Desafio Arte e Inspiração #3
Desespero ao entardecer
O entardecer incendiava o céu. Junto à amurada da ponte, Gonçalo seguia com o olhar o curso revolto do rio. Naquela zona, o rio era bastante profundo escurecendo as suas águas. Mesmo assim, a escuridão das águas não se comparava ao negrume que sentia dentro dele. Não sabia que rumo dar à sua vida. Não conseguia conceber como seria o seu futuro, a sua única certeza era a infelicidade que sentia. Ele construíra uma vida mas, no seu íntimo, tinha a consciência que vivia há muito numa mentira. Só que não estava preparado para enfrentar o olhar reprovador dos outros. Ninguém o ia compreender. A única solução que via diante de si passava debaixo daquela ponte. Só precisava de um empurrão de coragem para conseguir ultrapassar aquele obstáculo e perder-se, para sempre, na fundura das águas.
Com força, fincava os dedos no parapeito antigo. Só precisava de mais esforço para seguir o seu destino.
- Atira-te. Não hesites tanto. – a seu lado, alguém cochichava. Não tinha reparado em ninguém ali perto. A pouca distância, viu um vulto. Não percebeu bem de quem se tratava, parecia uma senhora idosa e curvada.
- O que disse?
- Oh, filho, disse para te atirares à água. Tenho mais que fazer, não posso estar aqui o dia todo.
- Mas quem é a senhora? Como é que sabe que eu estava a pensar atirar-me ao rio? Eu nunca partilhei os meus pensamentos em voz alta. – Gonçalo estava atónito.
- Eu sei tudo. Conheço-te ao mais ínfimo pormenor até aos teus pensamentos mais escondidos. Eu sou… eu sou a Senhora da Morte. Estou aqui para te acompanhar na tua passagem.
- Mas veio aqui para me empurrar?! É que eu não tenho assim tanta certeza de que o caminho é este.
- O caminho é para baixo e despacha-te que eu tenho coisas a fazer e sítios para ir. Queres ajuda?
A idosa aproximou-se perigosamente e ele sentiu o frio que emanava da criatura.
- Não, não faças isso. Eu não sei viver sem ti – uma voz familiar gritava ao início da ponte. Era ele, a razão do seu desespero, o homem que ele amava. Quase desde a infância que ele sabia que nunca seria um homem como os outros. Ele sentia-se atraído por outros homens mas a sua família nunca iria aceitar. Para agradar aos seus, ele tinha casamento marcado para dali a uns dias mas sabia que não era justo para a sua noiva. A Margarida era uma grande amiga mas não a amava. Ali, correndo na sua direcção, estava o seu verdadeiro amor, Manel.
Manel abraçou-se a Gonçalo. As lágrimas corriam pelo rosto de ambos.
- Gonçalo, a solução não é esta. Eu estou contigo e não te vou abandonar. Juntos vamos conseguir com lidar com a tua família.
Lentamente, Manel afastou Gonçalo do parapeito da ponte. Unidos, como nunca tinham estado, e lado a lado, afastam-se em direcção ao futuro.
Gonçalo, ainda, olhou para trás para ver se a Senhora da Morte continuava por lá. No meio da névoa, pareceu-lhe ver uma sombra que se desvanecia-se.
Desta vez, a Senhora da Morte não levou a melhor.
Mais uma semana do Desafio Arte e Inspiração. O quadro que nos serviu dr inspiração foi "O Grito" de Edvard Munch.
Quem o terá escolhido?
No desafio Arte e Inspiração, participam Ana de Deus, Ana Mestre, bii yue, Bruno Everdosa, Célia, Cristina Aveiro, Gorduchita, Fátima Bento, Imsilva, João-Afonso Machado, José da Xã, Jorge Orvélio, Luísa De Sousa, Maria Araújo, Marquesa, Mia, Olga, Peixe Frito, Sam ao Luar, SetePartidas