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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Jane Eyre, Charlotte Brontë

Charneca em flor, 30.12.22

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No mês de Novembro, ainda houve tempo para a leitura do clássico "Jane Eyre". Este livro foi escolhido pelos seguidores do Livra-te para leitura conjunta do penúltimo mês de 2022.

Conhecemos Jane Eyre como uma criança órfã e infeliz, acolhida pela viúva do seu tio. Jane Eyre cresce sem amor e carinho até que é enviada para um colégio interno onde a sua situação não é muito melhor mas adquire as ferramentas para se tornar, também ela, professora. Quando a sua amiga directora abandona o colégio depois de se casar, Jane Eyre resolve tentar a sorte como preceptora. Jane Eyre é contratada para Thornfield Hall de forma a ensinar a pequena Adèle, uma criança acolhida pelo taciturno Mr. Rochester.

A minha edição deste livro tem esta capa linda mas encontrei alguns erros na edição de texto. Nada que me impedisse de ficar encantada com este livro. Apesar de Charlotte Brontë contar uma história que se enquadra na época em que foi escrita, nas entrelinhas encontramos um pensamento à frente do seu tempo. As identidades femininas e masculinas têm características muito marcadas mas a nossa personagem central apresenta uma certa dualidade na maneira como decide os passos a tomar na sua vida. No séc. XIX era muito difícil a uma mulher subsistir sem familiares que olhassem por ela mas isso não impede Jane Eyre de ir à luta e tentar ser dona do seu destino. Embora este livro tenha cerca de 175 anos, percebe-se continuam a existir pessoas com as mesmas características das personagens deste romance, sejam femininas ou masculinas. Afinal, aquilo que nos torna aquilo que somos não depende das épocas mas atravessa os tempos.

"- Isso vai além dos poderes m6agicos, senhor. - E acrescentei, só para mim: 《Uns olhos apaixonados são todo o encanto necessário: para eles, és belo suficientemente; ou, por outra, a tua rudeza vale mais do que todas as belezas.》

O Sr. Rochester lera por vezes nos meus pensamentos com uma tal clareza que me parecia incompreensível. Desta vez, porém, nanão o reparou na breve resposta que eu lhe dera e pôs-se a sorrir, com um sorriso só dele, mas que só raramente lhe aparecia como se o achasse bom de mais para as ocasiões ordinárias; esse sorriso era um verdadeiro raio de sol... Senti-me iluminada, inundada, aquecida."

De Amanhã em Amanhã, Gabrielle Zevin

Charneca em flor, 27.12.22

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Este livro foi escolhido, no mês de Novembro pela Joana da Silva do Clube do Livra-te. Devo começar por dizer que, dificilmente, pegaria neste livro se não fosse o Clube do Livra-te. A capa é muito apelativa já que se trata de um pormenor do quadro "A Grande Onda de Kanagawa" de Katsushika Hokusai que até já passou por este blog.

Em "De Amanhã em Amanhã" encontramos Sam e Sadie. As suas vidas cruzam-se na infância, num hospital, por circunstâncias dramáticas. O principal interesse que partilham é a paixão pelos videojogos. Entre ambos surge uma forte amizade mas um mal entendido acaba por afastá-los. Até que se voltam a cruzar no início da vida adulta. Quer Sam quer Sadie continuam a adorar jogos de computador e estão na universidade. Sam convence Sadie a desenvolverem um jogo em conjunto e as suas vidas ficarão, irremediavelmente, ligadas.

"De Amanhã em Amanhã" lê-se muito bem e a leitura foi uma experiência agradável. Não me identifiquei com as personagens mas acabei por gostar desta história de amizade e amor pontuada por inúmeros equívocos.

Nunca fui grande apreciadora de jogos embora tenha tido as minhas fases de Sims, Farmville ou Angry Birds. Não sei se foi por isso mas não me senti muito cativada pelo contexto onde a história se insere nem percebi algumas das referências relacionadas com o universo do gaming. A autora situa a história no início dos anos 90 mas encontram-se algumas incongruências temporais nesse contexto histórico como, por exemplo, a alusão à identidade de género. Outro ponto menos positivo é a extensão do livro. Para contar esta história não eram necessárias tantas páginas. A autora pretende, de tal maneira, mostrar os problemas de comunicação entre as personagens centrais que repete várias vezes a mesma ideia. 

A construção das personagens centrais, Sam e Sadie, é um dos pontos positivos do livro. Adorei as suas personalidades ressentidas, com os seus defeitos e as suas dificuldades comunicacionais. Os diálogos são, também, um dos pontos fortes do livro.O final, para mim, foi o culminar perfeito para esta história. "De Amanhã em Amanhã" não entra nos meus livros preferidos de 2022 mas não deixa de ser uma boa leitura. Experimentem.

