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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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Não há bem que sempre dure

O Desafio dos Pássaros chega ao fim

Charneca em flor, 20.05.20

Os últimos meses de 2019 ficaram marcados, aqui no charco dos batráquios, pelo Desafio dos Pássaros. Como não ficaram satisfeitos com a primeira edição, voltaram ao ataque com uma segunda edição. Aquele problema* que todos conhecem, e do qual já não me apetece falar, veio abalar os alicerces dos vários ninhos mas não os derrubou. Os moldes do desafio mudaram ligeiramente e, semana após semana, os textos lá foram surgindo.

Eu aderi desde a primeira hora e fui-me mantendo mais ou menos firme. Só nas últimas 2 ou 3 semanas é que falhei. O tal problema* acabou por afectar a minha inspiração. Espero conseguir escrever sobre o último tema.

Sim, é verdade. O Desafio dos Pássaros encerra-se esta semana e eu quero agradecer ao bando dos Pássaros por esta ideia. Foi um privilégio e uma alegria participar. Diverti-me a escrever mas principalmente a ler aquilo que os outros participantes escreveram. Descobri inúmeros blogues que não conhecia. Foi um verdadeiro prazer. Obrigada a todos por tudo e sobretudo pelos elogios (manifestamente exagerados) que me foram fazendo. Neles encontrei ânimo e inspiração. Bem hajam.

Desafio de escrita dos Pássaros tema 2.13

E elas saltaram e saltaram, sem nunca mais parar.

Charneca em flor, 26.04.20

Todas as pessoas arrastavam, arrastavam e continuavam a arrastar os pés. Não era possível parar aquele movimento de tristeza e terror.


Durante muito tempo, viveu-se um Inverno perpétuo. Os dias sucediam-se frios, escuros e soturnos. Não havia raio de sol que iluminasse a existência daquele povo. O Inverno durou tantos anos que ninguém acreditava ser possível que a Primavera chegasse algum dia. O povo manteve-se pobre e analfabeto. Os que ousavam sonhar com um mundo diferente, mais quente e luminoso, eram sujeitos a perseguições e terríveis sevícias.
Até que um dia, um grupo de almas corajosas uniram-se para derrubar a barreira que tapava o sol e que não deixava o calor invadir as almas. Assim conseguiram acabar com o Inverno que parecia eterno. O esforço colectivo rompeu a escuridão e logrou instalar a manhã clara da Primavera.
No início era apenas um punhado de gente mas conseguiram arrastar uma multidão. Nesse momento, a multidão conheceu o doce sabor da Liberdade e da Justiça.


Todas as pessoas saltaram, saltaram e saltaram de alegria. Nunca ninguém mais conseguiu parar aquele movimento de alegria infinita.


E as ruas das cidades, das vilas, das aldeias pintaram-se de rubro. Mas não era a cor do sangue que salpicava as vielas mas sim a cor alegre dos cravos vermelhos, símbolo indelével de um país finalmente livre.
Assim se passaram 46 anos desta alegre Primavera, mais do que os anos que se viveram no triste Inverno.
No entanto, não se pode pensar que a Liberdade é uma certeza garantida. Tal como uma flor delicada, esta conquista tem que ser cuidada e acarinhada. Não nos podemos distrair porque há sempre quem queira voltar a caminhar na obscuridade. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte perante a fragilidade da nossa Liberdade. Acarinhar a tal flor delicada, regá-la, mudar-lhe a terra e deixá-la apanhar alguma luz. Só assim a Liberdade florescerá.


Todas as pessoas saltam, saltam e saltam de alegria. Nunca nada nem ninguém conseguirá parar este movimento de alegria infinita. 

 

Exercício de escrita criativa inspirado pelo tema proposto pelos Pássaros mas também inspirado pelas estranhas comemorações do aniversário da Revolução dos Cravos. Até faço alguma referência a este maravilhoso poema de Sophia.

Sigam o Desafio dos Pássaros aqui.

