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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Parabéns, JLP

Charneca em flor, 04.09.16

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Hoje é o dia de aniversário de um dos escritores mais brilhantes da sua geração e o meu preferido. Já li quase tudo o que José Luís Peixoto escreveu e não perco as suas crónicas nas várias publicações em que participa. Quando ando de avião pela TAP e pego na revista UP vou logo à procura da crónica dele. Adoro aquilo que ele faz com as palavras desta nossa pátria que é a Língua Portuguesa. Por isso não podia deixar de assinalar os seus 42 anos. Muitos parabéns e que continue a encontrar sempre bons motivos para escrever e histórias para contar. 

 

o tempo subitamente solto

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,

como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,

mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.

eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,

que eu amava quando imaginava que amava.

era a tua a tua voz que dizia as palavras da vida.

era o teu rosto. era a tua pele. antes de te conhecer,

existias nas árvores e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.

muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

 

"Em teu Ventre", de José Luís Peixoto

Charneca em flor, 03.01.16

em teu ventre

No último Natal recebi mais um livro, para além dos que já mencionei aqui, "Em teu ventre" de José Luís Peixoto. Veio de quem eu menos esperava porque é preciso conhecer-me bem para saber que eu sou fã incondicional de José Luís Peixoto. Foi amor literário ao primeiro "Livro". Gosto dos livros e da pessoa, uma simpatia no contacto com os leitores, estrela das sessões de autógrafos da Feira do Livro. Temos referências em comum já que nascemos no mesmo ano e temos raízes alentejanas de terras muito próximas. 

Apesar de ter lido quase todos os livros dele com prazer, este tocou-me de maneira especial. Primeiro que tudo porque fala, de maneira sublime, dos acontecimentos de 1917 que deram origem ao que hoje conhecemos como Santuário de Fátima. Este local faz parte da minha história de vida, vivi lá momentos extraordinários que influenciaram de maneira indelével a pessoa que sou hoje. Depois porque JLP escolheu uma abordagem diferente do que é habitual quando se fala das aparições. Mais do que descrever os acontecimentos recorrendo às personagens envolvidas, JLP centra a acção na relação entre Lúcia e a mãe. A própria maternidade é uma personagem que se nota pelo monólogo de uma mãe em paralelo com a história principal. Será uma representação da mãe do próprio autor?

Outro aspecto importante, e característico da escrita de JLP, é a descrição da vida quotidiana daquelas pessoas simples a quem calhou testemunhar os acontecimentos de Maio a Outubro de 1917. A vida de casa, o trabalho do campo, a ida à missa dominical, o respeito pela autoridade, civil e religiosa, tudo serve para compreendermos a visão de JLP em relação a este fenómeno.

Outro aliciante para ler esta pequena novela de 163 páginas é o facto de estar salpicado de frases maravilhosas em que se confunde uma prosa deliciosa com uma poesia sublime. Para mim, este é um dos livros da minha vida. A ler e a reler com calma para melhor saborear.

"TÃO FRESCA É ESTA BRISA DEPOIS DE UM DIA INTEIRO, tão leve é o seu toque nas cores por fim brandas, desnecessária a urgência por fim. Esta brisa atravessa o ar limpo, faz tremer as folhas prateadas das oliveiras, acende pontos de brilho no granito e passa pelas faces suaves de Lúcia"

"Tudo começa pela/esperança./Antes dos objectos estão os/gestos que lhes dão forma,/antes dos gestos estão/as ideias,/antex das ideias estão/as emoções,/antes das emoções estão/os sentidos,/antes dos sentidos está a existência nua,/ contemplação cega,/memória cega,/antes da existência está/a esperança."

 

Livros presentes

Charneca em flor, 23.12.15

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 As primeiras prendas já chegaram. Estes livros vieram das minhas colegas de trabalho. "A viagem do salmão" junta várias coisas que eu gosto; primeiro une a culinária às viagens e depois 2 dos 3 autores são pessoas que eu admiro muito nas respectivas áreas, José Luís Peixoto e Henrique Sá Pessoa. Com este livro acompanhamos os autores através de uma viagem por Portugal, Noruega e Japão que nos leva a descobrir as rotas do salmão. E a desvendar uma série de receitas deste saboroso peixe. O outro presente, "Pai Nosso" de Clara Ferreira Alves também nos leva, de certa forma, numa viagem. Uma viagem pelo Médio Oriente, as suas particularidades, os seus problemas, o seu confronto com a cultura ocidental. Um tema actual de uma das portuguesas que melhor conhece esta zona. Acho que estes presentes me vão proporcionar bons momentos.

