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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Alegrias e Tristezas de Marta Friel, Meg Mason

Charneca em flor, 31.08.22

Uma vez que o podcast Livra-te tem estado de férias, as suas autoras aproveitaram para dinamizar 2 leituras conjuntas no nosso grupo no Discord. Nas leituras conjuntas, os livros são divididos em blocos e os leitores vão comentando enquanto lêem. Para mim, foi a primeira experiência nesta forma de leitura e achei muito divertido. O livro que me proponho analisar hoje,  "Alegrias e Tristezas de Marta Friel" de Meg Mason foi um deles.

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Nas primeiras linhas encontramos Martha Friel, com o marido Patrick, num casamento. A partir da conversa com uma convidada a qual pergunta como Martha e Patrick se conheceram,  entramos na cabeça da protagonista para descobrirmos a vida atribulada de Martha desde a infância até à vida adulta. Martha e a irmã Ingrid, uma das personagens mais interessantes desta história, crescem com uma mãe artista, alcoólica e que parece não dar grande importância à maternidade e com um pai carinhoso mas com a particularidade de ser um poeta frustrado. A economia familiar vai-se aguentando com o apoio de familiares, nomeadamente a irmã mais velha da mãe. Quando Martha tem 17 anos, sente como se uma bolha rebentasse na sua cabeça e, partir daí, percebemos que ela sofre de algum tipo de doença psiquiátrica que não é bem diagnosticada nem tratada. Meg Mason apresenta-nos esta situação a partir do ponto de vista de Marta mas também conseguimos perceber de que modo essa patologia afecta todas as pessoas que se relacionam com Martha. Esta história leva-nos a questionar até que ponto o amor é suficiente para lidar com as pessoas que sofrem de doenças do foro mental.

Gostei muito deste livro. As doenças mentais são, muitas vezes, descuradas em relação às doenças físicas. E contra mim falo. Quantas vezes pensei que determinada pessoa estava a fingir um problema que não existia. A doença mental não é mensurável como a hipertensão ou a diabetes mas até é mais incapacitante que algumas doenças físicas. A escrita de Meg Mason é cativante, provocando-nos sentimentos contraditórios, tão depressa senti empatia por Martha como fiquei irritada com ela devido às suas atitudes que me deixavam na dúvida se tinham a ver com a patologia ou se eram características negativas do seu carácter. Esta dualidade de sentimentos foi muito bem conseguida pela autora.

A leitura deste livro foi uma lição de empatia para com quem sofre de doenças mentais.

"As pessoas normais dizem que não imaginam que seja possível sentir-se tão mal que sinceramente se queira morrer. Não tento explicar-lhes que não é que queira morrer, mas que sei que não tenho de estar viva. O cansaço é tal que amassa os ossos, é  um cansaço tingido de medo. O facto antinatural de viver é algo que, em algum momento, temos de resolver."

"Uma vez, enquanto o deitava, perguntei-lhe porque gostava tanto de ter alguma coisa na mão. Estava a agarrar a manta de flanela com que dormia.

- Não gosto.

Perguntei-lhe porque o fazia, então.

- Para não me afundar. - Olhou para mim com um ar de cansaço, como se tivesse medo de que me risse dele. - A minha mamã não saberia como me encontrar.

Disse-lhe que sabia como era não querer afundar-se. Esticou-me a manta de flanela e perguntou-me se precisava dela. Se a quisesse, dava-ma.

- Eu sei, mas não é  preciso. Obrigada. É o teu tecido maravilhoso.

Sem largar a flanela, esticou o braco com cuidado, puxou-me o cabelo até encostar a cara à  dele e sussurrou: 《Na verdade, tenho duas iguais, no caso de mudares de ideas》. Virou-se e adormeceu com os dedos da outra mão fechados em torno do meu polegar."

"Como matar a tua família", Bella Mackie

Charneca em flor, 28.08.22

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Se não tivesse sido sugerido no Clube de Leitura do Livra-te provavelmente nunca pegaria neste livro. E porquê? Porque tenho preconceito com livros que têm muita publicidade à volta deles. Se calhar, fui só eu mas vi este livro por todo lado, seja fisicamente seja na internet. Aliás, na capa tem a menção "#1 do Top de Vendas no Reino Unido". Por vezes, posso até deixar de ler livros interessantes mas preconceitos são o que são. Desta vez, a minha percepção não estava de todo errada porque não gostei assim muito do livro.

