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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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Desafio Arte e Inspiração 2.0, semana #4

Campo de Papoilas, Claude Monet

Charneca em flor, 12.10.22

Anabela sentiu-se dominada pela emoção quando abriu a porta. Aquela casa tinha sido testemunha de alguns dos melhores momentos da sua infância e adolescência. Ali tinha morado a sua tia-avó , Sofia, a irmã mais velha da sua avó materna.

Sofia vivera de forma muito diferente daquilo que era habitual na sua geração. Nunca fizera aquilo que era esperado de uma mulher. Não casara, não tivera filhos e tivera sucesso numa profissão muito pouco feminina. Apesar de ter tido uma vida muito preenchida, Sofia era muito dedicada à família, amara profundamente todos os seus sobrinhos mas a ligação com Anabela era muito especial. Sofia tinha acabado de se reformar quando Anabela nasceu e acabou por ser uma grande ajuda para a jovem mãe. A proximidade entre tia-avó e sobrinha, nos primeiros tempos de vida, tinha forjado a relação privilegiada entre ambas. A casa da tia Sofia era o refúgio preferido de Anabela. Adorava explorar as centenas de livros que a tia possuía ou a ouvi-la contar as peripécias das inúmeras viagens.

No testamento, Sofia deixado a casa à sobrinha-neta bem como todo o recheio.Embora Anabela não desejasse alienar a herança da tia, a conjectura económica estava a dificultar a manutenção da casa. Ela achava que, ao vender a casa da tia Sofia, estava a destruir as suas melhores lembranças. Por outro lado, deixar que a casa se deteriorasse também não era uma boa forma de honrar a sua memória. Anabela acabara por decidir deixar que outros construíssem novas memórias felizes por ali. Só que retirar os objectos pessoais da tia não era uma tarefa nada fácil.

- Mãe, olha que giro. – Florbela, a filha adolescente de Anabela, tinha-se oferecido para a acompanhar. Aquela casa, repleta de objectos fantásticos, fascinava-a. Infelizmente, Florbela não tinha privado muito com a idosa porque, nos últimos anos, a demência tinha roubado a consciência daquela mulher tão especial.

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Nas mãos de Florbela estava uma caixa com ar envelhecido exibindo uma reprodução de um quadro do pintor preferido da tia Sofia. Algumas lágrimas afloraram aos olhos de Anabela. A filha encontrara um puzzle que fora comprado em Paris, no Museu d' Orsay. Quando fizera 15 anos, a tia, já com uma ligeira demência, insistira que era preferível oferecer experiências em vez de objectos. Assim o seu presente de aniversário fora uma viagem a Paris. “Campo de papoilas", de Claude Monet, tinha sido um dos quadros que tinham visto ao vivo e a tia não resistira a comprar aquele puzzle. Uns dias depois do regresso, a tia espalhara as peças em cima da mesa de jantar e começara a tentar construir o puzzle. Anabela prometera ajudar mas o fulgor da juventude levara-a a adiar várias vezes as visitas à tia. O puzzle nunca tinha sido terminado apesar de ter estado mais de um ano em cima da mesa de jantar. Alguém acabara por o arrumar até aparecer nas mãos de Florbela.

A jovem adorava aquele tipo de actividades. A mesa da sala de jantar voltou a servir de suporte às peças recortadas. Anabela sorriu quando viu a concentração com que a filha se debruçava sobre a mesa.

Quer mãe quer a filha embrenharam-se de tal forma nas tarefas que desempenhavam que não deram pelas horas passarem. Anoitecia quando Florbela chamou pela mãe:

- Consegui, consegui. Mãe, consegui.

Onde antes reinava a confusão, surgira a imagem de um dos mais belos quadros de Monet. Anabela ficava sempre impressionada com a facilidade e rapidez com que a filha fazia puzzles por maiores ou mais complicados que fossem.

- Só falta uma peça. Queres ser tu a colocar a última? – sugeriu Florbela.

- Pode ser. Deixa cá ver.

Assim, anos depois, o “Campo de Papoilas" estava, finalmente, completo. Pela janela entreaberta, entrou uma brisa morna mas ligeira. Anabela olhou na direcção da janela e pareceu-lhe vislumbrar o rosto sorridente da sua velha tia.

 

Este texto foi escrito no âmbito do Desafio de escrita Desafio de Escrita Desafio Arte e Inspiração V2.0 lançado pela querida e inexcedível Fátima Bento e no qual participam, para além da Fátima e desta que vos escreve, os seguintes brilhantes autores: Ana D.Ana de DeusAna Mestrebii yueCéliaCharneca Em FlorCristina AveiroImsilvaJoão-Afonso Machado, o José da XãMaria AraújoOlga.

 

Já agora, aproveito para contar que tenho, efectivamente, um puzzle com este quadro que nunca terminei. Um dia, a minha manicura estava a contar-me que a filha de 15/16 adorava fazer puzzles. Fiquei surpreendida porque não estava à espera que uma miúda dessa idade ligasse a estas actividades. Assim dei-lhe o puzzle e ela fê-lo numa tarde. Mais tarde, devolveram-me o puzzle e acabei por emoldurá-lo. Assim, no meu escritório, tenho um Monet e um Munch.

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