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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Summer, Ali Smith

Charneca em flor, 09.08.22

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"Summer" é o último livro da série Seasonal da escocesa Ali Smith. Este 4° volume é o culminar de todas as histórias que nos contou desde "Autumn". Reencontramos as personagens desse volume bem como de  "Winter" e também algumas referências, embora mais discretas, a "Spring".

Neste livro, Ali Smith apresenta-nos uma família muito peculiar, os Greenlaw, a mãe Grace e os filhos Sacha e Robert. Esta família acaba por estabelecer relações mais ou menos próximas com os outros personagens de Ali Smith. No fundo, a autora desenvolveu histórias que nos mostram como nos podemos relacionar com os outros seja qual fôr o sexo, a idade, o percurso de vida, o passado, as convicções ou o país de origem. É sempre possível construir caminhos que nos levem até ao outros.

Esta obra confirmou aquilo que já se intuía nos livros anteriores, Ali Smith é uma escritora muito atenta ao mundo que a rodeia. Temas como o Brexit, os refugiados e a maneira como são tratados no Reino Unido são transversais e percorrem toda a série. Em "Summer", a autora colocou, com mestria, a pandemia como pano de fundo e nunca sentimos que essa inclusão é forçada.

A forma sublime como ela escreve é um dos seus maiores trunfos. Este "Summer" foi o meu preferido dos quatro volumes. Para mim foi o livro mais alegre, apesar de também abordar alguns dos momentos históricos mais trágicos da Europa, e luminoso por isso acho que o título tem tudo a ver com o conteúdo.

Se puderem, leiam esta série na língua original. Acredito que na versão traduzida se poderá perder algum do sentido daquilo que Ali Smith escreveu. Por exemplo, não sei como foi possível traduzir esta passagem:

"They stand in the cool stone shade.

Summer, he says.

Summer, she says.

You know it’s also what the lintel in a building gets called? he says.

What is? she says.

Summer. The most important beam, structurally, he says. Holds up a floor, a ceiling, both. There’s one, there, look.

He points behind them at a little balcony hanging as if in mid air.

Now that’s what I call a lovely summer, he says."

Spring, Ali Smith

Charneca em flor, 24.06.22

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Embora o Verão já tenha começado, o clima farrusco que se tem vivido nos últimos dias faz-nos pensar que a Primavera ainda não começou. Assim faz todo o sentido falar deste livro, "Spring". Este livro faz parte de uma tetralogia escrita pela britânica Ali Smith e que têm o nome das estações do ano. "Autumn" e "Winter" já li. Agora só fica a faltar o "Summer".

Embora se consiga estabelecer alguma ligação entre todas as obras, as histórias são independentes.

Em "Spring" encontramos 3 personagens centrais, um realizador de televisão em declínio, uma jovem que trabalha como segurança nas instalações de uma unidade de detenção de emigrantes e uma adolescente muito peculiar. Na parte inicial do livro, Ali Smith descreve alguns pormenores da vida do realizador e da jovem separadamente até que os seus destinos acabam por se cruzar.

Ali Smith volta a abordar alguns temas que já se encontravam nos outros dois volumes como sejam a velhice, a solidão, a política, a emigração ou os excluídos da sociedade, os invisíveis. Em "Spring", as condições de vida de um certo tipo de emigrantes é um dos temas que a autora mais desenvolve.

Pelo que me foi dado perceber, os nomes dos livros não tem, directamente, a ver com o espaço temporal em que as histórias decorrem mas sim com o ambiente que se vive. Neste caso considero que "Spring" tem a ver com a renovação e com a oportunidade de um certo recomeço que é dada às personagens. 

A escrita de Ali Smith continua a ser um dos pontos fortes e, provavelmente, é o mais cativante. A experiência de leitura em inglês continua a ser interessante e enriquecedora. 

