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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Romance de Verão, Emily Henry

Charneca em flor, 02.08.22

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No passado mês de Julho, a Rita da Nova escolheu este "Romance de Verão"* de Emily Henry para o Clube do Livra-te. Nunca tinha ouvido falar desta autora norte-americana parece que já é muito conhecida. Eu não costumo ligar muito aos livros que estão mais em voga ou best sellers mas este meu preconceito pode impedir-me de ler livros giros como é o caso deste "Romance de Verão".

A história parte de uma premissa muito curiosa e interessante.

As personagens principais são January, uma escritora de livros românticos, e August, ou Gus, que escreve livros densos e tristes designados por ficção literária. January e August conhecem-se na faculdade mas tornam-se rivais uma vez que os seus estilos literários nada tem a ver um com o outro. Num momento particularmente difícil da vida, ela muda-se para uma casa junto à praia onde o seu pai viveu uma história de amor extra-conjugal. O seu vizinho mais próximo é August que ela já não via há anos.

Sem revelar muito vou só dizer que, a dada altura, January e August entram num desafio e combinam trocar de género literário. O vencedor será o que vender o livro primeiro ganhando mais dinheiro.

A leitura desta obra foi uma boa experiência. A escrita de Emily Henry é cativante, constrói boas personagens e consegue alternar, com mestria, momentos de humor com elementos mais dramáticos e comoventes.

Gostei muito do livro e talvez experimente ler outros livros da autora se tiver oportunidade. No entanto, achei que algumas personagens deviam ter tido mais protagonismo. Por exemplo, January cruza-se com a amante do pai algumas vezes mas interagem pouco. Na minha opinião, elas deviam ter estabelecido algum tipo de relacionamento, acho que a história ganharia com esse aspecto. O final pareceu-me atabalhoado já que a autora tratou o final do desafio da escrita dos livros de forma muito superficial. Seja como fôr, é uma boa leitura para levar para a praia, para a piscina mas também se pode guardar para as tardes de Outono, sabe bem ler este livro em qualquer das estações.


"– Tu vais tentar escrever ficção literária sombria, ver se te transformaste nesse tipo de escritora agora, se és capaz de ser essa pessoa. – Revirei os olhos e roubei o último pedaço de donut da sua "mão. Ele continuou, imperturbável: – E eu vou escrever um livro com um final feliz.

Os meus olhos fixaram-se nos dele. As franjas de luz do alpendre começavam a abrir caminho através do nevoeiro agora, roçando na janela do carro e captando o ângulo pronunciado do seu rosto e a madeixa escura que lhe caíra na testa.

– Estás a brincar.
– Nada disso – disse ele. – Não és a única que caiu na rotina. Sabia-me bem fazer uma pausa no que estou a fazer...

– Porque escrever um romance cor-de-rosa vai ser tão fácil que essencialmente será uma sesta para ti – provoquei.

– E tu podes abraçar a tua nova perspetiva sombria e ver se te agrada. Se esta é a nova January Andrews. E quem vender o seu livro primeiro, com um pseudónimo, se preferires, ganha."

 

 

* "Beach Read" no título original 

Beloved, Toni Morrison

Charneca em flor, 27.06.22

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Junho já está quase a acabar e eu ainda não partilhei todos os livros que li em Maio. "Beloved" foi a escolha desse mês da Rita da Nova para o Clube do Livra-te. Esta obra desenrola-se à volta de uma história tão dura e pesada que me levou a não consegui a escrever sobre ele senão um mês depois de o ter lido.

A autora, Toni Morrison, foi distinguida com o Prémio Nobel da Literatura em 1993 e este livro ganhou o Prémio Pulitzer.  No entanto, um livro premiado, tal um vinho por exemplo, pode ou não ser adequado às nossas preferências. Tudo depende daquilo que nos faz sentir.

A trama principal de Beloved gira à volta de um facto verídico ocorrido em Kentucky em 1856. A autora parte desse acontecimento para nos mostrar o horror da escravatura a que tantos homens, mulheres e crianças foram sujeitos.

