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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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Desafio Arte e Inspiração #2

Junto ao cipreste

Charneca em flor, 22.09.21

Do alto da janela do meu quarto, observo o céu estrelado. No ar nocturno sente-se o aroma a fim de Verão salpicado com o cheiro do alecrim e da alfazema que crescem ali pela serra. Aqui, neste velho palacete, aumenta em mim a esperança de me conseguir reencontrar e voltar a sentir-me viva e inteira.

O que me trouxe até aqui foi, apenas e só, a minha vontade. As minhas deambulações pela internet conduziram-me a este sítio, a esta pequena cidade do sul de França que antevejo da minha janela. O edifício onde estou é antigo e um pouco sinistro. O meu quarto fica numa das torres por isso usufruo de um panorama desafogado da cidade. Todas as noites, antes de me deitar, fico aqui a apreciar esta vista maravilhosa. Gosto de ver as casas da cidade e imaginar como será a vida de quem lá vive. Gostava de me perder naquelas ruelas. Por enquanto, não passa de um projecto porque não me deixam sair daqui. O único contacto com o exterior é quando estico os braços e toco no cipreste, com a ponta dos dedos.
Lá em baixo, o sino do campanário começa a tocar as doze badaladas que assinalam a meia-noite. Já devia estar deitada há muito. Os horários deste hospício onde me encontro são muito rígidos. Daqui a poucas horas, eu e outros como eu teremos que percorrer os corredores para participar nas actividades que farão de nós pessoas mais normais e menos loucas.

Pouco depois de me deitar, sinto que alguém me toca suavemente nos ombros. Ouço alguém falar com alguma urgência mas não é a minha língua materna que oiço. Abro os olhos sem compreender o que se passa nem onde estou. Vários rostos fixam-me com ar preocupado e estupefacto. Começo a perceber o que me diz a pessoa que me acordou. Acho que é um segurança pela roupa que veste:

- Minha senhora, sente-se bem? – o homem fala em inglês. Eu entendo mas não consigo raciocinar o suficiente para lhe responder. Assim sorrio e aceno com a cabeça.

As outras pessoas desinteressam-se de mim e começam a afastar-se. Alguém me pergunta:

- És portuguesa, não és? Precisas de ajuda? – é uma mulher que fala.

- Sim, sou portuguesa. Como sabes?

A mulher diz algo ao segurança que se desvia ligeiramente.

- Há pouco, ouvi-te murmurar e pareceu-me português .

- O que é que aconteceu? Onde estou?

- Estás no MoMa*, em Nova Iorque. Quando cheguei, já estavas deitada nesse banco e parecias adormecida. Pelo que percebi, viram-te como ar de quem estava em transe a olhar para um quadro. Até derrubaste as barreiras de protecção e tocaste no quadro a ponto de disparar os alarmes. Nesse momento, vieste deitar-te no banco. Os turistas que andavam por aqui disseram que parecias sonâmbula. Estás sozinha? Será melhor chamarmos os paramédicos?

- E que quadro era?

- Aquele, o “Starry Night" do Van Gogh.

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A minha patrícia atenciosa afasta-se e ajuda-me a sentar no banco. Diante de mim, vejo a paisagem que se via do meu quarto no hospício soberbamente pintada pela mestria de Vincent Van Gogh. Eu estive dentro de um quadro de Van Gogh. Não, não digam que foi um sonho. Eu estive mesmo naquele hospício. Ainda sinto o aroma do alecrim e da alfazema nas minhas narinas e na ponta dos dedos guardo a sensação de tocar nos ramos do cipreste. Estarei tão louca como o pintor holandês do séc. XIX? Ou serei uma reencarnação? Instintivamente levo a mão à minha orelha esquerda.

*Museu de Arte Moderna de Nova Iorque

Quem terá escolhido este quadro? Talvez a Fátima Bento.

 

Este texto é a minha participação no Desafio Arte e Inspiração lançado pelo blogue Porque Eu Posso e conta com a participação de Ana de DeusAna Mestrebii yue, CéliaCristina Aveiro, Fátima BentoGorduchitaImsilvaJoão-Afonso MachadoJosé da XãJorge OrvélioLuísa De SousaMariaMaria AraújoMarquesaMiaMartaOlgaPeixe FritoSam ao LuarSetePartidas

 

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