 

"- Concordo. Mesmo assim, ainda gostaria de voltar a fazer um jogo contigo, se alguma vez arranjares tempo.
- Achas que é boa ideia?
- Provavelmente não - admitiu Sam, com uma risada. - Mas quero fazê-lo na mesma. Não sei como deixar de querer. Sempre que te encontrar, para o resto das nossas vidas, vou pedir-te para fazeres um jogo comigo. Ha um sulco no meu cérebro que insiste que é boa ideia.
- Mas essa não é a definição de loucura? Continuar a repetir a mesma coisa, a espera de um resultado diferente?
- É também a vida da personagem de um jogo - disse Sam. - O mundo de reinícios infinitos. Recomeça do principio, desta vez talvez consigas ganhar. E nem todos os nossos resultados foram maus. Eu adoro as coisas que criámos. Éramos uma equipa fantástica."

 

Precipícios, Carolina Deslandes ft Carlão

Charneca em flor, 23.12.22

No fim-de-semana passado já tinha decidido que esta era a música que iria partilhar nesta semana mas, entretanto, os dias foram passando e acabei por não fazer o post. Não é uma música muito natalícia mas é uma excelente chamada de atenção para relações abusivas. 

No início do vídeo, Carolina Deslandes explica que nada daquilo que ali se vê tem a ver com a sua vida pessoal. Não consigo perceber porque continua a ser necessário ter que fazer este tipo de explicações. Quando é que as pessoas deixaram de perceber um vídeo, um filme, um livro ou uma piada?! Será possível que as pessoas não distinguem ficção, seja qual fôr a sua forma, da vida real?!

Parabéns, Carolina Deslandes, por continuares a incomodar as consciências.

Boa antevéspera de Natal.

 

P.S. - Este ar de bad boy do Carlão é qualquer coisa .

 

O Dicionário das Palavras Perdidas Pip Williams

Charneca em flor, 14.12.22

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“O Dicionário das Palavras Perdidas” de Pip Williams foi o livro escolhido, no mês de Novembro, pela Rita da Nova para o Clube do Livra-te. Partindo da investigação sobre os factos históricos ligados ao início do mais importante dicionário de inglês, o Oxford English Dictionary, a autora construiu um romance maravilhoso e uma história cativante.

A personagem central é Esme que acompanhamos desde a infância. Esme é uma criança curiosa, órfã de mãe, e cujo pai é um lexicográfico que faz parte do grupo que trabalha na elaboração do Oxford English Dicionary. Liderados pelo primeiro Editor James Murray, os lexicográficos reúnem-se no Scriptorium, um barracão situado no jardim da casa de Murray, onde recebem palavras recolhidas por voluntários de todo o mundo. As palavras chegam acompanhadas do texto onde foram detectadas e os lexicográficos têm de analisar a sua utilização e elaborar um significado para a respectiva entrada no dicionário. Esta tarefa revela-se hercúlea. O Oxford English Dictionary vai sendo publicado em fascículos só ficando completo ao fim de 71 anos de ter sido proposta a sua publicação.

Em criança, a nossa Esme passa grande parte do tempo debaixo da mesa de trabalho dos lexicográficos onde vai ouvindo e vendo tudo o que se passa. Até que um dia, um papel cai da mesa. Nesse papel está escrita uma palavra infame, “escrava". Com essa palavra, Esme inicia a sua secreta recolha de palavras através dos papéis negligenciados ou descartados pelos homens que trabalham no dicionário. Ao longo do livro, acompanhamos o crescimento de Esme e a sua íntima relação com as palavras que nunca deixam de fazer parte da sua vida.

A forma como os factos verídicos estão enredados naquilo que é ficção tornam a história de Esme perfeitamente verosímil. A autora aborda também outros acontecimentos históricos mais ou menos contemporâneos do Oxford English Dicionary como a luta sufragista das mulheres e a Primeira Guerra Mundial. A questão sufragista é um tema lateral mas que faz muito sentido porque, ao longo de toda a história, o papel da mulher, bem como os seus direitos, são colocados em questão, com frequência.

O final do livro não foi aquele que eu imaginava, mas analisando de forma desapaixonada, percebo que foi um final perfeito.

Este livro proporcionou-me momentos muito agradáveis. Nunca tinha pensado como é que as palavras aparecem num dicionário, quem decide a grafia mais correcta ou o seu significado. A autora fez-me olhar para essas pessoas e valorizar o trabalho de tantos e tantas, ao longo dos tempos, nesta recolha e selecção das palavras que fazem parte da riqueza de cada língua. As palavras, principalmente as palavras escritas, sempre tiveram uma grande importância para mim desde que aprendi a ler e a escrever. Não só pelos livros, que adoro desde que os descobri na infância, mas também porque sempre gostei muito de me exprimir pela escrita. Hoje a comunicação tem um papel preponderante no meu trabalho profissional. É muito importante conseguir encontrar as palavras certas e adequadas para ser entendida de forma correcta.

“O Dicionário das Palavras Perdidas” faz parte das minhas leituras preferidas de 2022. Lê-lo foi um verdadeiro prazer.