Desafio de escrita dos Pássaros tema 2.11

Actualizem-me

Charneca em flor, 17.04.20

Um belo dia, fartei-me da vida que levava. Tudo aquilo que eu fazia deixou de fazer sentido. Senti necessidade de fazer silêncio, virar-me para dentro para me poder encontrar. Tinha vontade de fugir de mim. Pensei fazer uma viagem para um sítio longínquo, durante uns meses. Talvez para um destino oriental, a Índia, por exemplo. Assim à semelhança do “Comer, orar, amar.” Mas nunca teria a coragem necessária para empreender numa jornada semelhante. Felizmente descobri que já havia “agências de viagens” especializadas em organizar viagens ao âmago de cada um de nós.
Assim há várias semanas isolei-me no meio do nada. Sem qualquer ligação com exterior, sem televisão, sem telemóvel, sem internet. Fiquei sozinha comigo mesma. E como é que ocupei o tempo? A ler, ouvir música, escrever e a pensar. Só assim, percebi quem era e para onde queria ir.
A empresa que organiza este retiro individual tem-me fornecido alimentos com regularidade. Nunca mais vi ninguém. A comida aparecia-me à porta pela manhã e é tudo.
Comecei a sentir que era chegada a hora de abandonar este meu retiro voluntário. De qualquer modo, a equipa das entregas não apareceu no dia habitual. Não sei o que se estava a passar mas era tudo muito estranho. A casa possuía uma única forma de contacto com a civilização, um telefone para ligar ao coordenador do retiro. Este objecto existia por razões de segurança e era suposto ser usado apenas em casos de emergência. Eu também me sentia mais segura por saber que existia a possibilidade de chamar alguém. Só que já tinha tentado telefonar e ninguém atendia do outro lado.
Estava a ficar muito arrependida por ter entrado nesta aventura.
Até que um dia, a comida acabou. Não havia outra solução, teria que caminhar até à povoação mais próxima. Munida, apenas, com água e bolachas, lá fui eu.
E caminhei, caminhei, caminhei… até chegar, finalmente. Pelas minhas contas, estavamos numa terça-feira mas o ambiente da vila era muito estranho. Não se via vivalma. A sensação era de que se estava a chegar a uma daquelas cidade do faroeste. Na zona central, os estabelecimentos estavam quase todos fechados. Lá ao fundo via-se uma estranha fila para a farmácia. Eu não entendia o que se estava a passar. Resolvi perguntar às pessoas que esperavam na farmácia. Talvez elas me atualizassem de modo a entender esta bizarria.
Só que as pessoas fugiram de mim.

 

Exercício de escrita criativa realizado no âmbito do Desafio de escrita dos Pássaros. Força nesse isolamento social. Continuamos no bom caminho.

Desafio da escrita dos Pássaros tema 2.10

Não tenho tempo, nem paciência, para te aturar

Charneca em flor, 10.04.20

Ó SARS-CoV-2, vamos ter aqui uma conversa de pé de orelha. Quer dizer não é bem pé de orelha porque temos que respeitar com distanciamento social. Na verdade, eu vim apetrechada com máscara, touca, luvas, protecções nos sapatos e fato de protecção descartável que tu não és de fiar.
O que eu queria falar contigo era pedir, ou melhor, exigir que desapareças. Já ninguém te pode aturar.
Já viste que estás a atrapalhar a vida das pessoas?
Umas ficam doentes, muito doentes por dias a fio até não aguentarem mais e partirem. Aquelas que cuidam dos doentes ficam exaustas e às vezes acabam também por adoecer. Os sistemas de saúde de vários países estão no limite, ou já implodiram, com os problemas que essa realidade acarreta também para quem sofre de outras doenças.
Aqueles que tiveram a sorte de não serem contagiados por ti, morrem, também, um bocadinho todos os dias. Porque têm os seus negócios parados e não sabem como se vão aguentar. Porque as empresas onde trabalham entraram em lay-off e aquilo que recebem não é suficiente para fazerem frente aos compromissos que têm. Muitos não vêem nenhuma luz ao fundo do túnel.
Outros sofrem porque não podem abraçar pais, filhos, netos e avós. Ou porque estão sozinhos em casa ou porque estão em família mas já não se podem aturar uns outros. Têm ainda menos paciência para a família do que a que têm para te aturar a ti, SARS-CoV-2.
Mas vou-me deixar de divagações filosóficas. O que me chateia mesmo é que tu estás a parar a minha vida. Nem estou assim muito preocupada com os outros. O que me interessa é que eu não tenho tempo para te aturar. Exijo que desapareças de uma vez por todas porque eu tenho sítios para ir e agora não posso. Quero passear na praia, quero ir almoçar num restaurante com vista para o mar, quero planear a comemoração do meu aniversário com a certeza de que vou conseguir concretizar os meus planos. Já me estragaste as férias das Páscoa. Vê lá se ficas por aqui. Ainda tenho muitas paragens para conhecer, sítios para ir, aventuras para viver e é por isso que eu não tenho mesmo tempo para aturar o teu mau feitio. Desaparece de uma vez e vai para a caverna de onde nunca devias ter saído. Tenho dito.