"Galveias", José Luís Peixoto

Charneca em flor, 28.02.15

 

17488927_l6akw.jpgTentando cumprir a resolução de ano novo, decidi ler este livro que estava em espera há algum tempo. José Luís Peixoto é um dos meus escritores preferidos. O primeiro lvro que li dele foi o romance anterior "Livro" e a partir desse fui à procura dos outros livros. José Luís Peixoto é uma figura cativante e intrigante. Não tem a imagem típica de escritor (será que isso existe?) com as suas tatuagens e piercings. Adoro as suas entrevistas na televisão e na rádio e é uma estrela nas sessões de autógrafos. A sua presença na Feira do Livro nunca passa despercebida. É muito, muito simpático e parece gostar de conversar com os leitores o que significa esperar uma eternidade por um autógrafo. Para além dessas qualidades, é da minha geração e cresceu numa terra, Galveias, muito perto da zona onde passei muitos dos verões da minha infância. Quando leio os seus livros mais rurais identifico-me com muito do que leio. Este seu romance não só é fantástico como me transportou 30 anos atrás. Voltei a correr pelas ruas quentes do "nosso" Alentejo. Voltei a ouvir as motorizadas dos meus tios ou do meu pai ao final da tarde. Revi os rostos queimados pelo sol dos  homens e mulheres que regressavam do trabalho ao fim do dia. Na minha opiniâo, é o seu melhor romance. As personagens são maravilhosas e as histórias interligam-se com mestria. Às vezes, escreve com um certa crueza, um realismo extremo que pode ser chocante para almas mais sensíveis. Percebo a necessidade que ele teve de escrever este romance especialmente depois de ter corrido mundo, viajado por países longínquos e improváveis como a Coreia do Norte. No fundo, ele ainda é "o filho do Peixoto da serração e da Alzira Pulguinhas".

A meu ver, "Galveias" é, também, uma forma de não deixar morrer a sua terra natal, neste tempo em que o interior está cada vez mais desertificado. Por isso ele termina assim:

 

"Galveias não pode morrer.

Por todas as crianças que deixaram a infância naquelas ruas,  por todos os namoros que começaram em bailes no salão da sociedade, por todas as promessas feitas aos velhos que se sentavam à porta nos serões de agosto, por todas as mães que criaram filhos naqueles poiais, por todas as histórias comentadas no terreiro, por todos os anos de trabalho e de pó naquela terra, por todas as fotografias esmaltadas nas campas do cemitério, por todas as horas anunciadas pelo sino da igreja, contra a morte, contra a morte, contra a morte, as pessoas seguiam aquele caminho.

Suspenso, o universo contemplava Galveias."

Das Galveias para o Mundo

Charneca em flor, 12.04.12

O primeiro livro ( Livro de seu nome) li a medo. O autor até já tinha muitas obras publicadas mas eu ainda não conhecia nada dele. Fiquei mais curiosa quando li o resumo biográfico já que percebi que tinhamos a mesma idade e que ele tinha nascido no Alentejo, bem perto da zona onde também estão as minhas raízes. Comecei com um dos seus livros mais recentes mas fiquei fã, mais ainda quando, na Feira do Livro do ano passado, tive oportunidade de trocar meia dúzia de palavras com ele e de lhe pedir autográfos nos livros que acabara de comprar. Um escritor que gosta de falar com os seus leitores, de modo simples e humilde e que por isso tinha uma fila enorme de pessoas à espera que não desistiam. Do último livro, fui em busca dos outros e lá fui encontrando as mesmas memórias do Alentejo, as recordações da infância nos idos anos 80 e o talento da sua arte de brincar com as palavras e com a Língua Portuguesa.

Aqui há dias, José Luis Peixoto deu esta entrevista a António José Teixeira na SicNotícias e fiquei a conhecer mais um pouco do seu percurso, da sua história de vida, da sua pessoa... Vale a pena espreitar

Nem só de livros se fazem as minhas leituras.

Charneca em flor, 03.03.12
Há alturas em que apetece ler um livro, seguir uma história de amor ou de suspense e há outras alturas em que apetece ler uns textos mais pequenos e concisos. Nestas alturas há algumas revistas que são indispensáveis. Não me refiro às chamadas "revistas femininas" que também leio, embora já não compre nenhuma revista desse tipo há meses. Uma das minhas revistas preferidas é a "Volta ao Mundo" já que reunir duas paixões, a leitura e as viagens. Na "Volta ao Mundo" recordo locais por onde já passei ou posso descobrir novos destinos giros para futuras viagens.

