Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

"Bela", Ana Cristina Silva

Charneca em flor, 07.01.22

IMG_20220105_224202.jpg

 

A figura de Florbela Espanca sempre me fascinou. Como já partilhei aqui, um dos seus poemas serviu de inspiração para o nome blogosférico, Charneca em Flor.

Através dos seus poemas, tive o primeiro contacto com a poesia. Florbela Espanca escreveu sobre o amor, a dor, o sofrimento e, com este romance, consegui compreender a razão para que Florbela tivesse escrito da maneira como escreveu.

Já li outros livros de Ana Cristina Silva mas, para mim, este é o meu preferido. A autora conseguiu transmitir a existência perturbada de Florbela Espanca de forma magistral. Gostei muito da maneira como o romance foi estruturado e da relação estabelecida entre as várias personagens. Ao longo da história, senti uma imensa empatia por "Bela" e sofri com ela. Comparando a condição feminina de hoje em dia com a época em que "Bela" viveu, percebe-se que, apesar de tudo, já foi percorrido um longo caminho. Muito do que "Bela" vivenciou foi influenciado pelo facto de ser mulher. A sociedade não foi capaz de a compreender.

Recomendo vivamente a leitura deste livro.

"Aquele instante marca uma fronteira, um sinal que levou à criação de uma nova história para a minha vida. Tinha descoberto que as palavras poéticas podiam sarar feridas. No dia seguinte,  o meu pai voltou a partir e eu passei a sonhar com os lugares imaginários onde ele me poderia levar quando fosse mais crescida. Para sobreviver à madrinha, nas minhas fantasias, renascia poeta e o meu destino  cruzava-se com versos incendiários lançados à multidão."

 

As Longas Noites de Caxias, Ana Cristina Silva

Charneca em flor, 14.12.20

1540-1 (2).jpg

A literatura pode ter várias funções. Há quem a utilize como forma de distracção, para estudar algum assunto, como forma de enriquecimento pessoal ou para fazer pensar. Eu incluo este livro de Ana Cristina Silva nesta última categoria. "As  Longas Noites de Caxias" é um livro perturbador e que nos põe a cabeça a funcionar. Esta obra perturba, em primeiro lugar, porque, embora seja uma obra de ficção, se baseia em factos verídicos relativamente recentes. Em segundo, faz-nos pensar que a História se pode repetir, mais cedo ou mais tarde. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte para que não seja possível perseguir alguém porque pensa de maneira diferente.

Neste livro acompanhamos o percurso individual bem como o "encontro" em Caxias de duas figuras antagónicas, uma jovem universitária presa política e uma agente da PIDE. Uma dessas personagem, a agente Leninha, foi inspirada em Madalena Oliveira, a única mulher a atingir o cargo de Chefe de Brigada. Esta mulher era, particularmente, cruel e chegou a ser julgada e condenada por crimes de violência desnecessária em 1977. A história da outra personagem, a estudante universitária Laura, podia ser a história de tantas mulheres corajosas que passaram pela prisão de Caxias e que sofreram as várias sevícias que ali foram praticadas. 

A autora articula a trama através de avanços e recuos temporais para percebermos como é que as circunstâncias da vida conduziram aquelas 2 mulheres ao momento em que as suas existências se cruzaram. A descrição das várias noites de tortura sofridas por Laura são tão reais que quase sentimos as dores que ela sentiu. Em relação a Leninha, compreendemos como é que a sua história pessoal contribuíu, em grande medida, para o seu carácter cruel e violento. Todavia, na minha opinião, isso em nada justifica a violência desmedida exercida sobre as presas políticas.

Mas ainda conseguimos encontrar outra personagem central, o medo. O medo está presente em quase todas as páginas de forma extremamente real e assustadora.

Ana Cristina Silva criou, com esta obra, uma oportunidade para que as gerações mais novas vejam o lado mais obscuro da ditadura e que compactuem com quem quer apagar, ou dissimular, a História 

Tendo em conta o progressivo aumento da extrema-direita um pouco por toda a Europa, inclusivé em Portugal, temo que estas situações se possam voltar a repetir. Aliás, até nos entram pela casa dentro, através da televisão, histórias de violência extrema e desnecessária exercida por figuras da autoridade.

Será que queremos mesmo viver num mundo assim?!

 

"O medo de não resistir à tortura. A coragem. E o tempo que se mantinha parado e que também vigiava Laura dentro da cela. Um tempo que estava suspenso e que deixava tudo em suspenso antes da tortura. Não era sem razão que os presos de Caxias se referiam à lenta queda na loucura, após semanas de isolamento."

Lotaria Literária #146

Charneca em flor, 25.05.20

"As imagens intensas sucediam-se a um ritmo acelerado. Sentia-se como se estivesse a voar, sem esforço, com lentidão de um sonho."

As longas noites de Caxias

Ana Cristina Silva

Planeta

ISBN 978-989-777-219-1

 

Uma foi torturada. A outra tinha prazer em torturar. Duas mulheres que ficaram na história da PIDE.

A frase anterior, que está na capa do livro, resume este livro. Comprei-o há algum tempo, a seguir a ter lido outro livro desta autora. Fui "induzida" a adquiri-lo por um excelente vendedor de uma livraria local da cidade onde trabalho. Ainda não o li. Está em lista de espera.

Salvação, Ana Cristina Silva

Charneca em flor, 10.05.19

250x (3).jpeg

Já diz o povo "Santos da casa não fazem milagres" ou "Ninguém é profeta na sua própria terra". Esta escritora é minha conhecida. Já nos temos cruzado na cidade onde trabalho. Ana Cristina Silva já publicou várias obras tendo, inclusivé, ganho 2 prémios literários. Eu nunca tinha lido nada dela até agora. O tema central de "Salvação" é o luto, a maneira como um escritor, que perde a mulher, lida com o processo de luto. A mulher, no leito de morte, pede-lhe escreva um romance para lidar com a partida dela. Então o homem transfere a sua dor para um personagem que passa pela mesma perda. Assim há uma história dentro da história, muito bem encadeadas. A autora aborda, também, os extremismos religiosos fazendo um paraleslismo entre a actualidade e o tempo da Inquisição.

O processo do luto é diferente para todas as pessoas. E há vários tipos de luto seja  pela perda de alguém fisicamente, seja pelo fim de uma relação amorosa ou de amizade, seja porque nos perdemos a nós mesmos. O luto é necessário para conseguirmos seguir em frente, sem esquecer o passado mas vivendo o presente e não o que já não volta. A meu ver, é isso que Ana Cristina Silva consegue demonstrar com o seu romance. Afinal, seja qual for a dor há sempre "Salvação".

"No preciso momento em que formulo estas perguntas, elas deixam de me importar, ainda que suspeite que poderão voltar a interessar-me. O sofrimento do luto é assim: um longo corredor que não é possível passar a correr. Esta foi a única coisa que aprendi nos últimos dois meses."