Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Alegrias e Tristezas de Marta Friel, Meg Mason

Charneca em flor, 31.08.22

Uma vez que o podcast Livra-te tem estado de férias, as suas autoras aproveitaram para dinamizar 2 leituras conjuntas no nosso grupo no Discord. Nas leituras conjuntas, os livros são divididos em blocos e os leitores vão comentando enquanto lêem. Para mim, foi a primeira experiência nesta forma de leitura e achei muito divertido. O livro que me proponho analisar hoje,  "Alegrias e Tristezas de Marta Friel" de Meg Mason foi um deles.

IMG_20220822_085148_edit_583557621898973.jpg

Nas primeiras linhas encontramos Martha Friel, com o marido Patrick, num casamento. A partir da conversa com uma convidada a qual pergunta como Martha e Patrick se conheceram,  entramos na cabeça da protagonista para descobrirmos a vida atribulada de Martha desde a infância até à vida adulta. Martha e a irmã Ingrid, uma das personagens mais interessantes desta história, crescem com uma mãe artista, alcoólica e que parece não dar grande importância à maternidade e com um pai carinhoso mas com a particularidade de ser um poeta frustrado. A economia familiar vai-se aguentando com o apoio de familiares, nomeadamente a irmã mais velha da mãe. Quando Martha tem 17 anos, sente como se uma bolha rebentasse na sua cabeça e, partir daí, percebemos que ela sofre de algum tipo de doença psiquiátrica que não é bem diagnosticada nem tratada. Meg Mason apresenta-nos esta situação a partir do ponto de vista de Marta mas também conseguimos perceber de que modo essa patologia afecta todas as pessoas que se relacionam com Martha. Esta história leva-nos a questionar até que ponto o amor é suficiente para lidar com as pessoas que sofrem de doenças do foro mental.

Gostei muito deste livro. As doenças mentais são, muitas vezes, descuradas em relação às doenças físicas. E contra mim falo. Quantas vezes pensei que determinada pessoa estava a fingir um problema que não existia. A doença mental não é mensurável como a hipertensão ou a diabetes mas até é mais incapacitante que algumas doenças físicas. A escrita de Meg Mason é cativante, provocando-nos sentimentos contraditórios, tão depressa senti empatia por Martha como fiquei irritada com ela devido às suas atitudes que me deixavam na dúvida se tinham a ver com a patologia ou se eram características negativas do seu carácter. Esta dualidade de sentimentos foi muito bem conseguida pela autora.

A leitura deste livro foi uma lição de empatia para com quem sofre de doenças mentais.

"As pessoas normais dizem que não imaginam que seja possível sentir-se tão mal que sinceramente se queira morrer. Não tento explicar-lhes que não é que queira morrer, mas que sei que não tenho de estar viva. O cansaço é tal que amassa os ossos, é  um cansaço tingido de medo. O facto antinatural de viver é algo que, em algum momento, temos de resolver."

"Uma vez, enquanto o deitava, perguntei-lhe porque gostava tanto de ter alguma coisa na mão. Estava a agarrar a manta de flanela com que dormia.

- Não gosto.

Perguntei-lhe porque o fazia, então.

- Para não me afundar. - Olhou para mim com um ar de cansaço, como se tivesse medo de que me risse dele. - A minha mamã não saberia como me encontrar.

Disse-lhe que sabia como era não querer afundar-se. Esticou-me a manta de flanela e perguntou-me se precisava dela. Se a quisesse, dava-ma.

- Eu sei, mas não é  preciso. Obrigada. É o teu tecido maravilhoso.

Sem largar a flanela, esticou o braco com cuidado, puxou-me o cabelo até encostar a cara à  dele e sussurrou: 《Na verdade, tenho duas iguais, no caso de mudares de ideas》. Virou-se e adormeceu com os dedos da outra mão fechados em torno do meu polegar."