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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

"City of Girls", Elizabeth Gilbert

Charneca em flor, 21.02.23

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"City of Girls" foi um dos livros escolhidos para o mês de Janeiro no Clube do Livra-te. Por coincidência, foi o primeiro livro lido no meu Kobo, recentemente adquirido. Desta feita, optei por ler em inglês.

Elizabeth Gilbert tornou-se conhecida pelo livro de memórias,  "Eat, Pray, Love"* que deu origem ao filme com o mesmo nome protagonizado por Julia Roberts. Eu nunca tinha lido nada desta autora nem fazia ideia de que era romancista.

A narrativa de "City of Girls" está organizada em forma de uma longa carta que a protagonista, Vivien, escreve como resposta a Angela. Esta personagem, cuja identidade se mantém misteriosa durante quase todo o livro, pretende saber qual relação entre o seu próprio pai e Vivien. Assim Vivien, já idosa, mergulha nas suas memórias e conta-lhe toda a sua vida.

O relato começa no Verão de 1940 quando Vivien tinha 19 anos. Devido ao seu insucesso escolar, e sem saberem como lidar com o seu temperamento rebelde, os pais resolvem enviar a jovem para Nova Iorque. Ali vai viver com a sua tia Peg, proprietária de um edifício que incluí o teatro Lily Playhoyse, do qual é a directora. Vivien chega à cidade com uma mala e uma máquina de costura. O seu talento para costurar torna Vivien na responsável pelos figurinos das humildes peças de teatro levadas à cena pela tia Peg. Ao mesmo tempo, a jovem começa a tomar contacto com inúmeras personagens excêntricas e com um ambiente boémio muito diferente daquele a que estava habituada. Em Nova Iorque desenvolve a sua natureza feminina e independente. Vivien faz amizades, diverte-se, apaixona-se e vive momentos felizes até que tudo muda por uma má decisão.

A história de Vivien decorre durante 70 anos desde os anos 40 do séc. XX até à primeira década do séc. XXI. Não se limita a ser uma história de vida mas é também uma história de todas as mudanças sociais ocorridas durante esses anos. A vida de Vivien é influenciada pelas convenções sociais, mesmo que ela não lhes obedeça, pelo fantasma da Segunda Guerra Mundial, na qual os Estados Unidos da América tiveram um papel preponderante, pelo ambiente pós-guerra que transformou Nova Iorque numa cidade diferente e também pelas mudanças sociais ocorridas nos anos 60. No entanto, Vivien e as pessoas que lhe eram mais próximas sempre pautaram a sua vida por valores muito avançados para a época. A cidade de Nova Iorque descrita por Elizabeth Gilbert é uma verdadeira cidade de mulheres pouco convencionais, independentes e emancipadas.

Tal como Vivien vai amadurecendo ao longo do livro, a escrita de Elizabeth Gilbert também evolui. A história é dividida em 2 grandes blocos e, na minha opinião, a forma de escrever também é muito diferente nesses 2 blocos. Uma das características que mais me cativou foi o humor que se vai encontrando ao longo do texto. Esta leitura foi muito agradável e divertida, gostei mesmo muito.

 

"New York City in 1940

There will never be another New York like that one. I'm not defaming all the New Yorks that came before 1940, or all the New Yorks that came after 1940. They all have their importance. But this is a city that gets born anew in the fresh eyes of every young person who arrives here for the first time. So that city, that place - newley created for my eyes only - will never exist again. It is preserved forever in my memory like an orchid trapped in a paperweight. That city will always be my perfect New York.

You can have your perfect New York, and other people can have theirs - but that one will always be mine."

 

*Comer, Orar, Amar

Amor é bicho, Manuel Paulo e Garota Não

Charneca em flor, 20.02.23

Lendários, Tracy Deonn

Charneca em flor, 14.02.23

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Desde que resolvi aderir a clubes de leitura, tenho lido uns quantos livros fora da minha zona de conforto. Este "Lendários" é um bom exemplo disso uma vez que se trata de um livro de fantasia. Aliás já não lia livros deste género desde o fim da adolescência quando li a série "As Brumas de Avalon"

A leitura deste livro teve alguns percalços. Primeiro que tudo, não lhe consegui pegar em Dezembro* devido a este livro. Em seguida, quando estava completamente embrenhada na história, descobri um defeito no meu exemplar e tive que o devolver e esperar por um novo. Percalços à parte, foi uma leitura mesmo fantástica como é natural tendo em conta o estilo .

