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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

"O momento em que nos perdemos" Maria José Núncio

Charneca em flor, 31.03.22

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No mês de Março li mais um livro sugerido pelo Clube do Livra-te, desta feita uma escolha de Rita da Nova. As premissas para as escolhas do podcast Livra-te para o mês que hoje termina foram duas efemérides que se assinalam no mês de Março, o Dia Internacional da Mulher e o Dia do Livro Português.

Maria José Núncio, doutorada em Sociologia, tem uma presença assídua na televisão portuguesa já que participa numa rubrica de crónica criminal. Neste livro acompanhamos as vidas, que se cruzam a dada altura, de Toni e Maria dos Remédios que tiveram uma vida glamorosa nos anos 80 mas que acabam por cair em desgraça. A autora conduz-nos através destas páginas para percebermos os caminhos que ambos escolheram e que os levaram ao que vivem na actualidade.

Toni é um homossexual que foi expulso de casa pelo pai, um burguês conservador, no dia do funeral da mãe, em 1974. Maria do Remédios foi a única sobrevivente da família nas cheias de 1967 e foi entregue à madrinha que a criou. As suas vidas cruzam-se na Lisboa dos anos 80, ela como modelo e ele como decorador, e entre os dois nasce uma amizade que se prolonga pela vida fora acompanhando as mudanças que a cidade atravessou até à actualidade. 

Gostei muito deste livro principalmente porque me fez viajar no tempo embora eu não tenha vivido as mesmas experiências que estas duas personagens. Só tenho pena que a autora não tenha desenvolvido mais a história. O tema era tão interessante que merecia muito mais.

"Mas éramos tão ingénuos... Tão ingénuos que acreditámos que tudo duraria para sempre, esquecendo-nos de que fomos nós, com as nossas tendências, quem  precisamente, inaugurou a efemeridade: das roupas e da fama. E pagámos o elevado preço do esquecimento e do anacronismo. A decadência dos lugares justapunha-se à nossa própria decadência."

 

"Para Interromper o Amor", Mónica Marques

Charneca em flor, 30.03.22

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Este livro foi o escolhido pela Joana da Silva para o mês de Março do Clube do Livra-te. Esta obra gira à volta de um certo triângulo amoroso, duas mulheres e um homem, em que a amizade, o sexo e o amor se misturam. As mulheres não podiam tem um passado mais distante já que uma delas é filha de um português que se refugiou no Brasil depois de 1974 e a outra é filha de um dirigente comunista. A acção desenvolve-se entre o Lisboa, o Rio de Janeiro e ainda uma passagem pelo Porto. O livro está organizado em pequenos capítulos, cada um deles com a "voz" de cada uma das personagens. 

"Para Interromper o Amor" lê-se em pouco tempo devido aos capítulos curtos mas não entrou para a categoria dos meus livros preferidos. Nem sempre consegui acompanhar a história, ou ausência dela, já que não é fácil acompanhar a organização que a autora imprimiu ao livro. Também achei a utilização de vernáculo algo exagerada. Não fez bem o meu género de livro mas é sempre interessante ler livros diferentes daquilo que é habitual.

"O que é que uma mulher quer de um homem? Quer viajar com ele? Perder-se nele, perder-se com ele, ou, nestes tempos de ambiguidade sexual, o que é que uma mulher quer de uma mulher? Viajar com ela? Perder-se nela ou no mundo qualquer (mas muito melhor) dela? Gostar de viajar pode ser outra coisa: querer muito ser levada, enganada, e talvez outras invenções da nossa língua? Não. Existe coisa mais sexy que viajar?"

"Que o Amor te salve nesta noite escura" Pedro Abrunhosa e Sara Correia

Charneca em flor, 28.03.22

Pedro Abrunhosa é o autor desta música maravilhosa. O músico foi inspirado pelo conflito que grassa na Ucrânia. Esta versão, em que o músico é acompanhado pela jovem Sara Correia, foi feita para o espetáculo de solidariedade com a Ucrânia "Uma Voz pela Paz" realizado no Super Bock Arena - Pavilhão Rosa Mota. Estas duas gerações de artistas presentearam-nos com uma interpretação verdadeiramente arrepiante.

Boa semana. Esperemos que nos possam trazer boas notícias.

