Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago
"O Evangelho segundo Jesus Cristo" é a obra mais polémica de José Saramago. A sua primeira edição data de 1991. A publicação causou enorme perturbação no país, não só nos sectores católicos como no governo e em grande parte da sociedade nacional. Aliás, este livro foi vetado pelo Secretário de Estado da Cultura como candidato ao Prémio Europeu da Literatura por não respeitar a moral cristã. Estes acontecimentos precipitaram a saída de José Saramago de Portugal para ir viver para a ilha espanhola de Lanzarote.
Este livro começa um pouco antes do nascimento de Jesus e termina com a sua morte mas o autor conta a história de forma completamente diferente daquilo que é aceite pela doutrina da Igreja Católica. José Saramago cometeu a ousadia de humanizar a Sagrada Família das mais variadas formas. Para além disso, o deus retratado por José Saramago é cruel, irascível e vingativo. Ao contrário daquilo que dizem as Sagradas Escrituras, este Jesus é um homem frágil, cheio de dúvidas e que, em vez de se sacrificar voluntariamente para salvação dos homens, se sente ludibriado por Deus,
Se não tivesse sido proposto no grupo de Leitura Conjunta de Saramago, talvez nunca tivesse pegado neste livro. A visão que José Saramago tem sobre Deus e sobre a religião é totalmente diferente da minha forma de olhar estes temas. Se fosse interpretar este livro, apenas, à luz da doutrina cristã não teria sido capaz de o ler. No entanto, aqui não se trata de doutrina, mas de literatura. E esta é uma obra magnífica, sem sombra de dúvida. Li este livro com grande prazer porque, mesmo conhecendo as linhas gerais desta história, fiquei fascinada com a forma como José Saramago construíu este evangelho alternativo.
Ao contrário de "Caim" de que não gostei especialmente e até me chocou nalgumas passagens, "O Evangelho segundo Jesus Cristo" não me chocou de forma nenhuma, nem sequer nas passagens que se referem à concepção de Jesus ou à sua relação com Maria Madalena. Mesmo que Jesus Cristo tivesse sido mais humano e menos divino, eu continuaria a acreditar na Sua presença na minha vida.
Seja como fôr, este livro é um dos melhores que José Saramago escreveu e faz parte dos melhores livros que li em 2022.
"Está visto que as pessoas não andam todas por aí a pedir milagres, cada um de nós, com o tempo, habitua-se às suas pequenas ou medianas mazelas e com elas vai vivendo sem que alguma vez lhe passe pela cabeça importunar os altos poderes, mas os pecados são outra coisa, os pecados atormentam por baixo do que se vê, não são perna coxa nem braço tolhido, não são lepra de fora, mas são lepra de dentro. Por isso tinha tido Deus muita razão quando a Jesus disse que todo o homem tem pelo menos um pecado de que se arrepender, e o mais corrente e normal é que tenha muitíssimos."