O processo de abolição da escravatura nos Estados Unidos da América foi gradual uma vez que, enquanto os estados no Norte optavam por acabar com essa prática desumana, os estados do Sul, onde existiam as grandes plantações, pretendiam perpetuá-lo. O papel deste diferente entendimento do trabalho escravo nos diferentes estados pode ter contribuído para a Guerra Civil Americana (Norte-Sul) mas esta influência é controversa historicamente.

Toni Morrison através deste romance e das suas personagens principais como a mulher negra Sethe faz-nos olhar para as sevícias a que os negros eram sujeitos nessa época e como isso pode ser determinante para "justificar" atitudes incompreensíveis das pessoas que vivenciaram algum tipo de tratamento desumano. A autora aborda, também, como certos actos irreflectidos podem gerar sentimentos de culpa que pesam na alma para o resto da vida. A culminar toda esta dureza e crueldade, no fim, o amor e a amizade acabam, de certa forma, por triunfar.

Não foi um livro fácil de ler o que prova que é aceitável não adorar tudo aquilo que é premiado. Não desisti de ler porque a vontade de perceber até onde esta história ia foi mais forte. No fim, acho que valeu a pena porque saí mais rica desta leitura. 

 

"Falava acerca do tempo. É-me difícil acreditar nele. Algumas coisas passam. Desaparecem. Outras limitam-se a ficar. Eu achava que era a minha memória. Tu sabes. Esquecemo-nos de algumas coisas. Outras nunca esquecemos. Mas não é  isso que acontece. Os lugares, os lugares permanecem. Se uma casa arde, desaparece, mas o lugar onde se encontrava, a sua imagem, fica, e não apenas na minha memória, mas também lá fora, no mundo. Aquilo que lembro e uma imagem que flutua fora da minha cabeça. Quero dizer, mesmo que não pense nela, mesmo que morra, a imagem do que fiz, ou conheci ou vi permanece lá. No mesmo sítio onde tudo aconteceu."

"A Filha do Guardião do Fogo, Angeline Boulley

Charneca em flor, 03.06.22

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No âmbito do Clube do Livra-te, um dos livros que li no mês de Maio foi "A Filha do Guardião do Fogo" de Angeline Boulley, escolhido pela Joana da Silva.

Esta obra foi uma excelente surpresa. Inicialmente, pensei tratar-se de um livro muito conotado com o estilo "young adult" mas não tem nada a ver. Este livro saiu há pouco tempo em Portugal e foi traduzido por uma jovem muito activa no Bookstragram*, Elga Fontes. A autora aborda várias problemáticas que, a meu ver, se conjugam na perfeição.

A personagem principal é uma inteligente jovem de mãe branca, de uma das famílias mais abastadas da cidade, e de pai nativo-americano. Embora sinta algumas dificuldades em se integrar quer numa comunidade quer na outra, vai tentando chegar a um certo equilíbrio embora a sua vida recente tenha passado por alguns percalços. De repente, a cidade começa a ser abalada por acontecimentos trágicos onde Daunis se vê, inesperadamente envolvida. 

"A Filha do Guardião do Fogo" tem inúmeros ingredientes que tornam a leitura cativante como sejam mistério, crime, romance e cultura indígena americana. Apercebi-me de que pouco mais sei da realidade nativo-americana do que aquilo que Hollywood nos mostrava nos antigos westerns e os indígenas eram, quase, sempre os maus. Confesso que fiquei fascinada e com vontade de saber mais. Um dos pormenores desta cultura, ou pelo menos da tribo retratada no livro, é o respeito pelos mais velhos. A relação com os elementos mais idosos da comunidade é encantadora.

Em suma, gostei muito deste livro e recomendo-o a quem aprecie conhecer uma cultura diferente mas que também goste de mistério e romance.