Este mês, esta revista tem um novo aliciante. Trata-se de uma edição especial já que todos os textos foram escritos por um dos melhores escritores portugueses da actualidade (do qual sou fã incondicional). José Luis Peixoto fala-nos de Miami, Pequim e Moscovo e das experiências que por lá viveu. Escreve como só ele sabe, com o seu jeito especial de contar histórias, acontecimentos, em prosa e em verso. Uma edição a não perder e a guardar  religiosamente.

E, já agora, era bem giro repetir esta experiência com outros autores.

 

 

A estátua pensa em tudo o que acontece à sua volta.

Tantos gestos, tantos passos, tanto movimento

difícil de justificar. As pessoas passam, passam as

pessoas, pessoas, pessoas, passam, passam. Ninguém

sabe o que pensam as pessoas que passam. Talvez

pensem que passam, apenas. Talvez não pensem,

apenas passem. As pessoas a passar, a pensar

ou não. Gestos, passos, movimento e a estátua

no centro exato do seu próprio pensamento.

 

José Luis Peixoto in Volta ao Mundo

sobre Moscovo

"Cemitério de pianos" de José Luís Peixoto

Charneca em flor, 29.11.11

 

Venho, mais uma vez, falar de um livro de um dos melhores escritores portugueses da actualidade, José Luís Peixoto. Este "Cemitério de pianos" foi distinguido com o Prémio Cálamo Otta Mirada, como o melhor romance estrangeiro publicado em Espanha em 2007. Nas próprias palavras do autor (no autógrafo que me deu na Feira do Livro) esta é uma história "onde existe uma família infinita". Realmente este é uma história sobre as relações entre os membros de família, entre marido e mulher, pais e filhos ou entre irmãos. Uma história feita de amor mas também de violência e de momentos de solidão e de saudade. Um espaço que serve de fio condutor é o cemitério dos pianos que, mais tarde ou mais cedo, toca a vida de todas as personagens:

 

"Devagar, a claridade encheu todo o cemitério de pianos. A luz deslizou pelas superfícies de pó (...) havia pianos de todos os géneros que se ervuiam, sólidos e empilhados, quase a tocarem o tecto. Encostados às paredes, havia pianos verticais uns sobre os outros na ordem com que o meu pai, ou o seu pai antes dele, os tinha equilibrado. Ao centro, havia muros de pianos sobrepostos (...) E sobre um piano de cauda estava outro piano de cauda mais pequeno e sem pés (...) O ar fresco do cemitério de pianos entrava nos pulmões e trazia o toque húmido do pó pastoso que era a única cor: o cheiro de um tempo que todos quiseram esquecer, mas que existia ainda."

 

A escrita de José Luís Peixoto não é, de modo nenhum, linear. Para o acompanhar temos que ter um ritmo de leitura alucinante porque tão depressa estamos no presente como logo encontramos o passado com os olhos postos no futuro. O texto é tão rico que é difícil destacar uma única passagem. Um dos "momentos" tocantes é este poema que surge a dada altura:

 

"na hora de pôr a mesa éramos cinco

 o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

 

 e eu, depois, a minha irmã mais velha

 casou-se, depois, a minha irmã mais nova

 

 casou-se, depois o meu pai morreu, hoje

 na hora de pôr a mesa, somos cinco,

 

 menos a minha irmã mais velha que está

 na casa dela, menos a minha irmã mais

 

 nova que está na casa dela, menos o meu

 pai, menos a minha mãe viúva, cada um

 

 deles é um lugar vazio nessa mesa onde

 como sozinho, mas irão estar sempre aqui

 

 na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco,

 enquanto um de nós estiver vivo, seremos

 sempre cinco."

 

 

Ou então a reflexão de uma das personagens, Francisco Lázaro, enquanto corre na maratona dos Jogos Olimpícos de Estocolmo:

 

"Correr é estar absolutamente sozinho. Sei desde o ínicio:na solidão, é-me impossível fugir de mim próprio (...) enquanto corro, fico parado dentro de mim e espero. Fico finalmente à minha própria mercê"

 

Um autor a não perder de vista.

