Desafio Arte e Inspiração V2.0, semana #2
Young Mother Sewing, Mary Cassatt
A mãe, de quem Francisca sempre fora muito próxima, não achara graça nenhuma à sua decisão de ir sozinha naquela viagem a Nova Iorque mas não a conseguira demover. Já a sua idosa, mas lúcida, avó tinha-a incentivado. Apesar dos seus 98 anos, a avó Maria Francisca conservava o brilho no olhar e o espírito aventureiro pelo qual norteara a sua vida. Maria Francisca vivia cada conquista da neta como se fosse sua. Afinal, antes de casar e ser mãe, também fizera uma viagem solitária até França da qual só falava de forma muito superficial guardando, religiosamente, os pormenores para si.
Francisca estava delirante por estar ali. Afinal, Nova Iorque era uma cidade mágica. Percorrer aquelas ruas proporcionava uma estranha sensação. Ao virar de cada esquina, mais do que descobrir uma nova cidade, recordava-se tudo aquilo que já vivemos em frente a uma tela de cinema ou a um ecrã de televisão.
Naquela tarde, Francisca deambulava pelas salas do Metropolitan Museau of Art. Ela estava genuinamente impressionada com a colecção do museu. Nem queria acreditar que estava tão perto daqueles quadros. De repente, imobilizou-se em frente a uma obra ternurenta e encantadora. Mas não foi a beleza do quadro que a espantou. Francisca reconheceu o rosto infantil que a fitava. Era o seu próprio rosto quando tinha 5 ou 6 anos. Só que ela não se lembrava de ter posado para um quadro e a outra figura feminina também não era ninguém que ela conhecesse. De qualquer forma, a obra datava de 1900 por isso não podia ser ela. Afinal, só nascera em 1989. Mesmo a sua avó, de 98 anos, nascera no início dos anos 20. Quem seria aquela criança? A imagem perturbou Francisca de tal maneira que ela deu a visita por terminada mas não saiu de lá sem comprar uma reprodução do quadro, “Young Mother Sewing".
Nos dias seguintes , Francisca empreendeu numa investigação sobre aquele quadro descobrindo que a autora, a americana Mary Cassatt, vivera grande parte da sua vida em França onde desenvolveu a sua arte. A maioria da sua obra debruçou-se, precisamente, sobre as relações entre mães e filhos. O “Young Mother Sewing" foi executado em França por isso Francisca presumia que a mulher e a criança retratadas fossem francesas.
No regresso, Francisca foi visitar a mãe e a avó levando a reprodução debaixo do braço. Depois de muitos beijos e abraços, ela entregou o embrulho à avó:
- Olha, vó, vê só o que encontrei num museu.
A jovem não estava preparada para a emoção que viu surgir no rosto da sua avó quando abriu o embrulho. As lágrimas percorriam o seu rosto enrugado enquanto chorava compulsivamente. Tanto Francisca como a mãe ficaram aflitas sem perceber o que se passava. Finalmente, a avó lá se foi acalmando e perguntou:
- Onde encontraste isto, minha querida?
Francisca contou tudo desde o momento em que se reconheceu naquele quadro até ao que tinha apurado sobre as circunstâncias que o rodeavam:
- Fiquei muito curiosa quando percebi que esta criança era igualzinha a mim. Como é possível que uma criança francesa, que nasceu no séc. XIX, seja tão parecida comigo?
A avó sorriu tristemente:
- Eu sei quem é essa criança.
Perante os semblantes estupefactos de Francisca e da mãe, a avó afirmou:
- É a minha mãe, Françoise.
- Como? A tua mãe era a avó Celestina. Não era?! – Carlota, a mãe de Francisca, estava muito confusa.
- A avó Celestina criou-me e amou-me como uma filha mas a minha verdadeira mãe era francesa. O meu pai conheceu-a quando esteve em França na Grande Guerra. Ele ficou muito ferido na Batalha de La Lys e foi acolhido pela família de Françoise. Os dois acabaram por se apaixonar e casar. O meu pai trouxe Françoise para cá quando regressou à aldeia. Ela ficou grávida e eu nasci. Só que a minha mãe Françoise nunca se adaptou a Portugal e acabou por nos abandonar, a mim e ao meu pai. Anos mais tarde, ele conseguiu a anulação do casamento para poder desposar a minha mãe Celestina. Eu sempre soube que ela não era a minha verdadeira mãe. Por mais amor que a Celestina me desse, eu sentia sempre um vazio. Apesar do meu pai não concordar, eu comecei a trabalhar muito cedo e juntei todo o dinheiro que consegui. Um dia resolvi partir para França, enfrentando muitas dificuldades, para a ir conhecer.
A avó parou para ganhar fôlego. Carlota e Francisca olhavam-na com ansiedade.
- O meu pai tinha guardado algumas informações sobre Françoise e a família. Sem ele dar conta, eu levei tudo isso comigo e consegui descobrir a minha mãe. Não foi um encontro fácil, afinal ela tinha-me abandonado mas eu acabei por compreender os seus motivos. Quando me vim embora, ela deu-me um esboço desse quadro que lhe tinha sido oferecido pela autora como forma de agradecimento pela paciência que tivera para posar para ela, ainda criança. Tu sempre eras muito parecida com ela, Francisca.
Naquele momento, as lágrimas bailavam no rosto das 3 mulheres.
- Mas porque é que nunca nos contou nada? – indagou Carlota.
- Primeiro que tudo, e enquanto foram vivos, por respeito ao meu pai e à minha mãe Celestina. Depois por amor e respeito ao teu pai, Carlota.
- Ao meu pai? Mas o que é que ele tem a ver com esta história?
Maria Francisca olhou bem no fundo dos olhos da filha.
- Porque eu trouxe muito mais dessa viagem a França do que as recordações da minha mãe biológica.
Texto escrito no âmbito do Desafio de escrita Desafio de Escrita Desafio Arte e Inspiração V2.0 lançado pela querida e inexcedível Fátima Bento e no qual participam, para além da Fátima e desta que vos escreve, os seguintes brilhantes autores: Ana D., Ana de Deus, Ana Mestre, bii yue, Bruno Everdosa, Célia, Cristina Aveiro, Imsilva, João-Afonso Machado, José da Xã, Luísa De Sousa, Maria, Maria Araújo, Mia, Olga, Peixe Frito, Sam ao Luar, SetePartidas,