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"There are much less bloody ways to hope for spring, the girl said. Better ways of working fruitfully with the climate and the seasons, than by sacrificing people to them. And anyway, you’re only doing it because some of you get off on the brutality. One or two people always do, always will. And the rest of you are worried that if you don’t do what everybody else is doing then the ones who get off on it might decide to choose you for the next sacrifice."

"April the anarchic, the final month, of spring the great connective. Pass any flowering bush or tree and you can’t not hear it, the buzz of the engine, the new life already at work in it, time’s factory."

 

P.S. - Obrigada, Rita da Nova, por me teres "apresentado" Ali Smith.

 

 

Mais leituras de Janeiro

Clube do Livra-te

Charneca em flor, 15.02.22

Este ano aderi a duas iniciativas literárias:

  • Leitura Conjunta de Saramago dinamizada por Magda Cruz, autora do podcast Ponto Final. Parágrafo. 
  • Clube do Livra-te dinamizado por Rita da Nova e Joana da Silva, autoras do podcast Livra-te.

Sobre o livro de José Saramago para o mês de Janeiro já escrevi aqui. Hoje vou partilhar algumas ideias sobre os livros do mês de Janeiro sugeridos pela Rita e pela Joana, "Winter" de Ali Smith e "A troca" de Beth O' Leary, respectivamente.

Os 2 livros acabam por ter uma ténue ligação já que ambos nos fazem olhar para o envelhecimento e para a vida das pessoas mais idosas.

20220211_133526.jpgWinter, Ali Smith

Este livro pertence a uma série de 4 cujos títulos revertem para as estações do ano. Quando o primeiro livro, "Autumn" foi mencionado no podcast Livra-te, por impulso, comprei os quatro títulos em inglês e em ebook.

"Winter" é de leitura mais difícil do que o primeiro. Afinal, o Inverno é mais difícil de suportar do que o Outono, não é verdade?

A acção principal ocorre no Natal mas a escrita da Ali Smith baseia-se muito naquilo que habita na memória das personagens por isso a história vai saltitando entre vários espaços temporais. Como ela própria diz, o único sítio onde podem coexistir vários espaços temporais é num livro. Voltamos a sentir o ambiente pós-brexit mas a autora vai para além disso abordando, igualmente, as preocupações ambientais, o activismo, a emigração e a doença mental. "Winter" aborda, também, o envelhecimento, as várias maneiras de envelhecer e as diferenças geracionais.

Os livros podem-se ler, independentemente, uns dos outros embora haja uma breve ligação, quase imperceptível. 

Em suma, valeu a pena insistir na leitura porque, no final, acabou por ser uma boa experiência.

"Well, this story is from the past, Art says, so the today it’s about is in the past now. And obviously, it’s about Christmas, this is a story set at Christmas time, and it’s June right now, so this also means it’s not the same as today. That’s one of the things stories and books can do, they can make more than one time possible at once."

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A troca, Beth O' Leary

"A troca" conta uma história muito ternurenta. Eileen e Leena são a avó e a neta que resolvem trocar de vida. A avó Eileen vai viver para Londres, interagindo com os amigos da neta, em busca de um novo amor depois da separação e Leena vai viver para uma pequena aldeia do Yorkshire assumindo todas as funções da avó na comunidade. Esta combinação entre as duas gera inúmeras e divertidas peripécias.

Este livro entra na categoria dos livros leves mas não encaremos isso como uma crítica. É bom ir intercalando livros mais densos com livros mais leves para contrabalançar as leituras.

Neste livro, o envelhecimento activo acaba por ser um dos pontos fulcrais da história. O desenrolar do livro acaba por ser previsível mas não deixou de ser uma experiência agradável. 

"Não é que me sinta envergonhada por estar à procura de um novo amor. Mas os jovens têm tendência para achar engraçadas as pessoas mais velhas que ainda pensam no amor. Não é por maldade  fazem-no sem pensar."