"Repouso sobre uma grande rocha, numa ilha de pedra rodeada de bosques. A chuva acabou de parar; gotas pesadas escorrem dos ramos e pingam quando se encontram no chão da floresta. Uma brisa agita as árvores, transformando-as em sinos de vento. Os últimos vestígios de chuva escorrem agora em salpicos mais suaves. Os pedregulhos roncam, baixos e constantes. A luz do Sol penetra a cobertura da floresta lançando feixes que despertam os amores-perfeitos adormecidos.
À esquerda, há uma pequena fogueira rodeada pelas pedras do avô. A este. O seu fumo sobe, convocando orações nas cadências melódicas de Anishinaabemowin. À
minha frente, a sul, há outra fogueira com mais avôs e orações transportadas em fumo cinzento. A minha direita, a oeste, os avos aguardam. Ainda não há fogo. Atrás de mim, a norte, mais Avôs pacientes.
Os amores-perfeitos cantam para mim. Circundam a rocha, pontilhando a periferia com caras amarelas e roxas, balançando suavemente. Todas estas vozes que se misturam. Adiciono a minha, avançando através do refrão até encontrar um nicho que a minha voz preencha, para tornar a canção completa.

Este mundo existe para lá de qualquer contentamento e beleza que alguma vez conheci."

 

*páginas de Instagram onde se publicam, maioritariamente, conteúdos relacionados com livros e literatura.

Mil Sóis Resplandecentes, Khaled Hosseini

Charneca em flor, 06.05.22

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Este livro foi mais uma sugestão para o mês de Abril do Clube do Livra-te. Desta feita, a escolha foi da Rita da Nova.

O pano de fundo deste romance é o Afeganistão desde os anos 60 (ainda no tempo da Monarquia) até ao início deste milénio passando pela Revolução Marxista, e consequente invasão soviética, pela guerra entre as forças governamentais (apoiadas pela URSS) e os Mujahidin, seguida pela guerra civil entre grupos rebeldes e que terminou com a vitória dos Talibã chegando à invasão norte-americana posterior aos atentados do 11 de Setembro.

As figuras centrais deste romance são 2 mulheres de gerações diferentes, Marian e Laila, que acabam por se casar com o mesmo homem em circunstâncias muito díspares. Através delas conseguimos perceber perfeitamente as condições de vida a que as mulheres afegãs estavam, e continuam a estar, sujeitas.

O contexto histórico e político está muito bem entrelaçado na narrativa de forma a que este não se torne aborrecida. A construção das personagens é excelente. Não são lineares, têm várias camadas e vão evoluindo ao longo dos anos, com tudo aquilo que lhes vai sucedendo. O autor consegue que o leitor estabeleça uma conexão empática com Laila e Marian embora de forma diferente e evolutiva.

Para além da condição feminina imposta pelo ambiente social que se vive, é abordada a violência doméstica de forma tão realista que quase conseguimos sentir as dores destas 2 mulheres.

"Mil Sóis Resplandecentes" é um livro perturbador, duro, que abala as nossas certezas e que nos confrontam com uma realidade muito diferente da nossa realidade ocidental. Este livro encaixa na categoria dos livros que, mais do que uma fonte de distracção, nos fazem reflectir sobre a natureza humana, sobre a maldade e sobre tudo aquilo que falta fazer para construirmos uma sociedade mais justa e um  futuro mais digno para todos. E ler esta obra fez-me sentir grata porque a lotaria da Vida me fez nascer num país onde ser mulher é diametralmente diferente daquilo que significa sê-lo no Afeganistão, principalmente neste tempo em que vimos regressar os Talibãs ao poder, ainda que em versão 2.0.

Em suma, ainda bem que a Rita da Nova sugeriu este livro porque de outro modo não teria pegado nele perdendo uma óptima oportunidade de enriquecimento pessoal.

"- Lamento - diz Laila, achando espantoso que as histórias de todos os afegãos sejam marcadas pela morte, pela perda e por inimagináveis desgostos. E no entanto, como ela testemunha, as pessoas acham maneira de sobreviver, de seguir em frente. Pensa na sua própria pria vida e em tudo o que lhe aconteceu, e admira-se por também ela ter sobrevivido, por estar viva e sentada naquele taxi a ouvir a história daquele homem."