Um Prego no Coração / Natureza Morta / Vício

Paulo José Miranda

Charneca em flor, 25.03.22

Em Novembro, no início das Comemorações do Centenário do Nascimento de José Saramago, fiz o propósito de descobrir os autores cujos livros foram galardoados com o Prémio Saramago.

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Como é lógico resolvi começar pelo primeiro destes autores, Paulo José Miranda (PJM) que não é um autor muito conhecido. O livro premiado foi "Natureza Morta" mas só encontrei edições em que este livro vinha acompanhado com outros 2 livros uma vez que "Um Prego no Coração", "Natureza" e "Vício" são considerados uma trilogia. Apesar de PJM não escrever sobre as mesmas personagens, estes livros têm o facto de apresentarem como personagens centrais, três artistas portugueses, Cesário Verde*, João Domingos Bomtempo *e Antero de Quental*, respectivamente. Os três livros têm estilos diferentes, "Um Prego no Coração" foi escrito em estilo epistolar, "Vício" tem a forma de diário e "Natureza Morta" já se pode considerar um relato sobre a vida do músico João Domingos Bomtempo depois de ir perdendo todos os familiares e como isso influenciou a sua actividade como compositor. O autor não se debruçou, apenas, sobre vida dos artistas mas sim pela maneira como estes 3 autores se relacionam com a sua criação artística nomeadamente ao nível das dúvidas em relação à qualidade das várias produções artísticas.

Apesar de não ter sido uma leitura fácil, gostei desta experiência de leitura. Paulo José Miranda fez, quanto a mim, uma análise filosófica sobre as dificuldades que os artistas, sejam eles quais forem, enfrentam, como lutam com os seus fantasmas e como podem sofrer daquilo que se designa, hoje em dia, por "síndrome do impostor" uma vez que estes artistas mostram algumas dificuldaces e dúvidas sobre as suas capacidades e talentos.

Não é um livro para qualquer leitor e, provavelmente, se não fosse o meu propósito de conhecer melhor os autores premiados nunca teria pegado neste livro. No entanto, às vezes é bom sair da nossa zona de conforto.

"Ler, apesar de tudo, condiciona o pensar. Põe aIguma ordem nesta consciência. Não é um refugio, e uma bússola. As malditas palavras. Se, por um lado, me fazem perder, por outro, também me concedem alguma orientação. Não são palavras numa boca,são o palavras silenciosas. Palavras escritas, palavras pensadas. Na boca as palavras são naturais. Sons que dizem pedras, que dizem mar, que dizem peixe, vinho, que dizem senta-te, que dizem espera, que agradecem, que desdenham. Sem som, as palavras criam tempestades ou orientam-nos nelas. Agride-se a natureza. Há uma guerra imensa entre o som e a sua ausência."

 

*Cesário Verde era poeta, João Domingos Bomtempo era músico e compositor e Antero de Quental era poeta e escritor

"O Lugar das Árvores Tristes", Lénia Rufino

Charneca em flor, 20.03.22

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No passado mês de Fevereiro consegui terminar de ler os livros dos 2 clubes de leitura a que aderi* antes do mês terminar por isso aproveitei para ler este "O Lugar das Árvores Tristes" de Lénia Rufino que já tinha em espera há uns meses. Este livro foi o primeiro que a autora publicou e espero que seja o primeiro de muitos.

O livro está muito bem escrito e conta uma história que me tocou de sobremaneira. O enredo situa-se em 2 aldeias do Alentejo profundo. No início do livro encontramos Isabel, uma jovem com uma estranha predileção por passear por entre as campas do cemitério que fica junto da sua casa. Isabel aprecia o silêncio desse lugar que lhe aguça a curiosidade. Nesses passeios depara-se com um nome de uma falecida da qual nunca soube a razão da morte e esse pormenor é o gatilho para ela desencadear uma "investigação" de modo a perceber porque é que, em toda a aldeia, ninguém quer falar sobre o assunto. A descoberta dos diários de Lurdes, a sua mãe, conduz-nos numa viagem no tempo até ao fim dos anos 60 e início dos anos 70.

Lénia Rufino construíu uma trama muito interessante, com a dose certa de mistério e suspense ao mesmo tempo que nos leva a reflectir sobre a condição feminina nessa altura, ainda em ditadura, em que a mulher não era dona da sua vontade nem podia tomar decisões sobre a sua vida.

