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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Doce Tóquio, Durian Sukegawa

Charneca em flor, 28.08.23

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Este livro foi mais um que li através da audição. "Doce Tóquio" tem uma excelente edição em audiolivro. 

Esta obra é tão doce como o título promete. A acção começa na loja Doraharu onde Sentarô, um homem não muito feliz, passa os dias confeccionado dorayaki, uma espécie de panquecas recheadas com uma pasta doce de feijão. A loja situa-se na Rua das Cerejeiras, um espaço dominado pelas lojas vazias e pelas cerejeiras que vão marcando a passagem do tempo. No momento em que conhecemos Sentarô, as cerejeiras estão em flor o que contribuí para um maior movimento nas ruas. A dada altura, Sentarô repara numa idosa, Tokue, que o observa. Este encontro será marcante para o homem mudando a sua postura perante a vida.

"Doce Tóquio" é uma bonita história sobre como até a amizade mais improvável pode influenciar a nossa vida e mudar a nossa perspectiva sobre os acontecimentos que pontuam a nossa vida. O autor, através da abordagem de um antigo estigma da sociedade, faz-nos também pensar sobre como os preconceitos sociais são injustos ao serem obstáculos para que nos deixemos "tocar" pelos outros.

"Doce Tóquio" aqueceu-me o coração num momento difícil. A literatura é, tantas vezes, bálsamo para as nossas dores e remédio para as doenças da alma.


"Depois de experimentarmos a alegria de ver o mundo e de estarmos livres de novo, percebemos que quanto maior era a alegria mais sentíamos a dor do tempo perdido e das vidas que nunca poderiam ser devolvidas. Talvez compreenda esse sentimento. Quando saíamos daqui, voltávamos sempre exaustos. Não apenas exaustão física, mas uma exaustão mais profunda de sofrer uma dor que nunca desaparecerá."

 

Doidos por Livros, Emily Henry

Charneca em flor, 09.08.23

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Em Março, devido a um problema na visão, aproveitei a minha assinatura do Kobo Plus para ouvir alguns audiolivros uma vez que estava com dificuldade em ler. Graças ao Kobo+Leya há já uma selecção de audiolivros muito interessante, com boa narração e edição. Um dos livros que li desta forma foi "Doidos por Livros" de Emily Henry e foi a 2a vez que li esta autora*. A receita "pessoas que gostam de livros" com romance tem tudo o que é preciso para me alegrar quando estou mais em baixo.

As figuras centrais são Nora, agente literária, e Charlie, editor. No início encontram-se em Nova Iorque, onde ambos vivem, para um possível consórcio profissional mas as coisas não correm muito bem entre eles. Alguns anos depois, uma personagem deliciosa, a irmã de Nora, Libby arrasta-a para uma pequena cidade do interior, cenário de um dos livros escrito por uma das autoras de Nora. Libby está investida em fazer com que a sua irmã viva um romance recheado por todos os clichés típicos dos romances. Nem tudo acontece exactamente como o planeado até porque Nora tem que lidar com a presença inesperada de Charlie na cidade.

"Doidos por Livros" é uma excelente leitura para as férias  Os clichés são completamente propositados, a autora brinca com a forma como se constrói um  romance e aflora um pouco o funcionamento do mercado editorial americano. Não será o melhor livro que lerei este ano mas foi uma leitura/audição muito prazerosa e divertida. Acho que vou voltar a ler Emily Henry quando precisar de uma leitura aconchegante.

 

"Já fiz isso antes, e nunca me arrependi, propriamente. Sempre tive coisas pelas quais estar grata.
A vida é mesmo assim. Estamos sempre a tomar decisões, a escolher caminhos que nos afastam do resto, antes de podermos ver onde eles iam dar. Talvez seja por isso que nós, como espécie, gostamos tanto de histórias. Todas aquelas oportunidades para fazer de novo, oportunidades para viver as vidas que nunca teremos."