 

Lizzie & Dante, Mary Bly

Charneca em flor, 26.04.22

IMG_20220425_215939.jpg"Lizzie & Dante" foi o livro escolhido pela Joana da Silva, do Clube do Livra-te, para o mês de Abril. 

Quando percebi que a história se desenrolava numa ilha italiana, fiquei logo interessada. Como não tenho viajado nestes 2 últimos anos, este livro foi uma excelente maneira de "viajar" até um cantinho da "minha" Itália.

A ilha é Elba onde eu nunca fui mas que é conhecida por ter sido a ilha onde Napoleão Bonaparte esteve exilado. 

Este livro aqueceu-me a alma e o coração. "Lizzie & Dante" sabe a Verão, a vinho italiano, a limoncello, a pasta e cheira a maresia. Embora me tenha sabido bem em Abril é, nitidamente, um livro de Verão, para ler à beira-mar ou à beira da piscina.

Lizzie é uma professora, especialista em Shakespeare, que enfrenta um grave problema de saúde. Elba é o seu destino de férias, talvez o último, na companhia do seu melhor amigo, Grey, e do companheiro deste, Rohan, um famoso actor de Hollywood. Um dia na praia "tropeça" num charmoso Chef italiano, Dante, que traz na bagagem uma filha e uma cadela. E o resto fica para descobrirem quando lerem o livro.

Uma história comovente onde o passado se cruza com o presente e se embrulha no futuro. Uma história de dor, amor, amizade e vontade de viver regada com o melhor vinho italiano e alimentada a antipasti, prosciutto e mozarella. Em suma, abre o apetite.

"Lizzie & Dante" tem a leveza das histórias românticas mas tem também algumas sombras para contrabalançar. Gostei muito deste livro mas fiquei com pena de não ter lido em inglês. Na minha opinião, a edição portuguesa deixou um pouco a desejar, pelo menos, na versão digital. Nalgumas passagens senti que faltavam frases, parecia não haver ligação de um parágrafo para outro. Não sei se estava assim, originalmente, ou se foi da tradução ou alguma falha da revisão do livro. Outro pormenor é que a acção parece ser muito rápida nalgumas passagens e excessivamente lenta noutras. O final não é tão previsível como se poderia pensar ao longo do livro.

Tendo em conta que me deu muito prazer lê-lo, a minha classificação é 

⭐⭐⭐⭐

"Afastou as cortinas de linho e empurrou para trás as pesadas persianas de madeira. O mar parecia verde-escuro perto da costa e amarelo nohorizonte, onde o Sol nascia. Guarda-sóis cor-de-rosa com franjas esvoacavam à direita, onde a areia fora varrida como um jardim de pedras japonês.

À esquerda, ficava a praia pública. Os guarda-sóis ainda estavam atados, as cadeiras dobradas. Uma fieira de algas de um cinzento-esverdeado tinha acostado a beira-mar e ali deixada pela maré. Na noite anterior, o ar era inebriante com um perfume a flores, mas agora apresentava-se fresco e limpo, com uma delicada coloração do mar.
Elba era sedutora de manha cedo. A água parecia renda num voltear de espuma, quando se juntava à areia e, sustivesse a respiração, conseguia ouvi-la embater na costa."

 

 

"O momento em que nos perdemos" Maria José Núncio

Charneca em flor, 31.03.22

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No mês de Março li mais um livro sugerido pelo Clube do Livra-te, desta feita uma escolha de Rita da Nova. As premissas para as escolhas do podcast Livra-te para o mês que hoje termina foram duas efemérides que se assinalam no mês de Março, o Dia Internacional da Mulher e o Dia do Livro Português.

Maria José Núncio, doutorada em Sociologia, tem uma presença assídua na televisão portuguesa já que participa numa rubrica de crónica criminal. Neste livro acompanhamos as vidas, que se cruzam a dada altura, de Toni e Maria dos Remédios que tiveram uma vida glamorosa nos anos 80 mas que acabam por cair em desgraça. A autora conduz-nos através destas páginas para percebermos os caminhos que ambos escolheram e que os levaram ao que vivem na actualidade.

