A Casa do Monte
Primeiro andamento
A cada amanhecer, Sofia sentia-se um pouco melhor. Quando a sua amiga lhe deu a ideia de ir para aquela casa, não ofereceu grande resistência. O caminho de volta a si mesma estava, apenas, no início. Depois do divórcio, perdera-se numa depressão profunda. Fora para consolidar a recuperação que Júlia lhe sugerira passar uma temporada naquela antiga casa de férias dos seus pais.
A casa era pequena mas encantadora. Empoleirada numa elevação do terreno, tinha um jardim bem cuidado que descia até à estrada pela qual se chegava à praia. Do outro lado da estrada encontrava-se uma mata com pinheiros, medronheiros e rosmaninho entre outras árvores e arbustos. A localização cimeira proporcionava ampla vista para o mar imenso e permitia observar um maravilhoso ocaso todos os dias.
Nos primeiros dias sentia-se uma morta-viva. Quase que não se apercebia da passagem do tempo. Só se sentia bem quando estava quase a adormecer. Sabia que era impossível mas tinha a sensação de que alguém a estava a embalar. Como se a própria casa a abraçasse e a ajudasse a adormecer. Estranhamente essa sensação não a assustava, muito pelo contrário, confortava-a. Sofia precisava de renascer, de começar de novo como uma parede pintada de fresco. Aquela velhinha casa de férias e toda a paisagem circundante tinham conseguido despertá-la da letargia em que caíra meses antes mas ainda havia uma longa caminhada pela frente.
Naquela manhã sentia-se particularmente bem e com uma vontade renovada de reagir. Enquanto tomava o pequeno-almoço no jardim, reparou que passava na estrada um rapaz de bicicleta, transportando uma prancha de surf. O surfista olhou na sua direcção, sorriu e acenou. Sofia não o conhecia mas acenou de volta. Nem sabia porque é que tinha feito aquilo. De repente, percebeu que aquele rapaz passava por ali todos os dias. O seu subconsciente registara aquele mesmo cenário mas Sofia só o vira, verdadeiramente, naquela manhã. Que sensação tão estranha.
Sofia ainda não se tinha arriscado a ir até à praia porque só em casa é que se sentia protegida. Mas o dia convidava a um passeio. Quando esse pensamento lhe atravessou a mente, não hesitou e encetou o caminho até às dunas. Corria uma brisa suave transportando o aroma doce das plantas que povoavam a areia bem como o cheiro a maresia. Como ainda não era Verão, viam-se poucas pessoas por ali. As ondas eram dominadas pelos inúmeros surfistas que enfrentavam a fúria do mar. Ela não era dada a actividades desportivas , muito menos aquáticas por isso aquelas pessoas que rebolavam nas ondas inspiravam-lhe um grande respeito. Lá ao fundo havia uma figura que se destacava. Nenhuma onda lhe escapava e fazia coisas fantásticas em cima da prancha. Sofia estava maravilhada. Nunca na vida seria capaz de fazer tal coisa. O surfista talentoso encaminhou-se para a praia e, curiosamente, parecia dirigir-se na direcção do sítio onde Sofia se sentara.
- Olá. Por aqui? – disse o surfista quando estava a poucos metros de Sofia. Só nesse momento é que ela reparou numa bicicleta pousada ali perto.
(continua...)