das canções, é impossível ficar indiferente à força das músicas tocadas pelos Dead Combo. E a melhor maneira de homenagear um músico quando nos deixa fisicamente é continuar a ouvir e a partilhar a sua música 

Boa semana.

Deus-Dará, Alexandra Lucas Coelho

Charneca em flor, 01.12.21

"Deus-Dará" foi o livro que escolhi para o mês de Novembro no Desafio Uma Dúzia de Livros. O tema proposto foi "Um livro que te foi oferecido". Não costumo receber muitos livro de presente porque já compro muitos livros ao longo do ano e ninguém se arrisca a oferecer-me mais nenhum. Só que, escavando nas minhas prateleiras, descobri este livro que me foi oferecido pela editora, a Tinta da China, quando eu assinava a Granta. Vou ser franca, possivelmente nunca teria comprado este livro se não me tivesse sido oferecido o que teria sido uma grande pena.. Este desafio tem sido refrescante para mim porque me tem levado a pegar em livros diferentes daqueles que costumava ler.

Nunca tinha lido nada de Alexandra Lucas Coelho embora já tivesse ouvido falar nesta autora. Um dos meus objectivos pessoais deste ano de 2021 era, precisamente, ler mais livros escritos por mulheres por isso este livro também contribuiu para esse objectivo. Alexandra Lucas Coelho começou por ser jornalista tendo estado em zonas de conflito no Médio Oriente e Ásia Central. Já viveu em vários locais do mundo tendo sido correspondente no Brasil onde morou durante cerca de 4 anos. Presumo que essa vivência tenha sido preponderante para a realização deste livro.

Esta obra é muito difícil de catalogar. Durante a sua leitura fiquei na dúvida se era um livro de História ou se contava as histórias particulares de cada personagem. O livro está organizado em 3 grandes capítulos e 7 subcapítulos em que cada um representa um dia da semana começando à 4a. feira. As personagens principais são também 7, Lucas, Judite, Zaca, Tristão, Inês, Gabriel e Noé. O narrador acaba por ser uma espécie de personagem que, de quando em vez, nos vai interpelando directamente tornando o relato mais dinâmico. Através destas personagens, Alexandra Lucas Coelho mostra-nos a diversidade do povo brasileiro e a História da construção deste povo. A acção desenrola-se no Rio de Janeiro, ou melhor, em São Sebastião do Rio de Janeiro no tempo que antecedeu a preparação do Campeonato Mundial de Futebol e os Jogos Olímpicos. Alexandra Lucas Coelho leva-nos numa vertiginosa pelo Rio de Janeiro passando pelas favelas, pelo Corcovado ou pelo elegante bairro Cosme Velho. Mas, também, nos conduz numa fantástica viagem no tempo ao longo dos 500 anos de História, partilhados por Portugal e Brasil.

A estrutura do livro pode-se tornar algo confusa uma vez que intercala a acção propriamente dita com a abordagem histórica. Esta obra exige alguma concentração para podermos apreender tudo aquilo que a autora nos pretendeu transmitir. "Deus- dará" encaixa na categoria de livros que nos fazem pensar uma vez que desconstrói muitas das ideias feitas que temos sobre o papel dos portugueses nos Descobrimentos, na colonização e no processo da escravatura. A autora mostra-nos um retrato do Brasil numa época em que o país vivia um período de maior prosperidade na era pré-Bolsonaro e pré-pandemia. Apesar de a acção se situar há menos de 10 anos, retrata uma realidade que já se pode considerar histórica.

 

"- Mas continua a ser o presente, é o que estás a sentir, o que sente quem cá vive. Entre o seculo XVI e o fim da escravatura, Portugal tirou quase seis milhões de pessoas de Africa...

- Caramba. É o numero de mortos no Holocausto.

- E o número de habitantes do Rio, hoje. E uns quatro milhões foram trazidos para aqui, para extrair açúcar, garimpar ou ouro, diamantes. Tudo isto já em cima do extermínio dos indios. Como é possível que não haja um museu ou um memorial da escravatura em Portugal, quando nenhum pais europeu foi responsável por escravizar tantos africanos? Ou dos povos indígenas, quando demos cabo de tantos?

- Sim, nunca vejo isso nos discursos políticos.

- Se não nos virmos nesse espelho nunca seremos capazes de mudar, ir além. Acho cada vez mais que o grande problema portugues é a incapacidade de transformação . Fomos para o mundo a querer mudar os outros, e incapazes de ser mudados por eles. Ajeitamo-nos, mas nao mudamos. Enfim, longa conversa."