"Lendários" conta a lenda do Rei Artur mas de uma forma actualizada. A figura central é Bree, uma jovem que vai estudar para uma Universidade da Carolina do Norte ao mesmo tempo que tenta lidar com o luto pela morte repentina da mãe. Na sua primeira saída à noite, assiste a um ataque demoníaco acabando por se cruzar com os Lendários, uma sociedade secreta que reúne estudantes universitários que se afirmam descendentes dos Cavaleiros da Távola Redonda. Através do contacto com os Lendários, Bree confronta-se com os seus próprios poderes que desconhecia e que vai ter que aprender a controlar.

A autora conseguiu desenvolver uma história muito interessante e tão envolvente que não se consegue deixar de ler até à última página. Só que depois encontramos um final aberto que estende uma ponte para o segundo livro da saga.

A escrita é mesmo cativante e Tracy Deonn conseguiu abordar temas muito diferentes, e inesperados, de forma magistral. Nunca imaginei que fosse possível entrelaçar a cultura afro-americana sulista com a lenda do Rei Artur. Esta junção de temas permitiu incluir o racismo como um dos temas mais importantes deste "Lendários". Também nunca imaginaria encontrar aqui uma excelente reflexão sobre o luto e sobre como a perda de alguém transforma a vida de quem fica. A autora até conseguiu incluir uma personagem não binária de forma muito natural. Nem todos os autores o conseguem.

Tal como alguns dos livros que li no ano passado, eu não faço parte do público-alvo deste livro mas adorei esta leitura. Fiquei muito envolvida com estas personagens e com esta história. "Lendários" lê-se com muita facilidade apesar das suas mais de 500 páginas. Foi muito bom viajar no tempo e relembrar-me da jovem que se embrenhou n' "As Brumas de Avalon".

 

"Ser capaz de seguir o rasto da própria família até tão longe é algo que nunca imaginei. A minha familia apenas conhece a geração que se seguiu a Emancipação. De repente, é difícil estar aqui e absorver a magnificência da Muralha e não sentir uma inegável sensação de ignorância e inadequação. Depois, uma onda de frustração, porque provavelmente houve alguém que quis gravar tudo, mas quem poderia ter escrito a história da minha família até aqui? Quem teria sido capacitado, ensinado, autorizado a fazê-lo? Onde está a nossa Muralha? Uma Muralha que não me faça sentir perdida, mas sim encontrada. Um Muralha que se sobreponha a qualquer pessoa que lhe ponha os olhos em cima.

Em vez de admirada, sinto-me... injustiça."

 

P.S. - Emancipação refere-se à Proclamação da Emancipação assinada em 1862 pelo presidente dos EUA, Abraham Lincoln, dando início ao processo de abolição da escravatura nos estados confederados norte-americanos.

*"Lendários" foi uma das escolhas de Dezembro no Clube do Livra-te.

Due Vite, Marco Mengoni

Charneca em flor, 13.02.23

Cá em casa há um grande fã do Festival Sanremo, em Itália, e eu acabo por dar uma espreitadela. Itália é um dos meus países preferidos e gosto muito da sonoridade da língua italiana. Sendo assim, hoje partilho o vencedor deste Festival e que já aceitou representar a Itália na Eurovisão. 

"Due Vite" tem como tema a complexidade da vida e a forma como duas pessoas reagem aos desafios que a vida lhes coloca bem como a ideia de que é possível encontrar força no companheirismo, na amizade e no amor.

Boa semana.

 

 

Urgentemente

Garota Não canta Eugénio de Andrade

Charneca em flor, 06.02.23

Um dos clubes de leitura a que pertenço mudou de nome e de fundamento. Antes era o Leitura Conjunta de Saramago e agora é o Clube de Leitura do Ponto Final. Parágrafo*. No mês de Janeiro, para assinalar o Centenário do poeta, foi proposto que se descobrisse Eugénio de Andrade. Confesso que só conhecia este poema que a Garota Não musicou recentemente.

