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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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Caim, José Saramago

Charneca em flor, 15.11.22

No dia 16 de Novembro, se fosse vivo, José Saramago faria 100 anos. Nesse dia assinala-se o fim das comemorações do Centenário do único Prémio Nobel da Literatura português. Estas festividades foram o mote para a Leitura Conjunta de Saramago a que eu aderi desde a primeira hora. O Centenário já passou mas vamos continuar a ler os seus livros até ao fim do ano, pelo menos.

Em Outubro, o livro escolhido foi "Caim".

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O posicionamento de José Saramago perante a religião, nomeadamente a Igreja Católica, é conhecido. Na altura do seu lançamento, o livro e o seu autor foram alvos de inúmeras críticas do sector religioso, não só pelo conteúdo do livro, como também pelos comentários que José Saramago foi fazendo durante a divulgação deste romance.

Neste livro José Saramago parte da história de Caim, assassino do seu irmão Abel. O autor começa por redimir Caim ao apontar um autor moral do crime hediondo e continua analisando alguns dos acontecimentos mais violentos e sangrentos da Bíblia.

Uma das críticas que foram feitas a este livro foi a leitura literal da Bíblia utilizada por José Saramago no desenvolvimento da sua história. Confesso que isso também foi algo que me incomodou pela minha vivência religiosa e pela minha antiga ligação a grupos bíblicos. Não é a mesma coisa olhar para o Antigo Testamento com o intelecto ou com a fé. No entanto,  e tendo em conta que "Caim" é um romance de ficção, a criatividade do autor partiu da Bíblia mas ele era livre para seguir o caminho que bem entendesse.

Por outro lado, há algo de muito importante que retirei desta leitura e nem sei se era essa a intenção do autor. Refiro-me ao facto da maldade dos homens se justificar como sendo vontade de Deus. Ao longo da História, há inúmeros exemplos de atitudes humanas fundamentadas, erradamente do meu ponto de vista, na hipotética vontade de Deus. Quantos dos acontecimentos retratados no Antigo Testamento, sejam verídicos ou não, terão sido responsabilidade humana e não divina?

No encontro virtual para discussão do livro, uma das participantes perguntou se tínhamos gostado do livro. E eu não fui capaz de responder. Já terminei a leitura há 3 semanas e continuo sem ter uma opinião concreta. Não detestei mas também não adorei. "Caim" tem o dom de nos provocar questões nas quais não pensamos com frequência. A fina ironia tão característica de José Saramago está presente e ainda me fez rir algumas vezes. No entanto, não gostei da misturada de eventos bíblicos que o autor construiu neste pequeno livro. Parece que "abanou" a Bíblia e as histórias ficaram todas misturadas. Não sei como é que alguém que não conheça nada sobre a Bíblia compreenderá este livro.

"A eva e adão ainda restava a possibilidade de gerarem um filho para compensar a perda do assassinado, mas bem triste há-de ser a gente sem outra finalidade na vida que a de fazer filhos sem saber porquê nem para quê. Para continuar a espécie, dizem aqueles que crêem num objectivo final, numa razão última, embora não tenham nenhuma ideia sobre quais sejam e que nunca se perguntaram em nome de quê terá a espécie de continuar como se fosse ela a única e derradeira esperança do universo. Ao matar abel por não poder matar o senhor, caim deu já a sua resposta. Não se augure nada bom da vida futura deste homem."