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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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As Longas Noites de Caxias, Ana Cristina Silva

Charneca em flor, 14.12.20

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A literatura pode ter várias funções. Há quem a utilize como forma de distracção, para estudar algum assunto, como forma de enriquecimento pessoal ou para fazer pensar. Eu incluo este livro de Ana Cristina Silva nesta última categoria. "As  Longas Noites de Caxias" é um livro perturbador e que nos põe a cabeça a funcionar. Esta obra perturba, em primeiro lugar, porque, embora seja uma obra de ficção, se baseia em factos verídicos relativamente recentes. Em segundo, faz-nos pensar que a História se pode repetir, mais cedo ou mais tarde. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte para que não seja possível perseguir alguém porque pensa de maneira diferente.

Neste livro acompanhamos o percurso individual bem como o "encontro" em Caxias de duas figuras antagónicas, uma jovem universitária presa política e uma agente da PIDE. Uma dessas personagem, a agente Leninha, foi inspirada em Madalena Oliveira, a única mulher a atingir o cargo de Chefe de Brigada. Esta mulher era, particularmente, cruel e chegou a ser julgada e condenada por crimes de violência desnecessária em 1977. A história da outra personagem, a estudante universitária Laura, podia ser a história de tantas mulheres corajosas que passaram pela prisão de Caxias e que sofreram as várias sevícias que ali foram praticadas. 

A autora articula a trama através de avanços e recuos temporais para percebermos como é que as circunstâncias da vida conduziram aquelas 2 mulheres ao momento em que as suas existências se cruzaram. A descrição das várias noites de tortura sofridas por Laura são tão reais que quase sentimos as dores que ela sentiu. Em relação a Leninha, compreendemos como é que a sua história pessoal contribuíu, em grande medida, para o seu carácter cruel e violento. Todavia, na minha opinião, isso em nada justifica a violência desmedida exercida sobre as presas políticas.

Mas ainda conseguimos encontrar outra personagem central, o medo. O medo está presente em quase todas as páginas de forma extremamente real e assustadora.

Ana Cristina Silva criou, com esta obra, uma oportunidade para que as gerações mais novas vejam o lado mais obscuro da ditadura e que compactuem com quem quer apagar, ou dissimular, a História 

Tendo em conta o progressivo aumento da extrema-direita um pouco por toda a Europa, inclusivé em Portugal, temo que estas situações se possam voltar a repetir. Aliás, até nos entram pela casa dentro, através da televisão, histórias de violência extrema e desnecessária exercida por figuras da autoridade.

Será que queremos mesmo viver num mundo assim?!

 

"O medo de não resistir à tortura. A coragem. E o tempo que se mantinha parado e que também vigiava Laura dentro da cela. Um tempo que estava suspenso e que deixava tudo em suspenso antes da tortura. Não era sem razão que os presos de Caxias se referiam à lenta queda na loucura, após semanas de isolamento."