O ponto de partida da história até é interessante. A personagem central, e narradora, é Grace, uma jovem que nasceu de uma relação extra-conjugal de um dos homens mais ricos da sociedade londrina. Nem o pai nem a família paterna reconheceram a sua existência e nunca lhe deram qualquer tipo de apoio ou assistência, nem sequer quando perde a mãe na adolescência. Como vingança, decide assassinar toda a família paterna para depois reclamar a herança. Ou seja, logo nos primeiros capítulos se percebe quase o livro todo. A morte de cada elemento da família vai sendo descrita ao pormenor. Para mim, a partir da 3a morte, toda esta explicação já começa a ser exaustiva demais. A dada altura, é introduzido um novo problema na vida de Grace que interrompe a sua vingança. Essa circunstância poderia ter aumentado o meu interesse mas eu já estava um bocadinho farta da Grace e já ia lendo em esforço.

A autora fez algum humor ao longo do texto mas, para mim, isso não foi suficiente para me fazer esquecer o quanto o livro estava a ser chato. A escrita pareceu-me confusa e Bella Mackie exagerou na explicação dos crimes. Às vezes, é preciso deixar algum mistério. O fim foi mais ou menos inesperado e, quanto a mim, foi o mais interessante de toda a história.

Não abandonei a leitura porque tenho muita dificuldade em deixar um livro a meio e ainda mais por ter sido um livro sugerido por um clube de leitura. Se calhar, devia-o ter feito porque me sobrava mais tempo para ler bons livros.

"Ainda hoje fico tensa só de pensar nesse homem. Obrigo-me a respirar bem fundo. Sou uma mestre do autocontrolo, mas não foi algo que tivesse aprendido naturalmente. Em criança, costumava ter tremendos ataques de cólera e atirava-me para o chão quando alguma coisa me desagradava, enquanto a minha mãe ficava a olhar para mim com uma expressão divertida e pedia desculpa as pessoas que estavam connosco. Esse sentido dramático ainda persiste dentro de mim, mas há muito que aprendi a contê-lo. Se queremos executar bem um plano, executar um conjunto de pessoas, não podemos deixar as nossas emoções em roda livre. Isso tornaria tudo muito atabalhoado, e nada podia ser pior do que sermos apanhados
por termos sido demasiado autocomplacentes no que diz respeito ao nosso autocontrolo. Tal como quando era criança, acabei por sofrer a indignidade de ter de usar uma casa de banho a um metro da cama, mas pelo menos não foi por me ter denunciado graças a uma vocação insensata para o drama."

A Gorda, Isabela Figueiredo

Charneca em flor, 25.08.22

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Tal como dizia no post anterior, tenho lido bastante neste Verão. No mês passado li um livro que ainda não partilhei por aqui, "A Gorda" de Isabela Figueiredo.

A protagonista é Maria Luísa que acompanhamos como adolescente, jovem adulta e mulher madura. Maria Luísa nasceu em Moçambique e a independência do país, em 1975, apanha-a no início da adolescência. Por uma questão de segurança, os pais enviam-na para Portugal onde passa pelas casas de vários parentes até ir parar a um colégio. O percurso escolar de Maria Luísa é excelente mas tem uma característica que influencia a sua relação com as outras pessoas, é gorda. No entanto, Maria Luísa luta para viver a sua vida da melhor maneira possível mesmo com o "peso" do seu aspecto físico sempre presente.

Tendo em conta, a importância que a aparência física tem na nossa sociedade, alterada com os melhores filtros, este livro mexeu comigo. É impossível não nos identificarmos com os problemas e dores que Maria Luísa sente pelo facto de ter excesso de peso. Não há ninguém que não identifique um defeito físico em si próprio. Seja o peso, a celulite, o acne, as rugas, os dentes desalinhados ou os óculos com lentes grossas como é o meu caso.

"A Gorda" é um relato impressionante e cru, na 1a pessoa, dos sentimentos que Maria Luísa transporta dentro de si. Ao longo da vida faz amizades, diverte-se, apaixona-se mas também sofre humilhações, desgostos e perdas. 

Gostei muito da escrita de Isabela Figueiredo e da maneira como organizou os capítulos do livro. Cada capítulo tem o nome de uma divisão da casa onde Maria Luísa mora com os pais e onde continua a morar depois do falecimento deles. A história avança e recua ao ritmo das memórias de Maria Luísa dando a ilusão de estarmos mesmo no interior da sua cabeça de forma a sentirmos, como nossas, as suas mágoas e as suas vitórias.

Apesar de "A Gorda" ter mexido com as minhas próprias inseguranças físicas, a história de Maria Luísa foi uma boa companhia. Recomendo muito esta leitura.

"O meu corpo continuava a manifestar tendência para alargar. Não era conforme. Os pneus na cintura não me permitiam blusas mais justas, nem a barriga saliente nem as mamas grandes e suspensas, que não se adequavam ao padrão e me envergonhavam, mas havia outros trunfos que me permitiam progredir: lindos olhos amarelos, lábios pulposos, atrevimento e palavra forte. E escrevia bem."