 

Texto criativo escrito no âmbito do Desafio de escrita dos Pássaros. Podem seguir o desafio aqui.

 

Desafio de escrita dos Pássaros tema 2.9

Eureka. Tive uma ideia

Charneca em flor, 03.04.20

Eu sonhador – Esta quarentena não tem que ser um acontecimento desagradável. Tenho imensas ideias para ocupar o tempo.

Eu pragmático – Imagino, vais passar horas alapada no sofá.

Eu sonhador – Nem penses. Já tenho uns planos bem originais para concretizar. De certeza que ainda ninguém se lembrou de fazer as coisas que eu estou a planear.

Eu pragmático – Achas mesmo? Já fui tudo inventado. Mas venham de lá essas ideias “originais".

Eu sonhador – Vou fazer exercício na varanda. É comprida, até dá para correr de uma ponta à outra.

Eu pragmático – Tenta outra vez. Essa não é nada original. Há milhares de pessoas a fazerem isso. E uma mandriona como tu a fazer ginástica era algo inaudito.

Eu sonhador – A sério? Então vou voltar a fazer pão, de certeza que ninguém têm paciência para isso. E uns bolos também. Comida fica lindamente nas redes sociais.

Eu pragmático – Boa sorte. A farinha e o fermento já estão esgotados há semanas. Depois da correria ao papel higiénico, o açambarcamento chegou à farinha. Coisas que não se compreendem.

Eu sonhador – Sendo assim, não é uma ideia assim tão original, realmente. E directos no Instagram para contar a minha experiência de confinamento?

Eu pragmático – Esquece. Isso está a ser uma praga pior do que a pandemia. Não sei em que mundo é que vives.

Eu sonhador – Já sei. Vou aderir ao Tik Tok e fazer vídeos divertidos para pôr as pessoas a rir.

Eu pragmático – Oh, mulher. Tu não és nada original. Essa é outra praga.

Eu sonhador – E lançar um desafio nas redes sociais? Por exemplo, ir para as janelas ou para as varandas bater palmas aos profissionais de saúde.

Eu pragmático – Isso também já foi banalizado.

Eu sonhador - Desenhos inspiradores na janela.

Eu pragmático – Idem. Desiste. Não vais conseguir ter uma ideia original.

Eu sonhador – Pois, deves ter razão. Se calhar, é melhor fazer a minha vida normal e ficar quieta no meu canto.

Eu pragmático - Agora é que acertaste. Isso sim, é uma ideia invulgar. Ninguém se lembrou disso.

Embora com algum atraso, aqui está mais uma participação no Desafio de escrita dos Pássaros. Agora para seguirem o desafio é passarem por aqui.