Eu mergulhei de tal forma nesta história que me senti quase uma personagem de Lénia Rufino. Afinal, eu também descobri os segredos da minha família lendo as cartas que os meus pais tinham bem escondidas. Eu podia ser a Isabel . Uma das conclusões que retirei das páginas deste livro foi que, só conhecendo o passado das pessoas que se cruzam connosco no dia-a-dia, é que podemos perceber as atitudes que têm hoje. As dores do passado reflectem-se nas atitudes do presente.

Aguardo ansiosamente o próximo livro da Lénia. Ela também nos ensina que nunca é tarde para realizarmos os nossos sonhos. Afinal, ela levou muitos anos a conseguir publicar o seu livro.

"Nas aldeias pequenas, nada é mais difícil do que guardar segredos. O ditado antigo que assegura que até as paredes têm ouvidos não é tão verdadeiro em lugar nenhum como nas aldeias."

Saudade, Saudade, Maro

Charneca em flor, 14.03.22

Na noite do passado sábado decorreu a final do Festival da Canção onde se escolheu o nosso representante na Eurovisão. Eu assisti a grande parte do programa televisivo mas não consegui aguentar até ao fim. Não havia necessidade de um programa tão longo. Só na manhã seguinte é que soube que a Maro tinha ganho. A jovem conquistou a preferência quer dos júris regionais quer o público. Esta música era das minhas preferidas mas achei que na semi-final não correu muito bem. Felizmente, a actuação da final melhorou bastante e foi enriquecida com mais 4 vozes femininas.

Esperemos que Maro obtenha uma boa classificação em Turim. Para já, a canção portuguesa está em 13° lugar nas apostas.

Boa semana.

Corpo de Mulher, Milhanas

Charneca em flor, 08.03.22

Esta semana a publicação musical da semana mas ainda bem que aasim foi. Assim posso partilhar este música do Agir que a compôs para o Festival da Canção. A jovem e talentosa intérprete Milhanas cantou com muita emoção. Para mim, esta é a vencedora. Como hoje é Dia da Mulher, achei que fazia todo o sentido partilhar este "Corpo de Mulher"

 
"Dá-me um corpo de mulher
Mesmo que o tornem invisível
Rasguei do mundo o meu papel
Nasci não para dar, mas para ser

Laivos de dor, em feridas de sal
Calei a voz, não me vês como igual
Dei mais e mais de mim
Mas nunca chega, não chega pra ti

Tenho um corpo de mulher
Eu sei, tem sido mais difícil
Neguei viver por um anel
Nasci para voar sem me prender

Laivos de dor, em feridas de sal
Soltei a voz, e gritei: sou igual
Dеi mais e mais de mim

Mas nunca chega, não chеga pra ti

Andei, pisei, num chão de vidro
Brasas que queimam se visto a minha pele
Mas reclamei o que me é devido
E a mim sou fiel"
 
Boa semana.

Sem Fôlego, Jennifer Niven

Charneca em flor, 03.03.22

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No Clube do Livra-te, no mês de Fevereiro, também foi proposto, pela Joana da Silva, a leitura deste livro. "Sem Fôlego" insere-se no estilo "young adult". E o que leva uma quarentona a ler um livro deste estilo? Para além de querer cumprir o desafio do Clube do Livra-te, a minha intenção foi divertir-me. E pode-se dizer que, nesse ponto, este livro cumpriu o objectivo.

A personagem Claude é uma jovem de 18 anos que, a poucos dias de terminar o secundário, descobre que os seus pais se vão separar e que ela, contrariando os seus planos para o Verão, teria que ir passar as férias numa pequena ilha com a mãe. Nesse momento, Claude percebe que a sua vida nunca mais será igual. Na ilha, Claude conhece um jovem com um passado problemático, Jeremiah, que se tornará muito importante na sua vida. Ao longo do livro, acompanhámos a luta interna de Claude para encontrar o seu caminho depois da reviravolta da sua vida. 

Nos últimos anos, não tenho lido muitos "livros lamechas" ou "romances cor de rosa" mas, de vez em quando, é bom ler um livro cuja única função seja divertir-nos. E é neste caso que se enquadra o "Sem Fôlego". Não se trata de uma obra-prima mas é um livro leve, divertido e excelente para ler no Verão. 

Nos agradecimentos finais do livro, percebe-se que a história é muito especial para a autora porque a sua vida pessoal tem muitos paralelismos com a vida de Claude.

Jennifer Niven deixou algumas pontas soltas na história que contou que a podiam ter enriquecido mas não deixou de me proporcionar momentos agradáveis.