Toni é um homossexual que foi expulso de casa pelo pai, um burguês conservador, no dia do funeral da mãe, em 1974. Maria do Remédios foi a única sobrevivente da família nas cheias de 1967 e foi entregue à madrinha que a criou. As suas vidas cruzam-se na Lisboa dos anos 80, ela como modelo e ele como decorador, e entre os dois nasce uma amizade que se prolonga pela vida fora acompanhando as mudanças que a cidade atravessou até à actualidade. 

Gostei muito deste livro principalmente porque me fez viajar no tempo embora eu não tenha vivido as mesmas experiências que estas duas personagens. Só tenho pena que a autora não tenha desenvolvido mais a história. O tema era tão interessante que merecia muito mais.

"Mas éramos tão ingénuos... Tão ingénuos que acreditámos que tudo duraria para sempre, esquecendo-nos de que fomos nós, com as nossas tendências, quem  precisamente, inaugurou a efemeridade: das roupas e da fama. E pagámos o elevado preço do esquecimento e do anacronismo. A decadência dos lugares justapunha-se à nossa própria decadência."

 

"Para Interromper o Amor", Mónica Marques

Charneca em flor, 30.03.22

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Este livro foi o escolhido pela Joana da Silva para o mês de Março do Clube do Livra-te. Esta obra gira à volta de um certo triângulo amoroso, duas mulheres e um homem, em que a amizade, o sexo e o amor se misturam. As mulheres não podiam tem um passado mais distante já que uma delas é filha de um português que se refugiou no Brasil depois de 1974 e a outra é filha de um dirigente comunista. A acção desenvolve-se entre o Lisboa, o Rio de Janeiro e ainda uma passagem pelo Porto. O livro está organizado em pequenos capítulos, cada um deles com a "voz" de cada uma das personagens. 

"Para Interromper o Amor" lê-se em pouco tempo devido aos capítulos curtos mas não entrou para a categoria dos meus livros preferidos. Nem sempre consegui acompanhar a história, ou ausência dela, já que não é fácil acompanhar a organização que a autora imprimiu ao livro. Também achei a utilização de vernáculo algo exagerada. Não fez bem o meu género de livro mas é sempre interessante ler livros diferentes daquilo que é habitual.

"O que é que uma mulher quer de um homem? Quer viajar com ele? Perder-se nele, perder-se com ele, ou, nestes tempos de ambiguidade sexual, o que é que uma mulher quer de uma mulher? Viajar com ela? Perder-se nela ou no mundo qualquer (mas muito melhor) dela? Gostar de viajar pode ser outra coisa: querer muito ser levada, enganada, e talvez outras invenções da nossa língua? Não. Existe coisa mais sexy que viajar?"

Sem Fôlego, Jennifer Niven

Charneca em flor, 03.03.22

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No Clube do Livra-te, no mês de Fevereiro, também foi proposto, pela Joana da Silva, a leitura deste livro. "Sem Fôlego" insere-se no estilo "young adult". E o que leva uma quarentona a ler um livro deste estilo? Para além de querer cumprir o desafio do Clube do Livra-te, a minha intenção foi divertir-me. E pode-se dizer que, nesse ponto, este livro cumpriu o objectivo.

A personagem Claude é uma jovem de 18 anos que, a poucos dias de terminar o secundário, descobre que os seus pais se vão separar e que ela, contrariando os seus planos para o Verão, teria que ir passar as férias numa pequena ilha com a mãe. Nesse momento, Claude percebe que a sua vida nunca mais será igual. Na ilha, Claude conhece um jovem com um passado problemático, Jeremiah, que se tornará muito importante na sua vida. Ao longo do livro, acompanhámos a luta interna de Claude para encontrar o seu caminho depois da reviravolta da sua vida. 

Nos últimos anos, não tenho lido muitos "livros lamechas" ou "romances cor de rosa" mas, de vez em quando, é bom ler um livro cuja única função seja divertir-nos. E é neste caso que se enquadra o "Sem Fôlego". Não se trata de uma obra-prima mas é um livro leve, divertido e excelente para ler no Verão. 

