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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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Herdeiros de Saramago

Charneca em flor, 16.11.20

Espero não chegar muito tarde a casa, hoje. Pelas 22h30m quero estar à frente da televisão para assistir à série documental, "Herdeiros de Saramago". A partir de uma ideia de Carlos Vaz Marques e realizada por Graça Castanheira, a série pretende fazer um retrato mais intimista dos 11 galardoados com o Prémio Saramago. No primeiro episódio vamos acompanhar Paulo José Miranda, que foi o primeiro galardoado em 1999, e José Luís Peixoto, o mais jovem a ser premiado em 2001. 

Nos próximos episódios poderemos conhecer melhor Adriana Lisboa, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, João Tordo, Afonso Reis Cabral, Julián Fuks, Bruno Vieira Amaral, Ondjaki e Andréa del Fuego.

Não conheço todos estes autores. Dos que já li, José Luís Peixoto é aquele que conheço melhor. Aliás, sou grande, grande fã do escritor mas também da pessoa. De Gonçalo M. Tavares e Valter Hugo Mãe só li "Jerusalém" e "A desumanização", respectivamente. A obra de João Tordo conheço de forma mais extensa, principalmente, os primeiros livros e também gosto muito de Afonso Reis Cabral embora este autor ainda seja muito jovem e não tenha, ainda, muitos livros editados mas penso que continuará a dar que falar.

Quem sabe, esta série seja o gatilho para ir à procura dos livros dos outros premiados?

Pão de Açúcar por Afonso Reis Cabral

Charneca em flor, 28.09.20

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Afonso Reis Cabral é um jovem escritor de 30 anos mas já conseguiu ganhar 2 dos mais importantes prémios literários portugueses. Com "O meu irmão" foi o vencedor do Prémio Leya em 2014. No ano passado, com este "Pão de Açúcar", juntou-se ao grupo dos mais brilhantes escritores contemporâneos de língua portugues vencendo o Prémio Saramago. Nem sempre escrever um livro premiado significa que o leitor comum o aprecie. Não faço ideia se estes livros foram muito vendidos mas eu, uma leitora comum, gostei muito de os ler. Tal como escrevi na minha análise d' "O meu irmão ", é difícil de acreditar que estas histórias, tão duras e dramáticas, existam dentro deste jovem sorridente e simpático. Na altura do Prémio Leya, tive oportunidade de trocar meia dúzia de palavras com ele e o Afonso Reis Cabral é muito afável. 

Neste "Pão de Açúcar" o autor revisitou um caso verídico que chocou o Porto bem como todo o país em 2006. Num poço da cave de um prédio abandonado foi encontrado um corpo, nu da cintura para baixo, e com marcas de agressões. Era a transsexual brasileira Gisberta e as agressões tinham sido cometidas por um grupo de jovens, alguns muito novos, que viviam na instituição Oficina de São José.

Este romance, em que se confunde a ficção com a realidade, fornece-nos o relato do ponto de vista de um dos jovens, Rafa, aquele que primeiro descobre Gi na cave do prédio que devia ter sido o supermercado "Pão de Açúcar". Como o próprio autor escreve na sua nota de agradecimento, usando as palavras da jornalista Catarina Marques Rodrigues, "Nesta história conhece-se o princípio e conhece-se o fim. Não se conhece o meio." Afonso Reis Cabral criou esse "meio" cerzindo um enredo perfeitamente plausível. Uma história dura e chocante, mas realista. Podia muito bem ter acontecido assim. Ao longo do livro conhecemos a vida da Gisberta mas também as histórias de vida dramáticas de alguns dos jovens envolvidos. Espreitamos para as péssimas condições em que os menores viviam naquela instituição de acolhimento, entretanto encerrada. Confrontamo-nos com o ponto a que pode chegar a degradação humana e percebemos que cada pessoa pode ter em si um lado mau e um lado bom. Ninguém é totalmente bom nem totalmente mau. As atitudes que tomamos individualmente podem ser totalmente diferentes daquelas que tomamos em grupo e ser determinantes para o resto da nossa vida. Apesar deste caso já se ter passado há 14 anos, continua a ser actual e faz-nos falta pensar sobre ele. Estamos ainda mais perto de que estes casos de violência contra aqueles que são diferentes se repitam. E não é por virarmos a cara que eles deixam de acontecer.

Afonso Reis Cabral teceu este enredo de maneira brilhante confirmando o talento que já se antevira n' "O meu irmão". Nem quero imaginar a pressão que ele deve sentir em frente à folha branca depois desta projecção conseguida com 2 prémios importantes no espaço de, apenas, 5 anos. Espero que tenha uma carreira repleta de sucessos. 