Uma tarde em cheio

Charneca em flor, 08.05.11
Ontem à tarde fui a um dos meus sítios favoritos no mês de Maio, a Feira do Livro. Esta é já a 81ª edição. Para um país onde, segundo se consta, se lê pouco é obra. Ainda não tinha atravessado a rua encontrei logo uns colegas da faculdade que não via há anos o que é sempre giro. A Feira estava a abarrotar, ainda por cima a um sábado à tarde. E não era só passeio, as pessoas estavam mesmo a comprar livros.
A Feira do Livro tem muitos incentivos para quem gosta de ler. Os preços de Feira são sempre mais baixos do que o normal. Em todos os stands há sempre o Livro do Dia que tem um desconto ainda maior. E há ainda a possibilidade e contactar com inúmeros autores e trazer um livro autografado. Ontem estavam anunciadas muitas sessões de autógrafos principalmente na Praça Leya (grupo que engloba muitas editoras). Infelizmente alguns estavam atrasados. Eu tive a sorte de estarem por lá 2 autores portugueses que comecei a ler há pouco, João Tordo e José Luís Peixoto. O problema é que eles se atrasaram um pouco e eu andei da Praça Leya para a área da Bertrand para ver quem chegava primeiro.
O João Tordo foi simpático mas não consigo ler quase nada do que ele escreveu (e se eu estou habituada a letras difíceis). Para conseguir os livros autografados do José Luís Peixoto tive que esperar quase 40 minutos. Para além do atraso e das pessoas que já lá estavam, ele conversa imenso com os leitores, é uma pessoa muito acessível, explica a história do livro que o leitor comprou, não é só assinar e andar, nota-se que ele gosta do contacto com o público. Valeu bem a pena esperar.
Agora já tenho leitura para mais uns tempos.
 
 
Post publicado em simultâneo no É possível ser feliz...

"Livro", José Luís Peixoto

Charneca em flor, 25.04.11

 

 

 

 

 

"Não tem conta as vezes que me disseram: Livro, posso ler-te? Rio-me dessa gracinha com o umbigo"

 

 

De há uns tempos para cá comecei a descobrir a literatura portuguesa mais contemporânea. Tenho lido muitos livros mas, realmente, costumo falhar nos autores portugueses, só li o meu primeiro livro do nosso Prémio Nobel há muito pouco tempo. Umdia li um artigo sobre dois autores da minha geração e, ambos, vencedores do Prémio Saramago e fiquei curiosa. Primeiro arrisquei no João Tordo e já li 2 ou 3 títulos dele.

Agora debrucei-me pela obra de José Luís Peixoto.Adquiri o "Livro" há algum tempo mas só o li agora. Dá que pensar que escritor é esse que tem a ousadia de dar o título de "Livro" a um livro seu. E a justificação para este título é tão inesperada que eu nunca adivinharia. O autor começa por descrever cenas da vida de uma aldeia do interior do país e atravessa várias épocas desde os anos 40 até aos anos 60. Algumas descrições são tão explicitas que até impressionam (até há um episódio que se tornou em mais uma razão para não comer papas de sarrabulho!). José Luís Peixoto mostra essa portugalidade já há muito esquecida e utiliza expressões e palavras deliciosas que eu já nem me lembrava que existiam.

A partir dos anos 60, a acção transfere-se para Paris já que um dos pontos centrais do "Livro" é a saga dos emigrantes portugueses por terras de França e depois também as várias vindas de férias ao país natal, as casas que constroem, os maços de notas nas mãos. Gostei muito desta parte já que corresponde à imagem que eu também tenho da emigração portuguesa dos anos 60 e seguintes. O contraste entre esta primeira parte do "Livro" e a segunda parte, bastante mais erudita, é fantástico como se a intenção fosse mostrar como as gerações foram evoluindo. Uma escrita que não é, de modo nenhum, linear e um livro que leva algum tempo a ler. É preciso ir digerindo a pouco e pouco mas gostei tanto que já estou a ler mais outro livro dele, desta feita um livro de contos com histórias, imagino eu, baseadas nas histórias de vida da sua Galveias natal.

 

"O momento de ligar a telefonia. Era uma máquina que impunha respeito. Quando se aproximavam dela, os homens metiam as mãos nos bolsos. Era impossível imaginar a quantidade de turbinas que existiam dentro daquela máquina estrangeira. Em vez de fazerem uma bomba, fizeram isto, pensava a velha Lubélia. O único homem que tocava na máquina, que a compreendia, era um indivíduo baixo, careca, que atendia ao balcão da Casa do Povo. Os seus dedos brancos, pouco sol, rodavam os botões da telefonia com uma elegância geométrica. A máquina uivava um gemido que se enfiava nos ouvidos, depois começava a rugir, depois afinava-se na voz de um locutor, a articular muito bem as palavras , a anunciar pastas de dentes, licores, e a apresentar artistas. A velha Lubélia consolava-se com o momento de ligar a telefonia. Seguia cada gesto e cada posição do homem que a ligava. À maneira de uma mulher de quase setenta anos, à sua maneira, desejava-o sexualmente."