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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

O Homem Duplicado, José Saramago

Charneca em flor, 26.07.22

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"O Homem Duplicado" foi o 6o livro de José Saramago escolhido para a Leitura Conjunta de Saramago. Sendo que o objectivo inicial era a leitura de 12 livros em 2022, ano do centenário do escritor, vamos a meio da iniciativa.

Parti para este livro sem nenhuma expectativa uma vez que não fazia ideia do que tratava do livro. Ou melhor, pelo nome percebia-se que alguém descobre um duplo mas, para além do título, não sabia mais nada. 

A personagem central desta obra é o pacato professor de História, Tertuliano Máximo Afonso. Após um colega lhe surgir um filme, descobre um actor que é, em tudo, igual a si próprio. Esta descoberta perturba-o de tal forma que a busca pela identidade deste "duplo" passa a dominar, quase por completo, a sua existência.

Espero não estar a ofender a memória de José Saramago ao dizer que, na minha opinião, este livro se poderá considerar um thriller psicológico pela maneira como ele estruturou a história. José Saramago conta uma história muito interessante mas o que torna o livro mais cativante é a maneira como o autor analisa a natureza humana. Saramago tinha um talento enorme para olhar para as pessoas e perceber aquilo que são capazes de fazer quando são colocadas perante uma situação limite e destabilizadora. 

Embora eu tenha tido alguma dificuldade em progredir na leitura penso que isso não se deveu ao livro mas ao meu próprio estado anímico. Nem sempre encontramos o livro certo na altura adequada.

"O Homem Duplicado" tem, para além de tudo, 2 pormenores que tornam o livro ainda mais especial. Um dos pormenores a que me refiro é o facto de o autor ir lançando pequenas pistas, muito dissimuladas, ao longo do livro e que fazem sentido no final do livro. O outro pormenor foi uma referência a um dos meus livros preferidos de Saramago. Ao que parece há referências a outras obras mas que eu ainda não li. De onde se concluí que, quando conseguir ler todos os livros que Saramago escreveu, tenho que voltar a ler tudo outra vez para encontrar todas as referências .

"Acaba de lhe ocorrer agora mesmo, e for como se uma bênção retardada tivesse fi-
nalmente descido do chuveiro, como se um outro banho lustral, não o das três mulheres nuas na varanda, mas o deste homem só e fechado na precária segurança da sua casa, compassivamente, no mesmo escorrer da agua e da espuma, o libertasse das sujidades do corpo e dos temores da alma."

"Levará consigo um espelho de tamanho suficiente para que, retirada enfim a barba, as duas caras, ao lado uma da outra, possam comparar-se directamente, em que os olhos possam passar da cara a que pertenciam à cara a que poderiam ter pertencido, um espelho que declare a sentença definitiva. Se o que está à vista é igual, também o resto deverá ser, não creio que seja necessário porem-se em pelota para continuar com as comparações"

Este Meu Jeito, Elisa

Charneca em flor, 25.07.22

Elisa é uma jovem cantora madeirense que venceu o Festival da Canção em 2020 depois de ter passado por vários concursos de talentos na sua ilha natal. "Este Meu Jeito" é o seu terceiro single que me encantou quer pela frescura da voz quer pela importante mensagem da letra:

"Deste meu jeito que é meu
Desta forma
Venha o fado que eu sambo a morna
Deste meu jeito que é meu
Que é feitio
Só sei que a vida é feita para viver e eu vou viver"

 

Boa semana.

 

Cuidado com o Cão, Rodrigo Guedes de Carvalho

Audiolivro

Charneca em flor, 21.07.22

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Depois de "Margarida Espantada", voltei a ouvir um livro do Rodrigo Guedes de Carvalho. Desta feita foi "Cuidado com o Cão" e a experiência foi, ainda, mais positiva do que da primeira vez. Para já, gostei mais desta história do que da "Margarida Espantada". Ou melhor, gostei muito das várias histórias que Rodrigo conta e que parecem não se relacionar umas com as outras. A dada altura, as personagens cruzam-se e tudo faz sentido.

No início do livro, os capítulos vão-se alternando entre a história do médico Pedro Gouveia, e da sua família, e a história das gémeas Adriana e Luciana, trapezistas de circo desde a infância. O título do livro reporta-nos aos cães que vão surgindo ao longo do relato e cuja presença nos ajuda a perceber a importância que estes maravilhosos animais têm na vida das pessoas.

Rodrigo Guedes de Carvalho é um excelente contador de histórias mas se fica por aí já que neste romance aproveita para abordar temas actuais como a solidão dos idosos, exacerbada pela pandemia, a violência contra os animais, a violência doméstica ou a doença mental. Para além disso, e se conhecermos minimamente o percurso de vida pública do escritor, percebemos a influência que a música exerce sobre ele uma vez que a música é omnipresente ao longo de toda a obra. De vez em quando, parei de ouvir o livro para ir descobrir as músicas que eram mencionadas.