Nos agradecimentos finais do livro, percebe-se que a história é muito especial para a autora porque a sua vida pessoal tem muitos paralelismos com a vida de Claude.

Jennifer Niven deixou algumas pontas soltas na história que contou que a podiam ter enriquecido mas não deixou de me proporcionar momentos agradáveis.

"E naquele momento encho-me de uma coisa que parece amor por este rapaz que conhece tantos dos meus segredos. Que está a ensinar-me a encontrar dentes de tubarão. Que me trouxe galochas. Que esta a mostrar-me a sua ilha. Este rapaz descalço, feito de sol e luz, que parece fazer parte da lama e da areia e do pântano. A colecionar tesouros. A encontrar beleza nas pequenas coisas. Ferido como eu, mas sem olhar para trás. No momento. A olhar para a frente. A maravilhar-se com o que esta a sua frente. Bem na sua pele. Bem onde quer que esteja.

Penso: Podia viver aqui. Podia ser feliz aqui. Aqui com ele. Podia ficar aqui para sempre."

Açúcar Queimado, Avni Doshi

Charneca em flor, 01.03.22

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Este livro foi uma das sugestões do Clube do Livra-te para o mês de Fevereiro. "Açúcar Queimado" de Avni Doshi foi finalista do Prémio Booker no ano 2020. A história centra-se na estranha relação entre mãe, Tara, e a filha, Antara. A mãe começa a apresentar sinais de demência e a filha, apesar da relação conflituosa e tóxica entre ambas, sente-se na obrigação de a apoiar e de a acompanhar às consultas. Na tentativa de recuperar a memória da mãe, Antara revisita o passado de ambas e revive todo o sofrimento que as decisões da mãe lhe causaram.

Apesar dos constantes "saltos" na história, o relato é fácil de seguir uma vez que a escrita de Avni Doshi é fluída e acessível. Há um ou outro momento mais parado mas a história desenrola-se a um bom ritmo, maioritariamente.

"Açúcar Queimado" é um bom livro, gostei mas não adorei. Não sei dizer porquê mas faltou qualquer coisa que me impediu de mergulhar na história. Talvez tenha sido porque não me sinto muito atraída pela cultura indiana que serve de enquadramento à história ou porque as patologias ligadas à demência me assustam de tal maneira que não gosto muito de pensar sobre elas. A verdade é que "Açúcar Queimado" faz-nos olhar, de frente, para esta problemática e esse olhar assustou porque tenho muito medo de que eu, ou algum familiar, venha a sofrer destas doenças. Por outro lado, há livros que surgem na nossa vida numa altura em que não estamos preparados para os lermos. Provavelmente foi isso que aconteceu comigo e com esta obra.

A história de Tara e Antara fez pensar num pormenor interessante. Muitas vezes, no meu quotidiano como farmacêutica, e quando acompanho algumas situações familiares dos meus utentes, tiro algumas conclusões precipitadas sobre o acompanhamento que os filhos prestam ou não aos pais idosos. Na verdade não sei nada sobre o passado daquelas pessoas. Será que, às vezes, os filhos não terão alguma razão para não acompanhar os pais como nos parece lógico quando olhamos de fora? Será que os pais não cometeram erros suficientemente graves que afectaram o crescimento dos filhos a ponto de isso os acompanharem pela vida fora?

Mais um livro que me pôs  a pensar. E, no fundo, só por isso valeu a pena aceitar esta sugestão da Rita da Nova.


"- A realidade é algo de que somos coautores - responde a mulher. - É natural que comece a achar tudo isto perturbador. Quando alguém nos diz que uma coisa não é como pensamos, pode provocar-nos leves vacilações no cérebro, alterações na atividade cerebral, e trazer a tona dúvidas que estavam no sub-consciente. Por que razão crê que as pessoas têm despertares espirituals? É porque quem nos rodeia está empenhado em acreditar. O delirio é uma descarga contagiosa."