Aliás descobri esta versão num podcast em que a Garota Não participou, o Liberdade para Pensar do Expresso.

É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

 

Espero que gostem.

Boa semana.

 

"Uma Pequena Vida", Hanya Yanagihara

Charneca em flor, 01.02.23

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Ler "Uma Pequena Vida" é, antes de mais, um grande desafio. Afinal, são quase 700 páginas cuja leitura ocupou cerca de 19 horas, distribuídas ao longo de 20 dias. Durante esse tempo, senti-me completamente dominada por este leitura e refém da história criada por Hanya Yanagihara.

O ponto de partida é amizade que se desenvolve entre quatro jovens que se conhecem na Universidade, Willem, JB, Malcolm e Jude. Os laços que se forjam entre eles são tão fortes que se mantêm, com altos e baixos, por toda a vida. Em "Uma Pequena Vida" acompanha-se a entrada na vida adulta bem como as décadas seguintes. Enquanto os jovens procuram a auto-realização vão percebendo que a saúde física e psicológica do mais brilhante de todos, Jude, se vai deteriorando ao longo do tempo. Jude foi sempre o mais enigmático e misterioso. Em tantos anos de amizade, nenhum deles soube nada sobre a vida passada do amigo. E é no passado que se encontram todas as respostas.

Hanya Yanagihara criou uma história que tem tanto de fenomenal como de doloroso. As personagens estão muito bem desenvolvidas e é impossível não nos apaixonarmos por elas. Tal como pessoas reais, têm qualidades e defeitos e nem sempre têm as melhores atitudes, como acontece na vida. 

"Uma Pequena Vida" tem passagens muito bonitas que nos fazem acreditar no valor da amizade e do amor mas, ao mesmo, são descritas situações tão cruas e duras que conseguem provocar sensações físicas nos leitores. Em certos momentos, senti-me verdadeiramente nauseada e tive que parar a leitura porque não aguentava nem mais uma linha.

Admito que caí na "armadilha" da autora. Hanya Yanagihara manipula o leitor com tal mestria que, por mais "bofetadas" que as suas palavras me dessem, eu não conseguia parar de ler na esperança de que esta vida não fosse assim tão dramática.

Este livro faz-nos calçar os sapatos do outro, daquele que vive em constante sofrimento, daquele que tem atitudes incompreensíveis mas que não podemos julgar porque não conhecemos que caminho teve que percorrer até chegar ao momento em que se cruza connosco.

Não posso, em consciência, aconselhar esta leitura mesmo que "Uma Pequena Vida" tenha conquistado um lugar de destaque nos livros da minha vida. Este não é um livro para qualquer pessoa. Só alguém com uma grande capacidade de tolerância à dor será capaz de levar esta tarefa até ao fim. Não é uma leitura fácil mas eu sinto-me orgulhosa por ter conseguido ultrapassar a este desafio.

 

"Sentiu o aguilhão da culpa depois de falar com um e outro, mas a decisão estava tomada. Seria melhor assim, tinha a certeza: não trazia nada de bom às vidas deles. Era uma coleção de problemas bizarros, não mais do que isso, e, a menos que de alguma maneira se fizesse parar, consumi-los-ia com as suas necessidades. Exigiria
sempre mais, devorando-os a6te lhes deixar apenas os ossos. Encontrariam maneira de resolver cada dificuldade que eles lhe apresentassem e ele sempre encontraria novas maneiras de os destruir. Estariam de luto durante algum tempo, claro, porque eram pessoas boas - as melhores do mundo - ele lamentava que assim tivesse de acontecer, mas acabariam por perceber que tinham ficado melhor depois de ele partir. Dar-se-iam conta de todo tempo que Ihes fora roubado e concluiriam que ele fora um ladrão que lhes sugara a energia e a atenção até à ultima gota. Tinha esperança de que perdoariam, de que acabariam por ver que esta era a sua maneira de lhes pedir perdão. Estava a libertá-los. Eram as pessoas que ele mais amava no mundo e é isso que se faz quando se ama alguém: da-se-lhe a liberdade."