No desenrolar da narrativa fiquei surpreendida com os caminhos escolhidos pelo autor e o final foi mesmo surpreendente. Não posso deixar de referir que gosto muito da maneira como o autor escreve. Este livro reforçou a minha vontade de continuar a descobrir os seus livros.

Em suma, ouvir "Cuidado com o cão" foi uma excelente  experiência de leitura auditiva.

"O que mais lhe chamou a atenção ao chegar ao céu foi a árvore.
O tronco gordo rugoso, os ramos longos, pesados, uns torcidos, outros numa curva larga ascendente. Um carvalho vermelho. Quercus rubra. Está no esplendor da folhagem inimitável. Seria uma coincidencia ou a prova maior de que o esperava?Tão concentrado ficou no carvalho, tão à medida de como sempre o quis, que nem tinha ainda reparado que caminha descalço, talvez porque os pés vão sem dor ou desconforto sobre uma relva de veludo."

 

"Uma oportunidade, mesmo que pequena, talvez só isso, a chance pequenina de conhecermos a maravilha de sermos de alguém e sentirmos que alguém quer ser nosso.
E por momentos, nem que seja por um momento, um só, sabermos o que é partilhar um momento, saborear o espanto de nos esquecermos de nós por um momento, um
pequeno momento, imaginarmos que ao nosso lado um outro coração corre à mesma velocidade serena, ansioso por chegar ao mesmo lugar, onde nos espera o mesmo destino
Por um momento, um pequeno momento, um momento simples, mínimo, um grãozinho, que nos garante estarmos vivos porque alguém deseja que estejamos vivos, ao nosso lado, a tocar-nos apenas o suficiente para sabermos que não estamos sós."

 

 

 

Filha da Tuga, Irma

Charneca em flor, 18.07.22

Ao que parece a letra desta música já deu alguma polémica mas isso não interessa nada. Quanto a mim, "Filha da Tuga" encarna a diversidade da sociedade portuguesa bem como a dificuldade que cada um de nós tem em encontrar o seu lugar no mundo, seja qual fôr a nossa história de vida.

Boa semana.

A Jangada de Pedra, José Saramago

Charneca em flor, 12.07.22

Já há muito que não dou notícias sobre a minha participação no clube de leitura dedicado aos livros de José Saramago dinamizado pela jovem jornalista Magda Cruz, autora do podcast Ponto Final, Parágrafo. Esta ausência deveu-se ao facto de eu ter já lido, recentemente, os livros escolhidos para os meses de Março e Abril que foram "ensaio sobre a cegueira" e "ensaio sobre a lucidez", respectivamente. Como tal resolvi não os reler porque ainda tinha as obras muito presentes.

No mês de Maio*, o livro proposto foi "A Jangada de Pedra". Curiosamente eu achava que também já o tinha lido mas não me lembrava de nada. Eu sei que alguém mo emprestou mas, ou não o li ou não o terminei. O que é certo é que senti que tudo era novidade para mim.

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Imagem retirada daqui

Para dizer a verdade, não foi uma leitura fácil, antes pelo contrário. Terminei esta obra com muito esforço. 

A premissa do livro é muito interessante. Por um estranho fenómeno que ninguém consegue explicar, abre-se uma fenda nos Pirenéus, a Península Ibérica separa-se do resto da Europa e começa uma viagem à deriva. Nesses dias há 5 pessoas, e 1 cão, às quais sucedem alguns acontecimentos que parecem ter relação, de alguma forma, com aquilo que se passa nos Pirinéus. Esses personagens vão encontrar-se e o leitor acompanha as relações que se estabelecem entre eles bem como a viagem que empreendem pela Península Ibérica enquanto esta continua à deriva.

Este livro foi publicado em 1986 e parece ser uma "resposta" de José Saramago à adesão, no ano anterior, de Portugal e Espanha à União Europeia, na época designada por Comunidade Económica Europeia, CEE. Presumo que o livro tenha começado a ser escrito antes da assinatura do Tratado de Adesão e, conhecendo o posicionamento político de José Saramago, imagino que o autor não fosse, de modo nenhum, favorável a esta adesão. Terá sido por isso que imaginou esta "fuga" da Península Ibérica?!

Em todos os livros de Saramago que tenho lido se nota alguma mensagem política mas senti que "A Jangada de Pedra" tem bastantes partes puramente políticas e penso que terá sido isso que tornou a leitura mais difícil do que é habitual. No entanto, sobressai, mais uma vez, o génio literário de Saramago uma vez que, tudo o que acontece às personagens (incluindo a Península Ibérica que também se torna personagem) durante o relato é extremamente imaginativo e tão bem argumentado que nos leva a acreditar que seria possível que Portugal e Espanha se transformassem numa gigantesca jangada de pedra navegando pelo Oceano Atlântico.