"《Diz, David. Diz a verdade. Gozam contigo porque arranjaste uma gorda, não é?! É por isso. Por ser gorda. Por não ser como as raparigas de quem todos gostam e falam, a quem assobiam e mandam piropos. As normais. Gozam contigo porque sou gorda!》 Temo ouvi-lo, mas quero a confirmação. E quero atirá-lo contra os seus sentimentos, medos e inseguranças."

Lições de Química, Bonnie Garmus

Charneca em flor, 15.08.22

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Os meses de Verão têm sido propícios para as leituras. No mês de Julho, para além dos que já partilhei e dos que ainda falta analisar, li também "Lições de Química" por sugestão da Joana da Silva do Clube do Livra-te. Este é o romance de estreia da californiana Bonnie Garmus.

A acção decorre nos Estados Unidos da América nos anos 60 do século passado. A personagem central é Elizabeth Zott, uma mulher que tenta singrar num mundo masculino. Ela foi uma brilhante aluna do curso de Química mas tem muita dificuldade em afirmar-se no mundo da investigação por ser mulher. As contingências da vida levam-na a abandonar a química para se tornar uma estrela de televisão através de um programa de culinária. Elizabeth olha para a culinária como uma ciência e é assim que procede no seu programa televisivo tornando-se extremamente popular mas incomodativa para muitos sectores da sociedade. Elizabeth aproveita a sua presença no espaço público para estimular as mulheres que a vêem a seguirem os seus sonhos mesmo que isso as leve a desafiar as convenções sociais. No fundo, é uma história de empoderamento situada numa época muito longínqua da definição desse conceito.

Bonnie Garmus construiu personagens muito interessantes ainda que com algumas características inverossímeis mas isso não me incomodou minimamente. Afinal, ficção é ficção. Adorei o cão Seis e Meia, um bom exemplo de como os cães podem ser inteligentes, só lhe faltava falar embora os leitores lhe conseguissem "ler" os pensamentos. Elizabeth Zott tem uma personalidade muito rígida e, algumas vezes, pensei que seria bom que ela cedesse nalgumas coisas para bem de todos mas a sua atitude é compreensível perante a sua história de vida. Adorei a parte científica da história ou não fosse essa a minha área de formação académica.

Resumindo, adorei a leitura deste livro que tem amor, empenho, luta por uma vida melhor, drama, humor e até ciência, tudo na medida certa. Gostei mesmo muito mas talvez não lhe tivesse dado aquele final embora tenha feito algum sentido. Eu teria-lhe dado um outro twist mas ainda assim "Lições de Química" foi um dos meus livros favoritos do ano.

"Era a mesma coisa para ele. Se alguém lhe tivesse perguntado, Calvin teria dito que Elizabeth Zott era a coisa mais preciosa do mundo para ele, e não por ser bonita, e não por ser inteligente, mas porque ela o amava e ele a amava com um certo tipo de plenitude, de convicção, de fé, que sublinhava o quão eram devotados um ao outro. Eram mais do que amigos, mais do que confidentes, mais do que aliados e mais do que amantes. Se as relações são um puzzle, a deles estava resolvida desde o primeiro momento - como se alguém sacudisse as peças da caixa e as visse cair todas na posição exata, encaixando umas nas outras, totalmente montadas, numa
imagem que fazia perfeito sentido. Eram a inveja de todos os casais."

Summer, Ali Smith

Charneca em flor, 09.08.22

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"Summer" é o último livro da série Seasonal da escocesa Ali Smith. Este 4° volume é o culminar de todas as histórias que nos contou desde "Autumn". Reencontramos as personagens desse volume bem como de  "Winter" e também algumas referências, embora mais discretas, a "Spring".

Neste livro, Ali Smith apresenta-nos uma família muito peculiar, os Greenlaw, a mãe Grace e os filhos Sacha e Robert. Esta família acaba por estabelecer relações mais ou menos próximas com os outros personagens de Ali Smith. No fundo, a autora desenvolveu histórias que nos mostram como nos podemos relacionar com os outros seja qual fôr o sexo, a idade, o percurso de vida, o passado, as convicções ou o país de origem. É sempre possível construir caminhos que nos levem até ao outros.

Esta obra confirmou aquilo que já se intuía nos livros anteriores, Ali Smith é uma escritora muito atenta ao mundo que a rodeia. Temas como o Brexit, os refugiados e a maneira como são tratados no Reino Unido são transversais e percorrem toda a série. Em "Summer", a autora colocou, com mestria, a pandemia como pano de fundo e nunca sentimos que essa inclusão é forçada.

