Desafio Arte e Inspiração #6
Alentejo do meu coração
O automóvel rolava, suavemente, pela estrada que eu conhecia tão bem. Sem razão aparente, sentia-me um pouco ansiosa. Pensando bem, aquela reacção era-me familiar. A expectativa de voltar aos meus lugares causava-me, sempre, alguma perturbação.
Sem nunca deixar de estar atenta à condução, comecei a reparar que a paisagem que ladeava a via se ia alterando. Os tons tornavam-se, progressivamente, mais dourados. E, finalmente, vi a placa que indicava o início do meu Alentejo. Avistar aquele marco fazia-me respirar doutra forma. A partir dali, sentia-me em casa.
Não nasci no Alentejo mas é onde se encontram as minhas raízes. Os meus pais migraram para os arredores de Lisboa no início dos anos 70, acompanhando o movimento do interior para o litoral. Assim eu cresci, maioritariamente, longe do Alentejo mas os meus pais mantiveram uma relação muito estreita com a família que por lá ficou. Sempre que possível rumavam ao torrão natal. Desde cedo que percebi que o Alentejo era a minha verdadeira casa. Talvez isso se tenha devido à minha maneira de ser mas nunca senti a terra onde cresci como a minha terra natal. Foi no regaço da minha avó que construí as minhas memórias mais felizes. Ao contrário dos meus amigos da ciddade, eu sempre soube de onde vêm os ovos ou a diferença entre um sobreiro e uma oliveira. Durante toda a infância e adolescência, férias escolares rimavam com Alentejo. Nesses momentos, os dias corriam velozes e eu terminava-os suja mas extremamente feliz. Os meus brinquedos eram a terra, as folhas e os galhos. Os meus companheiros tanto podiam ser cães, gatos, porcos, cabras mas também os outros miúdos da terra. A maioria dos meus amigos das férias eram, mesmo, alentejanitos mas também um ou outro miúdo da cidade.
Na adolescência, o cenário foi-se alterando. Os jovens da cidade já não apareciam tantas vezes e alguns adolescentes da terra também desapareceram. O trabalho começou a escassear por ali e as famílias que tinham resistido aos primeiros movimentos migratórios acabaram por se verem obrigadas a procurar outras paragens com mais oportunidades. Os velhos ficaram e eu continuei a ser das poucas adolescentes que continuava a preferir passar ali o Verão do que numa qualquer praia lotada do Algarve.
Depois de a minha avó falecer, foram poucas as vezes que voltei ao Alentejo. As recordações eram muito dolorosas e não soube lidar com elas. Só eu sei a falta que a minha avó me faz. O seu amor ainda me aquece o coração.
A seguir à última curva da estrada, a aldeia surgiu encavalitada num monte. Chegada à casa da minha avó, senti o coração apertado como era habitual desde que ela partira. A sua ausência ocupava todas as divisões mas ao mesmo tempo cada canto despoletava em mim recordações muito felizes.
Sobreiro, El Rei D. Carlos de Bragança, 1905
Olhei para o relógio e reparei que se aproximava a hora do evento que me levara a regressar ali. Com o coração aos saltos, encaminhei-me para o montado contíguo ao quintal da minha avó. As árvores já não eram bem iguais às que viviam na minha memória, os anos não passavam só pelas pessoas. De repente, lá estava ele, o quercus mais antigo da região. Por momentos, voltei a ser uma adolescente tímida e apaixonada. Ali, encostada ao seu tronco poderoso, aconteceu o meu primeiro beijo. E, à minha espera, estava o protagonista da minha mais bela história de amor. Os 30 anos que passaram apagaram-se num ápice quando o nosso olhar se cruzou. As nossas conversas, pela noite fora, no Messanger já tinham reacendido a chama da paixão. No momento do reencontro, as emoções inundaram-nos em catadupa e o sobreiro grande voltou a ser a testemunha silenciosa dos nossos beijos apaixonados.
No desafio Arte e Inspiração, participam Ana D., Ana de Deus, Ana Mestre, bii yue, Bruno Everdosa, Célia, Cristina Aveiro, Fátima Bento, Imsilva, João-Afonso Machado, José da Xã, Luísa De Sousa, Maria, Maria Araújo, Mia, Olga, Peixe Frito, Sam ao Luar, SetePartidas