Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

A Gorda, Isabela Figueiredo

Charneca em flor, 25.08.22

IMG_20220812_040639.jpg

Tal como dizia no post anterior, tenho lido bastante neste Verão. No mês passado li um livro que ainda não partilhei por aqui, "A Gorda" de Isabela Figueiredo.

A protagonista é Maria Luísa que acompanhamos como adolescente, jovem adulta e mulher madura. Maria Luísa nasceu em Moçambique e a independência do país, em 1975, apanha-a no início da adolescência. Por uma questão de segurança, os pais enviam-na para Portugal onde passa pelas casas de vários parentes até ir parar a um colégio. O percurso escolar de Maria Luísa é excelente mas tem uma característica que influencia a sua relação com as outras pessoas, é gorda. No entanto, Maria Luísa luta para viver a sua vida da melhor maneira possível mesmo com o "peso" do seu aspecto físico sempre presente.

Tendo em conta, a importância que a aparência física tem na nossa sociedade, alterada com os melhores filtros, este livro mexeu comigo. É impossível não nos identificarmos com os problemas e dores que Maria Luísa sente pelo facto de ter excesso de peso. Não há ninguém que não identifique um defeito físico em si próprio. Seja o peso, a celulite, o acne, as rugas, os dentes desalinhados ou os óculos com lentes grossas como é o meu caso.

"A Gorda" é um relato impressionante e cru, na 1a pessoa, dos sentimentos que Maria Luísa transporta dentro de si. Ao longo da vida faz amizades, diverte-se, apaixona-se mas também sofre humilhações, desgostos e perdas. 

Gostei muito da escrita de Isabela Figueiredo e da maneira como organizou os capítulos do livro. Cada capítulo tem o nome de uma divisão da casa onde Maria Luísa mora com os pais e onde continua a morar depois do falecimento deles. A história avança e recua ao ritmo das memórias de Maria Luísa dando a ilusão de estarmos mesmo no interior da sua cabeça de forma a sentirmos, como nossas, as suas mágoas e as suas vitórias.

Apesar de "A Gorda" ter mexido com as minhas próprias inseguranças físicas, a história de Maria Luísa foi uma boa companhia. Recomendo muito esta leitura.

"O meu corpo continuava a manifestar tendência para alargar. Não era conforme. Os pneus na cintura não me permitiam blusas mais justas, nem a barriga saliente nem as mamas grandes e suspensas, que não se adequavam ao padrão e me envergonhavam, mas havia outros trunfos que me permitiam progredir: lindos olhos amarelos, lábios pulposos, atrevimento e palavra forte. E escrevia bem."

"《Diz, David. Diz a verdade. Gozam contigo porque arranjaste uma gorda, não é?! É por isso. Por ser gorda. Por não ser como as raparigas de quem todos gostam e falam, a quem assobiam e mandam piropos. As normais. Gozam contigo porque sou gorda!》 Temo ouvi-lo, mas quero a confirmação. E quero atirá-lo contra os seus sentimentos, medos e inseguranças."

"O Lugar das Árvores Tristes", Lénia Rufino

Charneca em flor, 20.03.22

20220226_143110.jpg

No passado mês de Fevereiro consegui terminar de ler os livros dos 2 clubes de leitura a que aderi* antes do mês terminar por isso aproveitei para ler este "O Lugar das Árvores Tristes" de Lénia Rufino que já tinha em espera há uns meses. Este livro foi o primeiro que a autora publicou e espero que seja o primeiro de muitos.

O livro está muito bem escrito e conta uma história que me tocou de sobremaneira. O enredo situa-se em 2 aldeias do Alentejo profundo. No início do livro encontramos Isabel, uma jovem com uma estranha predileção por passear por entre as campas do cemitério que fica junto da sua casa. Isabel aprecia o silêncio desse lugar que lhe aguça a curiosidade. Nesses passeios depara-se com um nome de uma falecida da qual nunca soube a razão da morte e esse pormenor é o gatilho para ela desencadear uma "investigação" de modo a perceber porque é que, em toda a aldeia, ninguém quer falar sobre o assunto. A descoberta dos diários de Lurdes, a sua mãe, conduz-nos numa viagem no tempo até ao fim dos anos 60 e início dos anos 70.

Lénia Rufino construíu uma trama muito interessante, com a dose certa de mistério e suspense ao mesmo tempo que nos leva a reflectir sobre a condição feminina nessa altura, ainda em ditadura, em que a mulher não era dona da sua vontade nem podia tomar decisões sobre a sua vida.

Eu mergulhei de tal forma nesta história que me senti quase uma personagem de Lénia Rufino. Afinal, eu também descobri os segredos da minha família lendo as cartas que os meus pais tinham bem escondidas. Eu podia ser a Isabel . Uma das conclusões que retirei das páginas deste livro foi que, só conhecendo o passado das pessoas que se cruzam connosco no dia-a-dia, é que podemos perceber as atitudes que têm hoje. As dores do passado reflectem-se nas atitudes do presente.

Aguardo ansiosamente o próximo livro da Lénia. Ela também nos ensina que nunca é tarde para realizarmos os nossos sonhos. Afinal, ela levou muitos anos a conseguir publicar o seu livro.

"Nas aldeias pequenas, nada é mais difícil do que guardar segredos. O ditado antigo que assegura que até as paredes têm ouvidos não é tão verdadeiro em lugar nenhum como nas aldeias."