"E naquele momento encho-me de uma coisa que parece amor por este rapaz que conhece tantos dos meus segredos. Que está a ensinar-me a encontrar dentes de tubarão. Que me trouxe galochas. Que esta a mostrar-me a sua ilha. Este rapaz descalço, feito de sol e luz, que parece fazer parte da lama e da areia e do pântano. A colecionar tesouros. A encontrar beleza nas pequenas coisas. Ferido como eu, mas sem olhar para trás. No momento. A olhar para a frente. A maravilhar-se com o que esta a sua frente. Bem na sua pele. Bem onde quer que esteja.

Penso: Podia viver aqui. Podia ser feliz aqui. Aqui com ele. Podia ficar aqui para sempre."

Açúcar Queimado, Avni Doshi

Charneca em flor, 01.03.22

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Este livro foi uma das sugestões do Clube do Livra-te para o mês de Fevereiro. "Açúcar Queimado" de Avni Doshi foi finalista do Prémio Booker no ano 2020. A história centra-se na estranha relação entre mãe, Tara, e a filha, Antara. A mãe começa a apresentar sinais de demência e a filha, apesar da relação conflituosa e tóxica entre ambas, sente-se na obrigação de a apoiar e de a acompanhar às consultas. Na tentativa de recuperar a memória da mãe, Antara revisita o passado de ambas e revive todo o sofrimento que as decisões da mãe lhe causaram.

Apesar dos constantes "saltos" na história, o relato é fácil de seguir uma vez que a escrita de Avni Doshi é fluída e acessível. Há um ou outro momento mais parado mas a história desenrola-se a um bom ritmo, maioritariamente.

"Açúcar Queimado" é um bom livro, gostei mas não adorei. Não sei dizer porquê mas faltou qualquer coisa que me impediu de mergulhar na história. Talvez tenha sido porque não me sinto muito atraída pela cultura indiana que serve de enquadramento à história ou porque as patologias ligadas à demência me assustam de tal maneira que não gosto muito de pensar sobre elas. A verdade é que "Açúcar Queimado" faz-nos olhar, de frente, para esta problemática e esse olhar assustou porque tenho muito medo de que eu, ou algum familiar, venha a sofrer destas doenças. Por outro lado, há livros que surgem na nossa vida numa altura em que não estamos preparados para os lermos. Provavelmente foi isso que aconteceu comigo e com esta obra.

A história de Tara e Antara fez pensar num pormenor interessante. Muitas vezes, no meu quotidiano como farmacêutica, e quando acompanho algumas situações familiares dos meus utentes, tiro algumas conclusões precipitadas sobre o acompanhamento que os filhos prestam ou não aos pais idosos. Na verdade não sei nada sobre o passado daquelas pessoas. Será que, às vezes, os filhos não terão alguma razão para não acompanhar os pais como nos parece lógico quando olhamos de fora? Será que os pais não cometeram erros suficientemente graves que afectaram o crescimento dos filhos a ponto de isso os acompanharem pela vida fora?

Mais um livro que me pôs  a pensar. E, no fundo, só por isso valeu a pena aceitar esta sugestão da Rita da Nova.


"- A realidade é algo de que somos coautores - responde a mulher. - É natural que comece a achar tudo isto perturbador. Quando alguém nos diz que uma coisa não é como pensamos, pode provocar-nos leves vacilações no cérebro, alterações na atividade cerebral, e trazer a tona dúvidas que estavam no sub-consciente. Por que razão crê que as pessoas têm despertares espirituals? É porque quem nos rodeia está empenhado em acreditar. O delirio é uma descarga contagiosa."

"Olhava em redor e ouvia as muitas vozes e via os muitos corpos que pareciam compor uma forma gigante, um gigante maior do que o Baba, mas um espelho do que ele era, um conjunto de tantos desejos. Eu sabia que esses desejos existiam, que eram suficientemente poderosos para controlar padrões climáticos e causar inundações todos os anos, mas não conseguia perceber como funcionavam, como eram distribuídos e guardados diante de mim. O desejo dos adultos era uma coisa que eu ainda não compreendia. Não havia lugar para mim junto dele e nenhum sítio para onde ir. Por isso, deixava o prato à minha frente, de vez em quando observava os sentimentos que nele pusera, vendo-os crescer. Um dia, misturei-os com a comida e engoli-os inteiros."