Desafio de escrita dos Pássaros tema 2.8

Foi tão bom, não foi

Charneca em flor, 23.03.20

A vida corria sem sobressaltos. De manhã, os adultos iam trabalhar e as crianças iam alegremente para a escola para aprender mas também para conviverem e brincarem com os amigos. Algumas pessoas cumprimentavam-se efusivamente, com beijos e abraços, e ninguém receava a proximidade do outro.
Nas ruas circulavam carros, autocarros, eléctricos, trotinetes e muitos tuktuk's com turistas. Como estava a começar a Primavera, as esplanadas estavam repletas de pessoas que aproveitavam os primeiros dias de sol. Algumas, menos friorentas, caminhavam à beira-mar. Outras enchiam os corredores dos centros comerciais.
Ao domingo, as igrejas estavam abertas para a missa dominical, casamentos e baptizados. Mas havia sempre quem aproveitasse o tempo-livre para as compras do mês num qualquer hipermercado com prateleiras repletas de opções mais ou menos saudáveis para as refeições quotidianas.
Faltavam poucos dias para as férias da Páscoa e eu já andava ocupada com os preparativos para a viagem que faria ao sul de Espanha. O plano era acompanhar as cerimónias da Páscoa que são sempre maravilhosas no nosso país vizinho. Era tão fácil viajar porque não havia fronteiras entre nós. Os europeus faziam parte de uma grande família, a União Europeia. Era possível percorrer, sem qualquer problema, toda a distância que separa Lisboa de Helsínquia.
Recordo-me de que já estava também a organizar as férias de Verão. Era tão bom, poder descobrir inúmeros caminhos desconhecidos por esse mundo fora. Para mim, essa era a verdadeira liberdade.
Só que depois acordei e lembrei-me de que a vida era muito diferente daquele sonho tão bom e delicioso. Acordar deixou-me tão triste. Só queria continuar a dormir para não deixar de viver naquela fantasia.
Olhando pela janela reparei que não havia carros na estrada e ninguém ia trabalhar ou para a escola. O mundo real era completamente diferente do meu mundo sonhado. As poucas pessoas que andavam na rua, caminhavam isoladamente esforçando-se por deixar uma distância segura entre elas e os outros que também cirandavam por ali. Um ou outro indivíduo usava máscara e luvas nas mãos. Tudo isto é fruto da nuvem negra que paira sobre a humanidade por estes dias. Sim, a doença de que todos falam é como uma neblina que cobre tudo transformando o mundo num lugar triste e cinzento. Por isso, foi tão ter vivido aquele sonho esta noite. Por momentos, consegui fugir desta dura realidade.

 

Texto criativo escrito no âmbito dos desafio lançados pelos Pássaros

O meu tempo é limitado mas vou fazer um esforço por participar para manter alguma normalidade nesta surrealidade que nos rodeia.

 

Let’s make blogs great again!

Desafio de escrita dos Pássaros tema 2.7

Elogio Fúnebre à Charneca em Flor

Charneca em flor, 13.03.20

Aqui jaz Charneca em Flor
Neste fim de vida
Perdeu o viço mas não a cor
Pintando os vossos rostos chorosos
Com as mais belas cores do amor.
Em muitos obstáculos tropeçou
Mas nenhum a derrubou
Nem nos momentos mais sombrios
A sua luz se extinguiu
A sua força interior persistiu.
Muitos sonhos ficaram por cumprir
Mas a vida foi muito maior
Do que julgava a sua vã imaginação.
Tolerância, humildade e rectidão
Eram os atributos do seu coração
Todos salpicados pela sua simpatia
E pelo brilho do seu sorriso.
Errou vezes sem conta
Claro que não era perfeita
Perdeu a calma com frequência
Mas nunca guardou rancor
Guiada que era, pela lei do amor.
Eterna apaixonada pela sua profissão
Se calhar, até um pouco viciada
Deu sempre o seu melhor
E a sua total e inteira dedicação
Gostava genuinamente de pessoas
Os seus utentes recordá-la-ão
Com eterna, sentida saudade
E verdadeira amizade.

Desafio de escrita dos Pássaros tema 2.6

Oh, não, um vírus outra vez!

Charneca em flor, 06.03.20

Última hora: A Organização Mundial de Saúde (OMS) acaba de declarar que identificou um novo vírus. A disseminação deste agente é extremamente rápida e atinge pessoas de qualquer idade.


