Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago
Este ano decidi participar no desafio Uma Dúzia de Livros da Rita da Nova. Já tinha reparado, noutros anos, neste clube de leitura mas nunca tinha participado. E, se há pessoa que pode estimular a leitura, é Rita da Nova . Normalmente, num clube de leitura, todos os participantes lêem o mesmo livro, mais ou menos ao mesmo tempo. A Rita organiza isto de outra forma, a meu ver mais interessante. Em cada mês é proposto um tema diferente e cada participante escolhe aquilo que quer ler. Sendo assim, em Janeiro foi proposto este tema:
Um livro que já toda a gente leu menos tu
E o que é que eu, no pior mês da pandemia, decidi ler? Pois, "Ensaio sobre a Cegueira" de José Saramago. Provavelmente já todos sabem o tema desta obra. A história gira à volta de uma estranha doença contagiosa designada por Mal Branco. Esta patologia consiste numa repentina cegueira branca, ou seja, as pessoas passam a ver tudo branco. A pouco e pouco, todas as pessoas vão cegando menos uma. A mulher que nunca chega a cegar é a esposa do médico oftalmologista que atende o primeiro cego. Numa tentativa de conter a progressão da doença, o governo isola os primeiros afectados num antigo manicómio e a mulher do médico, apesar de conseguir ver, faz-se passar por cega para poder acompanhá-lo. A situação vai evoluindo e os cegos são cada vez mais. As condições em que as pessoas vivem vão-se degradando dia após dia.
Mais do que uma história sobre uma epidemia, esta história é sobre a condição humana e sobre como é fácil perdermos aquilo que consideramos como garantido; a saúde, a liberdade, a alimentação, a habitação ou mesmo a vida. Saramago mostra-nos, com a sua mestria, como é tão fácil deixarmos de ser humanos para nos passarmos a comportar como animais que lutam pela sobrevivência. Mas, como uma luz, a mulher do médico prova-nos que, apesar de tudo, é possível haver bondade, amor, doação, amizade e solidariedade. Mesmo quando o panorama é negro, há sempre uma solução.
Saramago cumpre, mais uma vez, uma das mais importantes funções da literatura, fazer-nos pensar. Porque, no fundo, esta cegueira física pretende fazer-nos ver mais longe para percebermos que, como diz o povo, pior cego é aquele que não quer ver.
"Diz-se a um cego, Estás livre, abre-se-lhe a porta que o separava do mundo, Vai, estás livre, tornamos a dizer-lhe, e ele não vai, ficou ali parado no meio da rua, ele e os outros, estão assustados, não sabem para onde ir, é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é, por definição, um manicómio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar."
P.S. 1 - A caligrafia da capa é do músico Chico Buarque .
P.S. 2 - Também li, há pouco tempo, o "Ensaio sobre a Lucidez" que tem alguma relação com este livro. Não façam como eu. Leiam primeiro o "Ensaio sobre a Cegueira" e só depois este.