"Olhava em redor e ouvia as muitas vozes e via os muitos corpos que pareciam compor uma forma gigante, um gigante maior do que o Baba, mas um espelho do que ele era, um conjunto de tantos desejos. Eu sabia que esses desejos existiam, que eram suficientemente poderosos para controlar padrões climáticos e causar inundações todos os anos, mas não conseguia perceber como funcionavam, como eram distribuídos e guardados diante de mim. O desejo dos adultos era uma coisa que eu ainda não compreendia. Não havia lugar para mim junto dele e nenhum sítio para onde ir. Por isso, deixava o prato à minha frente, de vez em quando observava os sentimentos que nele pusera, vendo-os crescer. Um dia, misturei-os com a comida e engoli-os inteiros."

Mais leituras de Janeiro

Clube do Livra-te

Charneca em flor, 15.02.22

Este ano aderi a duas iniciativas literárias:

  • Leitura Conjunta de Saramago dinamizada por Magda Cruz, autora do podcast Ponto Final. Parágrafo. 
  • Clube do Livra-te dinamizado por Rita da Nova e Joana da Silva, autoras do podcast Livra-te.

Sobre o livro de José Saramago para o mês de Janeiro já escrevi aqui. Hoje vou partilhar algumas ideias sobre os livros do mês de Janeiro sugeridos pela Rita e pela Joana, "Winter" de Ali Smith e "A troca" de Beth O' Leary, respectivamente.

Os 2 livros acabam por ter uma ténue ligação já que ambos nos fazem olhar para o envelhecimento e para a vida das pessoas mais idosas.

20220211_133526.jpgWinter, Ali Smith

Este livro pertence a uma série de 4 cujos títulos revertem para as estações do ano. Quando o primeiro livro, "Autumn" foi mencionado no podcast Livra-te, por impulso, comprei os quatro títulos em inglês e em ebook.

"Winter" é de leitura mais difícil do que o primeiro. Afinal, o Inverno é mais difícil de suportar do que o Outono, não é verdade?

A acção principal ocorre no Natal mas a escrita da Ali Smith baseia-se muito naquilo que habita na memória das personagens por isso a história vai saltitando entre vários espaços temporais. Como ela própria diz, o único sítio onde podem coexistir vários espaços temporais é num livro. Voltamos a sentir o ambiente pós-brexit mas a autora vai para além disso abordando, igualmente, as preocupações ambientais, o activismo, a emigração e a doença mental. "Winter" aborda, também, o envelhecimento, as várias maneiras de envelhecer e as diferenças geracionais.

Os livros podem-se ler, independentemente, uns dos outros embora haja uma breve ligação, quase imperceptível. 

Em suma, valeu a pena insistir na leitura porque, no final, acabou por ser uma boa experiência.

"Well, this story is from the past, Art says, so the today it’s about is in the past now. And obviously, it’s about Christmas, this is a story set at Christmas time, and it’s June right now, so this also means it’s not the same as today. That’s one of the things stories and books can do, they can make more than one time possible at once."

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A troca, Beth O' Leary

"A troca" conta uma história muito ternurenta. Eileen e Leena são a avó e a neta que resolvem trocar de vida. A avó Eileen vai viver para Londres, interagindo com os amigos da neta, em busca de um novo amor depois da separação e Leena vai viver para uma pequena aldeia do Yorkshire assumindo todas as funções da avó na comunidade. Esta combinação entre as duas gera inúmeras e divertidas peripécias.

Este livro entra na categoria dos livros leves mas não encaremos isso como uma crítica. É bom ir intercalando livros mais densos com livros mais leves para contrabalançar as leituras.

Neste livro, o envelhecimento activo acaba por ser um dos pontos fulcrais da história. O desenrolar do livro acaba por ser previsível mas não deixou de ser uma experiência agradável. 

"Não é que me sinta envergonhada por estar à procura de um novo amor. Mas os jovens têm tendência para achar engraçadas as pessoas mais velhas que ainda pensam no amor. Não é por maldade  fazem-no sem pensar."