A forma sublime como ela escreve é um dos seus maiores trunfos. Este "Summer" foi o meu preferido dos quatro volumes. Para mim foi o livro mais alegre, apesar de também abordar alguns dos momentos históricos mais trágicos da Europa, e luminoso por isso acho que o título tem tudo a ver com o conteúdo.

Se puderem, leiam esta série na língua original. Acredito que na versão traduzida se poderá perder algum do sentido daquilo que Ali Smith escreveu. Por exemplo, não sei como foi possível traduzir esta passagem:

"They stand in the cool stone shade.

Summer, he says.

Summer, she says.

You know it’s also what the lintel in a building gets called? he says.

What is? she says.

Summer. The most important beam, structurally, he says. Holds up a floor, a ceiling, both. There’s one, there, look.

He points behind them at a little balcony hanging as if in mid air.

Now that’s what I call a lovely summer, he says."

Romance de Verão, Emily Henry

Charneca em flor, 02.08.22

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No passado mês de Julho, a Rita da Nova escolheu este "Romance de Verão"* de Emily Henry para o Clube do Livra-te. Nunca tinha ouvido falar desta autora norte-americana parece que já é muito conhecida. Eu não costumo ligar muito aos livros que estão mais em voga ou best sellers mas este meu preconceito pode impedir-me de ler livros giros como é o caso deste "Romance de Verão".

A história parte de uma premissa muito curiosa e interessante.

As personagens principais são January, uma escritora de livros românticos, e August, ou Gus, que escreve livros densos e tristes designados por ficção literária. January e August conhecem-se na faculdade mas tornam-se rivais uma vez que os seus estilos literários nada tem a ver um com o outro. Num momento particularmente difícil da vida, ela muda-se para uma casa junto à praia onde o seu pai viveu uma história de amor extra-conjugal. O seu vizinho mais próximo é August que ela já não via há anos.

Sem revelar muito vou só dizer que, a dada altura, January e August entram num desafio e combinam trocar de género literário. O vencedor será o que vender o livro primeiro ganhando mais dinheiro.

A leitura desta obra foi uma boa experiência. A escrita de Emily Henry é cativante, constrói boas personagens e consegue alternar, com mestria, momentos de humor com elementos mais dramáticos e comoventes.

Gostei muito do livro e talvez experimente ler outros livros da autora se tiver oportunidade. No entanto, achei que algumas personagens deviam ter tido mais protagonismo. Por exemplo, January cruza-se com a amante do pai algumas vezes mas interagem pouco. Na minha opinião, elas deviam ter estabelecido algum tipo de relacionamento, acho que a história ganharia com esse aspecto. O final pareceu-me atabalhoado já que a autora tratou o final do desafio da escrita dos livros de forma muito superficial. Seja como fôr, é uma boa leitura para levar para a praia, para a piscina mas também se pode guardar para as tardes de Outono, sabe bem ler este livro em qualquer das estações.


"– Tu vais tentar escrever ficção literária sombria, ver se te transformaste nesse tipo de escritora agora, se és capaz de ser essa pessoa. – Revirei os olhos e roubei o último pedaço de donut da sua "mão. Ele continuou, imperturbável: – E eu vou escrever um livro com um final feliz.

Os meus olhos fixaram-se nos dele. As franjas de luz do alpendre começavam a abrir caminho através do nevoeiro agora, roçando na janela do carro e captando o ângulo pronunciado do seu rosto e a madeixa escura que lhe caíra na testa.

– Estás a brincar.
– Nada disso – disse ele. – Não és a única que caiu na rotina. Sabia-me bem fazer uma pausa no que estou a fazer...

– Porque escrever um romance cor-de-rosa vai ser tão fácil que essencialmente será uma sesta para ti – provoquei.

– E tu podes abraçar a tua nova perspetiva sombria e ver se te agrada. Se esta é a nova January Andrews. E quem vender o seu livro primeiro, com um pseudónimo, se preferires, ganha."

 

 

* "Beach Read" no título original 

Juramento eterno de sal, Álvaro de Luna

Charneca em flor, 01.08.22

Esta música já não é nova mas eu ouvi-a, pela primeira vez, recentemente. É uma música que cheira Verão e a férias. Achei que era o tema ideal para assinalar o início do mês de Agosto, mais 2 semanas de férias e também estarei de férias.

Obviamente, também gostei muito do facto do cantor e compositor espanhol, Álvaro de Luna, mencionar Portugal na letra tendo, inclusivé, gravado o videoclip em terras lusas.

Boa semana, seja de trabalho ou férias.