"As palavras não tinham fim. Não havia fim para o que elas significavam, nem para as formas como tinham sido usadas. As histórias de algumas palavras eram tão antigas que a forma como as entendíamos agora não passava de um eco do original, uma distorção. Eu costumava pensar que era ao contrário, que as palavras estranhas do passado eram esboços mal feitos daquilo em que elas se tornariam; que as palavras que se formavam na nossa língua, no nosso tempo, eram verdadeiras e completas. Mas estava a aperceber-me de que, de facto, tudo o que se segue à primeira enunciação é uma corrupção."

Anos 70, Nicolas Alves

Charneca em flor, 12.12.22

Foi com esta actuação tão especial que Nicolas Alves atingiu a melhor pontuação de sempre de Portugal no Festival da Eurovisão Junior. A música foi escrita pela Carolina Deslandes e pelo Agir e tem tudo a ver com o estilo do Nicolas. Este jovem de 13 anos ficou em segundo lugar no último The Voice Kids e logo aí achei que era um miúdo muito especial. Olha-se para ele e vê-se a pinta de artista. Não sei se o Nicolas continuará ligado à música até à vida adulta mas seria uma pena que ele abandonasse a música. Desejo-lhe muito sucesso. E, já agora, muitos parabéns por aquilo que fez no Eurovisão Junior.

 

Boa semana.

 

P.S. - Normalmente é o vencedor do The Voice Kids que representa Portugal neste certame mas a vencedora da última temporada, Marta Gil, celebrou os 15 anos antes do Festival o que impossibilitava a sua participação já que os 14 anos são a idade limite para participar.

A Caverna, José Saramago

Charneca em flor, 07.12.22

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Alguém do clube de leitura, Leituras Conjuntas de Saramago, já tinha mencionado este romance. Na altura não foi escolhido mas acabou por ser um dos livros propostos para o mês de Novembro. "A Caverna" fazia parte da minha biblioteca pessoal sem eu suspeitar da pérola que morava na minha estante. Este livro passou a fazer parte do Top 3 dos meus livros preferidos de José Saramago em conjunto com "as intermitências da morte" e "Ensaio sobre a cegueira". Cada um deles deve o seu lugar no meu coração por motivos completamente diferentes.

A figura central deste romance é Cipriano, um oleiro que, na sua olaria artesanal, produz peças de barro tradicionais. O seu principal cliente é o Centro, um gigantesco edifício comercial e habitacional, que se situa na cidade. Na olaria, Cipriano conta com a ajuda da sua filha, Marta, com a qual tem uma relação muito próxima. Logo no início acompanhamos a viagem de Cipriano desde à aldeia até ao Centro. A viagem serve dois propósitos, entregar uma encomenda das suas louças de barro e transportar o seu genro até ao Centro. Marçal trabalha naquele empreendimento como guarda e ambiciona ser promovido a guarda residente o que lhe daria o privilégio de viver, com a família, nos apartamentos do Centro. No entanto, Cipriano é confrontado com a diminuição do interesse comercial nos seus produtos colocando em risco a sua fonte de rendimento.

Neste romance, José Saramago leva-nos a reflecfir sobre o consumismo desenfreado, os malefícios da industrialização, a projecção de imagens falsas que alteram a percepção da realidade, o envelhecimento e consequente sentimento de inutilidade que muitas pessoas enfrentam quando o seu trabalho é considerado desnecessário. Ao mesmo tempo, o autor construiu personagens brilhantes, não só as personagens centrais (Cipriano, Marta, Marçal) mas também os outros elementos que vão aparecendo para ajudar a consolidar a história. Como o cão, Achado, que aparece na olaria e "decide" ficar com aquela família. O elemento canino repete-se em várias obras, como o inesquecível cão das lágrimas dos "Ensaios" ou o cão que reúne todas as personagens humanas n' "A Jangada de Pedra".

Na verdade, gostei tanto deste livro que nem consigo explicá-lo em palavras. De entre os inúmeros pormenores inesquecíveis, destaco a relação tão carinhosa e especial entre Cipriano e a filha Marta. Mesmo quando há algum conflito entre eles, o amor nunca deixa de estar presente bem como o entendimento mútuo. Nem que para isso seja necessário dar ao outro o espaço de que precisa. A figura do genro, Marçal, longe de ser um factor de discórdia, acaba por complementar, na perfeição, aquela família. No fundo, "A Caverna" mostra-nos que o amor é imensamente mais importante que os objectos que somos levamos a consumir.

Quase que sublinhei todo o livro porque José Saramago escreveu tantas frases e parágrafos maravilhosos que é difícil escolher só algumas. Apetece citar todas as páginas deste romance.

E porque será que se chama "A Caverna"? O título faz todo o sentido mas, para saberem que sentido é esse, têm que o ler.


"Estou a ficar surpreendida com o seu conhecimento destas matérias, Vivi, olhei, li, senti, Que faz aí o ler, Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás, Agora já não estou tão certa, Terás então de ler doutra maneira, Como, Não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar a outra margem, a outra margem e que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que le seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá de chegar, Bem observado, disse Cipriano Algor, mais uma vez fica demonstrado que não convém aos velhos discutir com as gerações novas, sempre acabam por perder, enfim, há que reconhecer que também aprendem alguma coisa, Muito agradecida pela parte que me toca,"