Desafio Arte e Inspiração #8
A sedutora
Ilustração de Moda, Almada Negreiros
Quando a via passar, Bento ficava completamente transtornado. Aquela mulher era magnética. A altivez e a elegância com que ela caminhava conferia-lhe uma certa nobreza. Não se pense que ele a vigiava. Apenas se dava a estranha coincidência de ele sair de casa precisamente à mesma hora a que ela passava à sua porta. Todos os dias. Mantendo uma certa distância, ele acompanhava-lhe os passos sentindo o halo de perfume que ela deixava à sua passagem.
Bento era um homem tímido, muito diferente dos homens da sua geração.
Naquela época, era suposto que o homem fosse o sedutor e que a mulher fosse recatada. Pelo menos, aparentemente. Na verdade, uma mulher inteligente era perfeitamente capaz de ser ela a sedutora mas fazendo com que o homem acreditasse nas suas qualidades irresistíveis de galanteio.
Conceição Felicidade era, sem dúvida, uma mulher inteligente e já percebera que aquele desconhecido se perturbava com a sua presença. Há muito que reparava nele e na maneira como a olhava quando se cruzavam. Na verdade, o seu aspecto e porte também lhe tinham chamado a atenção. Só ainda não descobrira como havia de chegar à fala com aquele homem sem o assustar nem parecer uma oferecida. O equilíbrio era muito ténue. Por mais que se vivessem os loucos anos 20 por essa Europa fora, Portugal continuava a ser um país retrógrado. Algumas atitudes nunca seriam bem vistas numa mulher séria. Ela ansiava que aquele homem lhe dirigisse a palavra porque ela teria todo o prazer em retribuir-lhe essa atenção. No entanto, a situação já se arrastava há semanas e Conceição Felicidade queria confirmar se aquele homem estava mesmo interessado. De repente, fez-se luz na sua mente.
Sem perceber bem de que se tratava, Bento reparou que a sua musa deixara cair algo. O homem estugou o passo. Abandonada no passeio, jazia uma singela luva amarela. Aquela era a oportunidade que Bento precisava. A luva pertencia àquela bela mulher e fora isso que ele vira cair. Bento andou ainda mais depressa de modo a conseguir alcançá-la.
Conceição Felicidade olhou para trás, o mais disfarçadamente que conseguiu, e viu que ele mordera o isco. Percebendo que ele começara a andar mais depressa, ela parou diante de uma montra para lhe facilitar a tarefa.
- Minha Senhora, peço desculpa mas penso que isto lhe pertence.
Fingindo-se sobressaltada, Conceição Felicidade virou-se para o encarar.
- Oh, perdão. Não queria assustá-la. Acho que deixou cair a sua luva.
Conceição Felicidade sorriu-lhe, corando de forma encantadora. Aceitando a luva, deixou que os dedos de ambos se tocassem provocando-lhes um arrepio electrizante.
- Muito obrigada, não me tinha apercebido de que a tinha perdido. – disse ela enquanto o olhava nos olhos de modo fugaz.
Bento, espezinhando a sua timidez e percebendo tinha que aproveitar aquela oportunidade única, arriscou num convite:
- Posso oferecer-lhe alguma coisa para compensar o susto que lhe provoquei? Aqui ao lado há uma casa de chá muito agradável.
Conceição Felicidade já não tinha dúvidas de que estava no bom caminho. Apoiando-se no braço que ele lhe oferecia, ela preparou-se para concluir, com sucesso, a ardilosa tarefa de o cativar.
Neste desafio de inspiração artística, participam estes criativos Ana D., Ana de Deus, Ana Mestre, bii yue, Bruno Everdosa, Célia, Cristina Aveiro, Fátima Bento, Imsilva, João-Afonso Machado, José da Xã, Luísa De Sousa, Maria, Maria Araújo, Mia, Olga, Peixe Frito, Sam ao Luar, SetePartidas