Inspirada pela estreia da 2a temporada das "3 Mulheres", resolvi pegar, finalmente, na biografia de Maria Armanda Falcão, mais conhecida por Vera Lagoa.
Esporadicamente, gosto de ler este género literário e aprecio biografias de mulheres fortes como é o caso de Maria Armanda Falcão. Há pessoas cujas vidas são mais surpreendentes que a própria ficção.
Ainda antes de se tornar Vera Lagoa, Maria Armanda Falcão esteve sempre do lado contrário a quem estava no poder. A sua consciência política foi despertada pelo pai, militar que caiu em desgraça depois de ter participado no Reviralho. Devido a essa circunstância, acabou por não ter uma educação escolar regular mas isso não a impediu de ser uma figura incontornável e incómoda do jornalismo português dos anos 70 e 80. Mulher de armas e trabalhadora, teve o privilégio de privar com grandes figuras do panorama cultural português como os seus grandes amigos Natália Correia ou Luís de Sttau Monteiro. A sua entrada no mundo do jornalismo aconteceu pela mão de Francisco Pinto Balsemão que a convidou para escrever uma crónica no jornal "Diário Popular". Assim nasceu a misteriosa figura, Vera Lagoa.
Antes da Revolução dos Cravos, participou activamente na campanha eleitoral de Humberto Delgado e ajudou presos políticos bem como as suas famílias. Embora tenha recebido o fim da ditadura com entusiasmo, cedo se desiludiu com os excessos cometidos pelos novos poderosos* nos primeiros anos da democracia. Como foi capaz de colocar o dedo nessas feridas, acabou por sofrer o afastamento de alguns dos seus amigos e conhecidos. Vera Lagoa foi sempre fiel às suas convicções nunca deixando de dizer aquilo que pensava sem se deixar intimidar seja por quem fosse. Essa postura valeu-lhe processos judiciais e ataques bombistas aos jornais onde trabalhou.
Este livro descreve-nos, profundamente, a riquíssima vida desta mulher destemida que encontrou nas palavras, a sua arma. Mas a autora não se limita ao trabalho biográfico à volta desta figura, Maria João da Câmara apresenta-nos, também, um detalhado retrato de Portugal nas últimas décadas do séc XX.
"Há mulheres assim. Mulheres que, pela sua forma de ser e de estar, não passam despercebidas. Mulheres cuja voz se faz ouvir, ainda que muitos silêncios pretendam pesar sobre elas. Porque incomodam. Porque são diferentes. Porque vão contra as correntes - de ontem e de hoje. Porque são, afinal, mulheres fortes.
Conhecida como a primeira locutora da RTP, Maria Armanda FaFalcão oi despedida por se recusar a cumprir uma ordem com a qual não concordava. Foi sempre assim, de personalidade vincada, pelo que ser seu amigo nao era fácil nem cómodo.' Tendo começado, em 1966, a escrever no Diário Popular pequenas crónicas com o título sugestivo (e por ela odiado) de 《Bisbilhotices》, o sucesso de Maria Armanda Falcão adveio não apenas do que escrevia e de como escrevia, mas também de utilizar um pseudónimo - Vera Lagoa -, que adensou o mistério e aguçou a curiosidade sobre a sua identidade. O publico revia-se nos seus textos (e temia-os) e, se não comprava o Diario Popular por causa da coluna de Vera Lagoa, não deixava de a ler com grande curiosidade.
Tuteando tudo e todos, directa e vocative, usava uma linguagem coloquial, muito própria e muito nova: a sua coluna era viva, jocosa, imprevista, muito mordaz, que dissecava, descobria e revelava a sociedade portuguesa. Apesar das limitações da época, Vera Lagoa conseguiu simultaneamente gracejar com ministros, denunciar miserias e vicios de grandes e pequenos, de falsos ídolos, de pretensiosos, de arrivistas."
*Refiro-me ao tempo do PREC, do Verão Quente, das acções da Esquerda Radical do MFA e à criação do Conselho da Revolução.