Desafio Arte e Inspiração #5
Esqueleto no quarto
O ano de 1966 ficou marcado na vida daquela família. Depois de um trabalho de parto de várias horas, nasceu Frederica. O dia 6 do 6º mês começara há, apenas, 6 minutos quando se ouviu o choro inconfundível de uma criança acabada de nascer.
A velha parteira, que ajudava bebés a nascer há 60 anos, pousou a pequena criatura nos braços da mãe dizendo:
- É uma menina especial. O momento do nascimento ficou marcado por um número mágico. – a anciã referia-se à coincidência do número 6 no momento do nascimento.
A mãe, exausta, nem percebia bem o que dizia a parteira mas fez um esforço para sorrir. Aquela filha tinha sido muito desejada mas o cansaço acumulado dominava-a. Agora que tinha a filha nos braços e que a via tão perfeita, o corpo pedia-lhe que fechasse os olhos e dormisse.
Toda a família se deixou encantar por aquele ser tão pequenino. Desde o primeiro minuto, Frederica tornou-se no centro do pequeno universo formado pelas grossas paredes da casa. No entanto, nem tudo ia bem. Durante o dia, era um bebé tranquilo mas, quando caía a noite, a pobre criança chorava desalmadamente. Ninguém conseguia acalmá-la. Durante todas as horas da noite, havia sempre alguém com ela ao colo mas o pranto não parava.
A família não poupou recursos e procurou os melhores especialistas mas não se conseguia descobrir qual era o problema. Desesperada, a mãe levou-a ao padre da aldeia vizinha, conhecido por ser exorcista. Na presença daquele santo homem, a menina chorava e ria ao mesmo tempo, de maneira assustadora. O sacerdote não hesitou e exorcizou a menina.
A visita ao padre teve efeitos durante alguns dias mas, rapidamente, o choro nocturno voltou a ouvir-se por toda a casa e redondezas.
Até que um dia apareceu por ali uma estranha personagem. A mulher era muito idosa e estava vestida pobremente. Os cabelos e as unhas pareciam muitos sujos e o rosto era dominada por uma verruga gigantesca donde saíam compridos pêlos. O feitor encontrara-a à beira do caminho onde pedia ajuda. O homem era dono de um coração bondoso e, como o monte tinha algumas casas vazias, ofereceu-lhe guarida.
O choro nocturno ouvia-se até às casas do monte. Todas as noites, a velha sentava-se à porta hipnotizada com aquele som. Durante o dia começou a espalhar, pelos vizinhos, que conseguia ajudar a menina.
Não tardou que tal assunto chegasse aos ouvidos da mãe da criança e numa manhã pegou em Frederica e foi procurar a tal velha.
Quando viu a estranha mulher, ficou assustada mas não teve coragem para voltar para trás.
- Ainda bem que vieste, minha filha. Sei que em tua cass têm sofrido muito mas eu vou ajudar-te. Deixa-me pegar na tua menina.
A velha pegou na criança e sentou-a no colo. Fixou o seu estranho olhar na criança. De repente, revirou os olhos e ficou estática durante um bom bocado. De início, Frederica ainda choramingou mas depois começou a olhar para a velha com interesse. A mulher balbuciou qualquer coisa que ninguém percebeu.
A estranha voltou-se para a mãe de Frederica:
- A tua filha nasceu de noite, não foi? Ela foi marcada pela lua. Desde o dia em que nasceu que há 6 espíritos que a atormentam todas as noites.
As lágrimas corriam pelo rosto da mãe de Frederica. Agora é que estava apavorada.
- E não há nada a fazer?
- A única solução é apelar à ajuda de uma antepassada da Frederica. No jazigo mais antigo do cemitério, têm que procurar o caixão da tataravó. O nome é Madalena Carmem. Quando abrirem o esquifo, vão descobrir que, apesar dela ter morrido há mais de 150 anos, o esqueleto está intacto. A menina tem que dormir na companhia do esqueleto. A presença da tararavó afastará todos os outros espíritos e vai protegê-la para toda a vida.
A velha mulher calou-se enquanto a mãe levava Frederica pela mão. Ia um pouco desalentada porque não sabia como é que ia convencer a família a pôr um esqueleto no quarto da menina.
Obviamente que a ideia não foi muito bem aceite mas tanto insistiu que o marido moveu influências e, por portas e travessas, lá conseguiu o esqueleto da tataravó.
Desde a primeira noite em que teve o esqueleto por companhia que Frederica dormiu perfeitamente. Nunca mais deixou de dividir o quarto com a tataravó. Os outros espíritos mantiveram-se bem afastados e isso é que era importante.
El sueño, Frida Kahlo (1940)
A velha? Assim que o esqueleto chegou, ela desapareceu sem deixar rasto.
No desafio Arte e Inspiração, participam Ana D., Ana de Deus, Ana Mestre, bii yue, Bruno Everdosa, Célia, Cristina Aveiro, Fátima Bento, Imsilva, João-Afonso Machado, José da Xã, Luísa De Sousa, Maria, Maria Araújo, Mia, Olga, Peixe Frito, Sam ao Luar, SetePartidas