O que se volta a encontrar é o carácter algo premonitório da escrita de José Saramago. A dada altura da história, os jovens europeus fazem manifestações de apoio ao povo ibérico gritando "somos todos ibéricos", tal e qual o "somos todos Charlie" que surgiu nas redes sociais aquando do atentado à sede do jornal satírico "Charlie Hebdo" em 2015. E o que dizer desta passagem que faz lembrar as cidades vazias no início da pandemia: 


"Mas quando nesta cidade, por avenidas, ruas e praças, por bairros e jardins, não se avistar já uma só pessoa, quando às janelas não se vir assomar um vulto, quando os canários que ainda não morreram de fome e sede cantarem no silêncio absoluto da casa ou na varanda para os quintais desertos, quando as águas das fontes e fontanários brilharem ao sol e mão nenhuma vier molhar-se nelas, quando os olhos das estátuas, mortos, girarem em redor a procura de olhos que os vejam, quando os portões abertos dos cemitérios mostrarem que não há diferença entre uma ausência e outra ausência, quando, enfim, a cidade estiver a beira de um agónico minuto esperando que uma ilha do mar a venha destruir, então é que acontecerá a história maravilhosa e miraculosa salvação do navegador solitário."

 

*comecei a lê-lo no fim de Maio mas só o terminei na primeira semana de Junho.

Nuvem, Carolina Deslandes

Charneca em flor, 11.07.22

"Nuvem" é uma das músicas que mais gosto da Carolina Deslandes. É uma canção que fala de saudade mas também de saudade e que a cantautora dedicou a alguém muito especial para ela, o avô. Por opção, ela nunca fez um vídeo para essa música, com grande pena minha. Entretanto descobri este vídeo da RTP e não podia deixar de partilhar esta bonita mensagem convosco.

Dedico a todos aqueles que tiveram que aprender a viver com a ausência de alguém que amavam. 

Boa semana. 

""Aristóteles e Dante descobrem os Segredos do Universo", Benjamin Alire Sáenz

Charneca em flor, 02.07.22

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O mês de Junho que terminou há dias é conhecido por Pride Mouth, Como tal o Clube do Livra-te escolheu, para o mês passado, livros em que a temática LGBTQIA+ está presente. Rita da Nova escolheu "rapariga, mulher, outra" de Bernardine Evaristo que eu já li há cerca de 1 ano como partilhei aqui. A Joana da Silva escolheu "Aristóteles e Dante descobrem os Segredos do Universo" de Benjamin Alire Sáenz.

Este livro pode-se inserir na categoria de young adult mas, na minha opinião, é preciso ter alguma maturidade para se abarcar toda a plenitude da mensagem que o autor nos transmite. Aristóteles e Dante são dois adolescentes solitários. No momento em que se conhecem, nasce uma amizade que será preponderante para a construção da sua identidade de cada um.  

"Aristóteles e Dante descobrem os Segredos do Universo" é uma história de amizade, amor e de como a família nos ama acima de tudo. Esta é uma história que nos aquece o coração. 

Benjamin Alire Sáenz escreve de uma forma muito simples e acessível mas faz uma boa construção de personagens seja no que diz respeito aos jovens como os seus pais que são muito especiais. Lê-se muito bem. Achei, por um lado, uma leitura leve e ideal para as férias mas também profunda e enternecedor. Os capítulos curtos conferem dinamismo e frescura à leitura. O único pormenor que achei menos realista foi as atitudes dos pais de Aristóteles e de Dante. Tendo em conta que a acção se situa no final dos anos 80, achei-os muito progressistas para a época mas poderei ser eu que estou a avaliar a comunidade latino-americana dos Estados Unidos da América - é nessa comunidade que os jovens se inserem - por aquilo que se passava em Portugal nessa mesma época. Na verdade, quem disse que a ficção tinha que ser completamente realista?

"O Dante era um professor muito meticuloso. Era um verdadeiro nadador, sabia tudo acerca dos movimentos de braços e pernas e da respiração, compreendia como um corpo funcionava enquanto estava dentro de água. Gostava de água, era algo que ele respeitava. Compreendia a sua beleza e os seus perigos. Falava de natação como se fosse um modo de vida. Tinha quinze anos. Quem era este rapaz? Parecia um pouco frágil - mas não era. Era disciplinado e duro e informado e não fingia ser estúpido e normal. Não era nenhuma dessas coisas.

Era divertido e concentrado e corajoso. Quero dizer, podia ser corajoso. E não havia nada de mau nele. Eu não compreendia como se podia viver num mundo cheio de maldade e não ser contagiado por essa maldade. Como podia um rapaz viver sem um pouco de maldade?
Dante tornou-se mais um mistério num universo cheio de mistérios."