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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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A Hora da Estrela, Clarice Lispector

Charneca em flor, 26.07.23

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Quando, em 2019, li o livro de contos "Laços de Família" de Clarice Lispector nunca imaginei que ia demorar tanto em tempo a voltar a pegar numa obra desta escritora brasileira. No passado mês de Março, "A Hora da Estrela" foi o livro escolhido por um dos meus clubes de leitura, o Clube de Leitura do podcast Ponto Final, Parágrafo.

Nessa altura enfrentava um problema de saúde que me dificultava a leitura de forma tradicional por isso optei pelo audiolivro. A narração é feita pela actriz brasileira Mel Lisboa que eu já conheci de uma audiosérie do Spotify. A excelente dicção e a interpretação de Mel Lisboa tornaram esta experiência muito mais enriquecedora.

Se a escrita de Clarice Lispector já me tinha fascinado anteriormente, este romance/ novela ajudou a consolidar a minha opinião sobre a autora. O que ela faz com as palavras da nossa língua comum é magia mas a história e a maneira como a estruturou elevam a qualidade deste livro

A "voz" que conta a história é de um escritor (o seu alter ego, talvez) que se propõe a contar a triste história de Macabéa, uma jovem nordestina humilde, ignorante e ingénua. Clarice Lispector utiliza esta desgraçada personagem para se debruçar sobre a pobreza, as injustiças sociais ou as consequências da deficiente instrução que tantos anos depois* continuam a ser uma constante no Brasil e um pouco por todo o mundo.

Não sei se me deixei cativar mais pela história ou mais pela tapeçaria cerzida pelas palavras de Clarice Lispector. Para mim é um mistério como é que algumas pessoas têm a capacidade de fazer arte literária utilizando os mesmos vocábulos que qualquer outra pessoa. 

Para quem só conhece as suas citações, amplamente partilhadas, não deixe de se deslumbrar com a escrita que se estende para lá das frases mais conhecidas.

"Pretendo, como já insinuei, escrever de modo cada vez mais simples. Aliás o material de que disponho é parco e singelo demais, as informações sobre os personagens são poucas e não muito elucidativas, informações essas que penosamente me vêm de mim para mim mesmo, é trabalho de carpintaria.

Sim, mas não esquecer que para escrever não-importa-o-quê o meu material básico é palavra. Assim é que esta história será feita de palavras que se agrupam em frases e destas se evola um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases. É claro que, como todo escritor, tenho a tentação de usar termos suculentos: conheço adjetivos esplendorosos, carnudo substantivos e verbos tão esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação, já que palavra é ação, concordai? Mas não vou enfeitar a palavra pois se eu tocar no pão da moça esse pão se tornará em ouro – e a jovem poderia mordê-lo, morrendo de fome. "

 

*Este romance foi publicado, pela primeira vez, em 1977

Laços de Família, Clarice Lispector

Charneca em flor, 15.01.19

Só conhecia Clarice Lispector das citações que aparecem um pouco por todo o lado. Nunca tinha lido nada dela. Já tinha pesquisado sobre ela e já sabia que ela não tinha nascido no Brasil mas sim na Ucrânia e que tinha tido uma vida muito complicada. Não sei se comecei pela obra mais indicada. O livro lê-se muito bem até porque são pequenos contos. Todos eles têm como protagonista, uma mulher e a sua relação com a família. Todas essas mulheres vivem situações limite a nível psicológico. Através destas histórias confrontamo-nos com os nossos próprios fantasmas anteriores. Assim que possível vou tentar ler outro livro dela.

"É que a própria coisa rara sentia o peito morno do que se pode chamar de Amor. Ela amava aquele explorador amarelo. Se soubesse falar e dissesse que o amava, ele inflaria de vaidade. Vaidade que diminuíria quando ela acrescentasse que também amava muito o anel do explorador e que amava muito a bota do explorador. E quando este desinchasse desapontado, Pequena Flor não compreenderia por quê. Pois, nem de longe, seu amor pelo explorador - pode-se mesmo dizer seu "profundo amor", porque, não tendo outros recursos, ela estava reduzida à profundeza - pois nem de longe seu profundo amor pelo explorador ficaria desvalorizado pelo fato de ela também amar a sua bota."

Uma citação por semana #50

Charneca em flor, 10.12.18

"Num gesto que não era o seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-o consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.

Acabara-se a vertigem de bondade.

E, se ateavessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia."

Clarisse Lispector, Laços de Família no dia do seu aniversário