Desafio dos Lápis de Cor #branco
Epílogo
Sofia olhava pela pequena janela do avião. Lá fora, um mar de nuvens brancas. Apetecia-lhe ir lá para fora e lançar-se para aquela imensidão branca e fofa. A sua editora dormia a sono solto na cadeira ao lado. Ambas iam a caminho do Brasil para um festival literário. O seu livro tinha feito o pleno ao ser muito elogiado pela crítica e também muito bem recebido pelos leitores. Nunca poderia ter imaginado um percurso assim para o seu primeiro romance. Aquela viagem tinha sido tão inesperada porque nunca poderia esperar que a convidassem a ela, uma perfeita desconhecida, para participar num evento daqueles.
Por outro lado, Sofia começara a busca incessante por uma nova história que fosse tão boa como a do seu primeiro romance, ou melhor, se possível. Quando um primeiro romance tem um sucesso muito grande, o bloqueio da folha branca é assustador. Sofia tinha medo de não ser capaz de escrever mais nenhum romance. Assoberbada com os seus compromissos, sentia que a torneira da inspiração se tinha fechado. E estava tão perra que não parecia possível abri-la novamente.
Aliás, a sua própria vida era uma página em branco e ela não sabia que caminho que seguir. Dedicar-se a tempo inteiro à escrita? Continuar a trabalhar e escrever nas horas vagas? Escrever o livro que, agora, a enchia de glória não fora assim tão fácil como lhe parecera ao início. Para chegar ao resultado final foi preciso trabalhar muito para chegar ao resultado final. Seria ela capaz de viver da escrita?!
Como se este dilema não fosse suficiente, Tomás reaparecera na sua vida. Também ela se apaixonara por ele, outra vez. Não com a inocência da juventude mas com a intensidade de mulher adulta. Nas últimas semanas, tinham estado juntos sempre que as respectivas ocupações permitiram. Ela tirara férias para se dedicar à promoção do livro mas esse tempo estava a esgotar-se. Em breve ela teria que voltar a Bruxelas onde trabalhava. Antes de Sofia embarcar, tinham tido uma discussão sobre relações à distância e o tema ficara em standby. Tomás tinha um filho e não o queria nem podia abandonar como a mãe fizera. Não podia largar tudo e ir viver com ela para Bruxelas se ela continuasse lá. Sofia estava tão habituada a viver sozinha que a hipótese de voltar para Portugal e ir viver com o Tomás e tornar-se madrasta, essa palavra horrível, de um adolescente a assustava de sobremaneira.
Apesar do turbilhão que ia na sua cabeça, lá adormeceu até ao fim da viagem. O sono foi agitado enquanto sonhava com folhas brancas que a soterravam não a deixando respirar.
Horas depois, chegaram ao destino e instalaram-se no hotel. A editora convidara-a para jantar mas a viagem deixara-a indisposta. Preferiu ficar no quarto e aproveitar para enfrentar a folha em branco, corajosamente. Mas antes, aproveitando a internet fornecida pelo hotel, foi ver o email e, dom surpresa, encontrou um email de Tomás. Com o coração acelerado e com medo que ele quisesse pôr um ponto final na relação daquela forma, abriu-o.
As palavras de Tomás comoveram-na até às lágrimas e lembrou-se daquele bilhete que ele lhe atirara à varanda há tantos anos:
“Meu amor,
A vida ensinou-me que devemos lutar por aquilo em que acreditamos. E eu acredito no nosso amor. Já me arrependi muito por não ter reagido da melhor forma quando éramos jovens e ter permitido que te afastasses de mim sem fazer nada para compreender o que se passava contigo. Não posso, nem quero, perder-te outra vez.
Estou a escrever-te a conselho do meu filho. Sim, o meu filho adolescente é o meu melhor conselheiro. Sabes o que ele me disse quando lhe contei a nossa história e os nossos dilemas?
《“Papá, se gostas assim tanto dela, não a deixes fugir. Se tiverem que viver à distância e tu tiveres que viajar com frequência para estar com ela, faz isso. Não te preocupes comigo. Tu és o melhor pai que eu poderia ter tido. Não me estarás a abandonar. Eu nunca irei sentir isso, papá. Nunca te vi tão feliz. Tens esse direito. Mas a Sofia também tem o direito de ser feliz. E se para isso for necessário que ela mantenha a sua independência, pois que seja assim. E tu só tens que aceitar. Moderniza-te, paizão. Já lá vai o tempo em que as mulheres deixavam tudo para seguir um homem.》
E não é que o meu filho tem razão?! Eu estou disposto a fazer a minha parte nesta relação e vivê-la segundo os teus termos. Se decidires continuar em Bruxelas, eu vou apoiar-te e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que a nossa relação à distância funcione. Se voltares a Portugal mas preferires ter a tua casa, eu também aceitarei. Confesso que será difícil mas não se pode prender uma borboleta. Ela só será feliz se voar livre.Eu quero construir algo contigo. Não te posso perder outra vez. Qual será o edifício que resultará, não sei. O futuro o dirá.
Amo-te muito e apetecia estar aí contigo e cobrir-te de beijos.”
O coração de Sofia continuava acelerado. Quando se despediram, Tomás voltara a insistir para que ela fosse viver com ele e com o filho. Não o imaginava capaz de escrever aquelas palavras. Se ele estava disposto a ceder e se tinha criado um filho com aquela clarividência, valia a pena dedicar-se aquele amor. Não sabia o que iria resultar dali mas estava decidida a descobrir.
A folha branca da sua vida começava a encher-se de palavras. Agora só lhe restava continuar a escrevê-la, a quatro mãos ou quem sabe a seis. Talvez fosse engraçado ser madrasta daquele miúdo.
Fim
Participam neste Desafio da Caixa de Lápis de Cor da Fátima Bento, as brilhantes Concha, A 3a Face, Maria Araújo, Peixe Frito, Imsilva, Luisa de Sousa, Maria, Ana D, Célia, Gorduchita, Miss Lollipop, Ana Mestre, Ana de Deus, Cristina Aveiro, bii yue, os brilhantes José da Xá e João-Afonso Machado.
Agora também com a participação especial da nobreza na pessoa a talentosa e divertida Marquesa de Marvila
Obrigada por me acompanharem nesta aventura.