 

Autumn, Ali Smith

Charneca em flor, 25.12.21

IMG_20211221_152649.jpgEste ano, em termos literários, fiz um esforço para sair da minha zona de conforto e tentei ler livros diferentes do que me era habitual. Uma das experiências foi ler em inglês. Já o tinha feito no início do ano com "Normal People" e agora, por sugestão do podcast Livra-te  da Rita da Nova e da Joana da Silva, resolvi assinalar as últimas semanas de Outono com a leitura de "Autumn" de Ali Smith.

Para ler em inglês, prefiro a versão ebook porque, nalgumas aplicações, é possível procurar o significado de alguma palavra que eu não compreenda.

Esta obra conta a história da amizade, desde a infância, de Elisabeth, e o seu idoso vizinho, Daniel Gluck mostrando como é que essa relação influencia o crescimento e o desenvolvimento intelectual de Elisabeth. No início do livro, o idoso tem mais de 100 anos e encontra-se num lar onde passa grande parte do dia a dormir. Elisabeth visita-o e senta-se a seu lado a ler. Ao longo do livro, a autora conta-nos o "caminho" que aquela amizade trilhou até chegar aquele ponto mas também nos faz mergulhar naquilo que o idoso sonha nas suas longas horas adormecido e na vida intelectual de Elisabeth. Paralelamente às visitas de Elisabeth ao seu amigo, Ali Smith faz-nos olhar para inúmeros problemas que afectavam a sociedade britânica na época em que o livro foi escrito como, por exemplo, a burocracia (problema universal), a xenofobia, a integração dos emigrantes e o eminente Brexit. Podemos dizer que "Autumn" é sobre todos estes temas, sempre actuais, mas, para mim, é, apenas e só, a história sobre a beleza da verdadeira amizade que não escolhe diferenças culturais ou etárias. A amizade é possível em todas as circunstâncias, só é preciso acreditar no seu poder.

Ali Smith tem uma escrita deliciosa com capítulos que são exemplos de autêntica prosa poética. Um livro que vale muito a pena ler. Também está traduzido para português. Provavelmente, não consegui compreender tudo aquilo que Ali Smith escreveu mas gostei muito da experiência. Gostei tanto que já tenho os outros 3 ebooks - "Winter", "Spring" e "Summer" - em espera.

"Well, who? Where do I start? I’m the butterfly antenna. I’m the chemicals that paint’s made of. I’m the person dead at the water’s edge. I’m the water. I’m the edge. I’m skin cells. I’m the smell of disinfectant. I’m that thing they rub against your mouth to moisten it, can you feel it? I’m soft. I’m hard. I’m glass. I’m sand. I’m a yellow plastic bottle. I’m all the plastics in the seas and in the guts of all the fishes. I’m the fishes. I’m the seas. I’m the molluscs in the seas. I’m the flattened-out old beer can. I’m the shopping trolley in the canal. I’m the note on the stave, the bird on the line. I’m the stave. I’m the line. I’m spiders. I’m seeds. I’m water. I’m heat. I’m the cotton of the sheet. I’m the tube that’s in your side. I’m your urine in the tube. I’m your side. I’m your other side. I’m your other. I’m the coughing through the wall. I’m the cough. I’m the wall. I’m mucus. I’m the bronchial tubes. I’m inside. I’m outside. I’m traffic. I’m pollution. I’m a fall of horseshit on a country road a hundred years ago. I’m the surface of that road. I’m what’s below. I’m what’s above. I’m the fly. I’m the descendant of the fly. I’m the descendant of the descendant of the descendant of the descendant of the descendant of the descendant of the fly. I’m the circle. I’m the square. I’m all the shapes. I’m geometry. I haven’t even started with the telling you what I am. I’m everything that makes everything. I’m everything that unmakes everything. I’m fire. I’m flood. I’m pestilence. I’m the ink, the paper, the grass, the tree, the leaves, the leaf, the greenness in the leaf. I’m the vein in the leaf. I’m the voice that tells no story."