*O outro livro que li de Emily Henry foi este

 

A Hora da Estrela, Clarice Lispector

Charneca em flor, 26.07.23

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Quando, em 2019, li o livro de contos "Laços de Família" de Clarice Lispector nunca imaginei que ia demorar tanto em tempo a voltar a pegar numa obra desta escritora brasileira. No passado mês de Março, "A Hora da Estrela" foi o livro escolhido por um dos meus clubes de leitura, o Clube de Leitura do podcast Ponto Final, Parágrafo.

Nessa altura enfrentava um problema de saúde que me dificultava a leitura de forma tradicional por isso optei pelo audiolivro. A narração é feita pela actriz brasileira Mel Lisboa que eu já conheci de uma audiosérie do Spotify. A excelente dicção e a interpretação de Mel Lisboa tornaram esta experiência muito mais enriquecedora.

Se a escrita de Clarice Lispector já me tinha fascinado anteriormente, este romance/ novela ajudou a consolidar a minha opinião sobre a autora. O que ela faz com as palavras da nossa língua comum é magia mas a história e a maneira como a estruturou elevam a qualidade deste livro

A "voz" que conta a história é de um escritor (o seu alter ego, talvez) que se propõe a contar a triste história de Macabéa, uma jovem nordestina humilde, ignorante e ingénua. Clarice Lispector utiliza esta desgraçada personagem para se debruçar sobre a pobreza, as injustiças sociais ou as consequências da deficiente instrução que tantos anos depois* continuam a ser uma constante no Brasil e um pouco por todo o mundo.

Não sei se me deixei cativar mais pela história ou mais pela tapeçaria cerzida pelas palavras de Clarice Lispector. Para mim é um mistério como é que algumas pessoas têm a capacidade de fazer arte literária utilizando os mesmos vocábulos que qualquer outra pessoa. 

Para quem só conhece as suas citações, amplamente partilhadas, não deixe de se deslumbrar com a escrita que se estende para lá das frases mais conhecidas.

"Pretendo, como já insinuei, escrever de modo cada vez mais simples. Aliás o material de que disponho é parco e singelo demais, as informações sobre os personagens são poucas e não muito elucidativas, informações essas que penosamente me vêm de mim para mim mesmo, é trabalho de carpintaria.

Sim, mas não esquecer que para escrever não-importa-o-quê o meu material básico é palavra. Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases. É claro que, como todo escritor, tenho a tentação de usar termos suculentos: conheço adjetivos esplendorosos, carnudo substantivos e verbos tão esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação, já que palavra é ação, concordai? Mas não vou enfeitar a palavra pois se eu tocar no pão da moça esse pão se tornará em ouro – e a jovem poderia mordê-lo, morrendo de fome. "

 

*Este romance foi publicado, pela primeira vez, em 1977

Cuidado com o Cão, Rodrigo Guedes de Carvalho

Audiolivro

Charneca em flor, 21.07.22

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Depois de "Margarida Espantada", voltei a ouvir um livro do Rodrigo Guedes de Carvalho. Desta feita foi "Cuidado com o Cão" e a experiência foi, ainda, mais positiva do que da primeira vez. Para já, gostei mais desta história do que da "Margarida Espantada". Ou melhor, gostei muito das várias histórias que Rodrigo conta e que parecem não se relacionar umas com as outras. A dada altura, as personagens cruzam-se e tudo faz sentido.

No início do livro, os capítulos vão-se alternando entre a história do médico Pedro Gouveia, e da sua família, e a história das gémeas Adriana e Luciana, trapezistas de circo desde a infância. O título do livro reporta-nos aos cães que vão surgindo ao longo do relato e cuja presença nos ajuda a perceber a importância que estes maravilhosos animais têm na vida das pessoas.

Rodrigo Guedes de Carvalho é um excelente contador de histórias mas se fica por aí já que neste romance aproveita para abordar temas actuais como a solidão dos idosos, exacerbada pela pandemia, a violência contra os animais, a violência doméstica ou a doença mental. Para além disso, e se conhecermos minimamente o percurso de vida pública do escritor, percebemos a influência que a música exerce sobre ele uma vez que a música é omnipresente ao longo de toda a obra. De vez em quando, parei de ouvir o livro para ir descobrir as músicas que eram mencionadas.