Não, não estamos a falar do Covid-19 embora tenha aparecido, de algum modo, associado ao vírus que surgiu a Oriente.
As pessoas que sofrem desta nova patologia viral não têm nem febre, nem tosse, nem espirros nem sequer dores musculares embora se tenha detectado algumas situações de tendinite* que podem, ou não, estar relacionados com a virose.
A doença provocada apresenta uma sintomatologia nunca vista. Há que estar atento a sensações de ansiedade, medo ou mesmo pânico nos casos mais graves. Algumas pessoas têm dores de cabeça e secura ocular devido ao tempo que despendem a olhar para aparelhos electrónicos. Quem sente compulsão para comprar máscaras cirúrgicas ou desinfectantes para as mãos pode já ter sido atingido pelo terrível vírus. Os doentes foram vistos a encher o carrinho de supermercado com pacotes de leite ultrapasteurizado, água, enlatados, pacotes de bolachas, massa ou arroz, tudo em quantidades impressionantes e muito superiores às necessidades quotidianas.
A OMS tudo tem feito para tentar travar a progressão deste microorganismo virtual mas os especialistas crêem que poderá mesmo provocar uma infodemic, uma situação inédita neste século embora se tenha andado muito perto de um caso semelhante em 2009 aquando da Gripe A.
A origem do vírus ainda não está completamente estabelecida mas tudo indica que se deve à rápida difusão de informações pouco rigorosas ou mesmo falsas em variadíssimos suportes.
A melhor prevenção para evitar esta infecção é manter a distância, não só de pessoas doentes como no caso do Covid-19, mas principalmente de redes sociais como o Facebook ou o Twitter, de caixas de comentários de jornais ou mesmo de certos meios de comunicação social. A profilaxia consiste também em procurar informação em páginas fidedignas como a DGS, Direcção Geral de Saúde, o ECDC (Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças) ou a OMS.
Os especialistas daquele organismo internacional já estão a discutir uma possível designação para este novo agente patogénico. Até agora o nome que reúne maior consenso é VHE, ou melhor dizendo, Vírus da Humana Estupidez.

P. S. – Este texto é um exercício de escrita criativa mas nem tudo o que está escrito é ficção.

*Por estarem muito tempo a clicar nas teclas do computador ou no ecrã do telemóvel.

Desafio de escrita dos Pássaros tema 2.5

Sonhos dentro do sonho

Charneca em flor, 28.02.20

“O aroma a café atravessa toda a casa e chega ao quarto onde eu ainda durmo. Aquele odor que tanto aprecio desperta-me e descubro-me sozinha na cama. Por momentos, sinto-me confusa. Sou invadida pela sensação de que este é um dia especial. De repente, o meu cérebro ilumina-se. Este será um dos dias mais especiais da minha vida. Ultrapasso a preguiça, levanto-me e caminho na direcção do aroma. Quando chego à cozinha, sou recebida pela luz difusa do dia que nasce e pelos sorrisos dos meus filhos gémeos. O pai deles tinha preparado, amorosamente, o meu pequeno-almoço preferido. As três pessoas que mais amo na vida tinham feito tudo para que eu me sentisse a mais adorada das mulheres. Tudo aquilo que alcancei a eles o devo. Para eu realizar o meu sonho, abdiquei de muitas horas em família. Nem o pai nem os filhos me cobraram a atenção que não lhes pude dispensar.
De seguida vou ultimar os preparativos para o meu grande momento. Vou cuidar de mim para que, mais logo, possa estar no meu melhor.
Sei que vou estar rodeada de amor. Toda a minha família estará comigo. Vai ser maravilhoso perder-me no abraço da minha avó já tão velhinha. Também poderei contar com o apoio incondicional dos meus pais. O caminho que percorri para chegar até aqui distanciou-se muito do percurso que o meu pai sonhou para mim. Mas cada um deve ser o dono da sua própria vida. Só eu sou responsável por aquilo que desejei. E sei que, dissimulado pela sua aparente desconfiança, ele sente um imenso orgulho da sua menina. A ponto de ter organizado um almoço para juntar a família na celebração deste acontecimento.
Nem nos meus maiores desvarios imaginei ser possível viver esta imensa alegria. Ainda me custa a acreditar. Hoje, ao fim da tarde, vou receber o Prémio Literário Raízes Profundas que premeia autores que publicam um primeiro romance depois dos 40 anos. O reconhecimento dos meus pare é extremamente motivador mas o prémio possibilita-me dar uma reviravolta à minha vida e dedicar-me à escrita a 100%.”
E depois acordei. Sim, foi um sonho feliz mas tratou-se apenas de uma fantasia do meu inconsciente. Aquela seria uma bela vida mas a que tenho também me faz sentir plena e abençoada. Nunca imaginei aquilo que tem sido a minha existência. Nem nos meus maiores sonhos. E ainda bem que é assim.

 

P.S - Este texto é um exercício de escrita criativa escrito no âmbito do Desafio dos Pássaros.

O tema era: Acordas e tudo o que mais desejavas realizou-se: conta-nos o teu dia