"Avancei às apalpadelas a tocar no frio das colunas, indiferente à herança do Pão de Açúcar e certo de que seria bom rever a Gi, reconciliarmo-nos. Voltar a cozinhar para ela, ouvir-lhe os gemidos de bicho enquanto comia o meu pão, a minha massa. De novo a ajudá-la, por fim compreendendo que os lugares certos na vida são os lugares errados. Como na cave, ao lado da Gi."

Lotaria Literária #147

Charneca em flor, 26.05.20

"Eu queria mesmo saber se isto que me baralhava a cabeça era afinal de contas o amor, que julgava exclusivo por raparigas como a Alisa, de quem urgia possuir o corpo, nunca por amigos como o Samuel, e ainda menos por sujeitos como a Gi."

Pão de Açúcar

Afonso Reis Cabral

Dom Quixote

ISBN 978-972-20-6599-3

Ainda não li este livro. O seu autor tem 30 anos e já ganhou 2 prémios literários. Com este livro foi distinguindo com o Prémio Literário José Saramago. Em 2014, foi o Prémio Leya com o livro "O meu irmão"

Premio Saramago 2019

Pão de Açúcar de Afonso Reis Cabral

Charneca em flor, 08.10.19

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Acabo de saber que Afonso Reis Cabral venceu o Prémio Saramago com o seu livro "Pão de Açúcar". A obra baseia-se no caso verídico do assassinato da transexual Gisberta em 2006.

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Nas palavras de Manuel Frias Martins, membro do jurí, 《trata-se de um “grande romance de um jovem autor de quem a literatura portuguesa se pode desde já orgulhar”. 》

Segundo Ana Paula Tavares, membro do júri do Prémio Saramago, o romance “lida com o espesso e confuso mundo da memória e retira do esquecimento acontecimentos que os jornais e os relatórios da polícia tinham tratado de forma redutora e parcial com silêncios e omissões que o autor se propõe aqui a revelar”.

Ainda não li este livro mas o seu romance "O meu irmão", Prémio Leya 2014, é um dos melhores livros que li na vida.

Fiquei muito feliz com a atribuição deste prémio. De certeza, que é merecido. Vou já tratar de trazer este livro para a minha colecção.

 

 

"O meu irmão", Afonso Reis Cabral

Charneca em flor, 04.06.15

Infelizmente não tenho tido oportunidade de actualizar o blogue como gostaria. Sendo assim o livro que acabei de ler não chegou a morar ali ao lado. Desta vez optei pelo último premiado com o Prémio Leya. Este autor, Afonso Reis Cabral, foi muito falado na altura que se conheceu o vencedor. Por um lado pela unanimidade que gerou no júri mas também por se tratar de um trineto de Eça de Queiroz. Este livro aborda a relação, nem sempre fácil, entre 2 irmãos, o mais novo com Síndrome de Down. A relação fica mais próxima depois da morte dos pais já que o irmão mais velho, o narrador da história, resolve mudar de vida e de cidade para poder acolher o irmão. Quando abrimos a primeira página encontramos os 2 irmãos a caminho de uma pequena aldeia onde a família tinha uma casa.

Durante essa estadia o irmão mais velho vai passando em revista a vida dos 2 irmãos, a sua relação, as dificuldades de viver com um irmão deficiente e vai tentando aproximar-se do irmão Miguel. Para isso tem que lutar contra a imagem de Luciana, outra deficiente, por quem Miguel nutre sentimentos amorosos tão profundos que ocupam todo o seu coração. Não há lugar para mais ninguém nem sequer para o irmão do qual não conhecemos o nome.

Não posso contar mais senão estrago a surpresa. Porque este livro é verdadeiramente surpreendente e perturbador. Perturbador porque mostra uma realidade desconhecida para a maioria dos leitores, perturbador porque a linguagem é crua, dura, violenta até em alguns momentos. Perturbador porque aquela escrita não parece ter saído do jovem sorridente que descobrimos na badana. Perturbador porque se percebe que o amor, mesmo o amor fraternal, pode ser obsessivo. Surpreendente porque por mais que o narrador vá dando pistas ao longo da história, nada nos prepara para o desenlace final.

Aqui fica um cheirinho:

"Nos primeiros tempos depois de conhecer a Luciana, ao regressar a casa, o Miguel atirava-se para os braços da minha mãe com entusiasmo de inocente. Corrida e salto em frente ao espelho da sala de jantar, enquando olhava para as costas da mãe reflectidas no espelho e metia a língua repleta de nervuras para fora. Babava-se sobre o cabelo que a minha mãe se esforçava por manter loiro. Adaptava a posição do corpo às zonas de maior visibilidade, por entre as manchas do espelho antigo. Chegava às cinco da tarde, e mal saía da carrinha branca com letras azuis da APPACDM, berrava para o nosso primeiro andar «O Miguel chegou!»"