No desenrolar da narrativa fiquei surpreendida com os caminhos escolhidos pelo autor e o final foi mesmo surpreendente. Não posso deixar de referir que gosto muito da maneira como o autor escreve. Este livro reforçou a minha vontade de continuar a descobrir os seus livros.

Em suma, ouvir "Cuidado com o cão" foi uma excelente  experiência de leitura auditiva.

"O que mais lhe chamou a atenção ao chegar ao céu foi a árvore.
O tronco gordo rugoso, os ramos longos, pesados, uns torcidos, outros numa curva larga ascendente. Um carvalho vermelho. Quercus rubra. Está no esplendor da folhagem inimitável. Seria uma coincidencia ou a prova maior de que o esperava?Tão concentrado ficou no carvalho, tão à medida de como sempre o quis, que nem tinha ainda reparado que caminha descalço, talvez porque os pés vão sem dor ou desconforto sobre uma relva de veludo."

 

"Uma oportunidade, mesmo que pequena, talvez só isso, a chance pequenina de conhecermos a maravilha de sermos de alguém e sentirmos que alguém quer ser nosso.
E por momentos, nem que seja por um momento, um só, sabermos o que é partilhar um momento, saborear o espanto de nos esquecermos de nós por um momento, um
pequeno momento, imaginarmos que ao nosso lado um outro coração corre à mesma velocidade serena, ansioso por chegar ao mesmo lugar, onde nos espera o mesmo destino
Por um momento, um pequeno momento, um momento simples, mínimo, um grãozinho, que nos garante estarmos vivos porque alguém deseja que estejamos vivos, ao nosso lado, a tocar-nos apenas o suficiente para sabermos que não estamos sós."

 

 

 

O Ano do Pensamento Mágico, Joan Didion

Tradução de Hugo Gonçalves

Charneca em flor, 14.06.22

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De vez em quando ouvia falar deste livro e fiquei curiosa porque as opiniões eram muito positivas. Por outro lado, não conhecia esta escritora uma vez que não sou muito entendida em literatura norte-americana. O formato que escolhi foi audiolivro para poder ouvir o livro enquanto fazia caminhadas.

"O Ano do Pensamento Mágico" é uma reflexão sobre a perda, o luto e sobre a maneira como lidamos com a circunstância de nos falecer uma pessoa muito próxima. O marido de Joan Didion, o argumentista John Gregory Dunne, sofre um enfarte quando o casal se prepara para jantar depois de visitarem a filha que está internada devido a uma infecção complicada. Muitos meses depois, Joan Didion debruça-se sobre a dor, relembra os pormenores que rodearam o episódio da morte bem como as recordações da vida que partilharam. Através da escrita, Joan abraça a sua dor, vive o luto e reaprende a viver ao mesmo tempo que acompanha a filha que, durante o ano que se seguiu à morte do pai, sofreu uma série de problemas de saúde muito graves.*

Este livro tocou muitos leitores. Por um lado, quem teve que lidar muito cedo com a partida de alguém, como eu, revê-se naquilo que Joan viveu e percebe aquilo que sentiu, ou que sente até hoje, no momento do luto. Mesmo quem nunca teve que lidar com a morte de alguém próximo, se sente tocado pela forma sincera como a autora se expõe e expõe a sua dor. "O Ano do Pensamento Mágico" é, sem dúvida, um livro muito especial.


"《Trazê-lo de volta》 tinha sido durante meses, a minha missão escondida, um truque de magia. No final do verão, comecei a ver isso mesmo com clareza. 《Ver isso com clareza 》 não me permitia ainda oferecer as roupas de que ele iria precisar.

Em tempos conturbados, e eu tinha sido treinada, desde criança, a ler, a aprender, a
trabalhar, a ir em busca da literatura. Informação era controlo. Tendo em conta que a dor da perda continua a ser a maleita mais comum, a literatura que lhe é dedicada pareceu-me notavelmente escassa."

*Quintana Dunne, filha adoptiva de Joan Didion e John Dunne, acabou por falecer enquanto o livro da mãe estava a ser lançado. Este novo incidente trágico levou Joan Didion a escrever o livro "Blue Nights"