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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Desafio de Escrita dos Pássaros 3.0

Caramba, quase que conseguia!

Charneca em flor, 18.06.21


Eis que chegou, finalmente
A encomenda tão ansiada
Demorou, francamente
Até andava agoniada

Tenho o coração acelerado
Tal é a minha expectativa
Pelo conteúdo imaginado
Na minha mente criativa

É agora, o saco vou abrir
Ai, que não consigo
Um golpe vou desferir
Para descobrir o artigo

Por agora, está preso
Vou buscar uma faca
Para este pacote coeso
Cortei-me, estou fraca

O sangue começa a correr
Mas nada acontece
Não mais o que fazer
Isto já me enlouquece

Talvez esta tesoura
Me possa ajudar
Mas que grande loucura
Já não consigo lidar

Ufa, será que vou tê-la?
A encomenda resistente
Espero conseguir protegê-la
De atenção é carente.

 

A brincadeira,desta vez, é em forma de verso para responder ao Desafio dos Pássaros.

Desafio de Escrita dos Pássaros 3.0

Não aguento mais contigo!

Charneca em flor, 04.06.21

A mulher estava sentada à sua secretária diante do ecrã em branco do seu velho portátil. O seu cérebro divagava tentando encontrar o fio condutor para a história que queria escrever. No entanto, as palavras escapavam-se-lhe por entre as circunvoluções do seu cérebro. Todas as ideias que lhe surgiam, pareciam estapafúrdias. Numa vã tentativa de busca pela inspiração, levantou-se e olhou para a rua através da sua janela. As pessoas afadigavam-se no seu caminho para o trabalho, fosse a pé ou de carro.

Apesar de ser dia de trabalho para os outros, Maria estava em casa, de folga. Aquele dia parecera-lhe o ideal para compôr o texto a que se comprometera mas as palavras certas teimavam em fugir-lhe.

De repente, soube aquilo que iria escrever. Voltou a sentar-se à secretária e começou a bater nas teclas, furiosamente, como se temesse que a inspiração lhe voltasse a escapar. O exercício de escrita correu de feição até surgir uma palavra começada pela letra “F". O teclado do ultrapassado computador portátil funcionava pior a cada dia que passava. De vez em quando, uma letra ou outra deixava de funcionar mas, naquele momento, o “F" começou a funcionar desalmadamente tornando várias linhas do seu texto numa sucessão de “F's". Irritada, ela apagou as letras repetidas e voltou a tentar escrever o texto fantástico que tinha na cabeça. E os “F's" voltaram a surgir. Ela apagou-os de novo. Tentou arranjar um sinónimo para a palavra que pretendia escrever para tentar escapar à letra exasperante. Com alguma atenção conseguiu não tocar na tecla proibida. A inspiração voltou a conduzir as suas mãos e ela deixou-se ir. Tão envolvida estava pelas palavras que se distraiu e voltou a tocar no tal quadradinho de plástico. E os malvados “F's voltaram a encher a página.

Sem mais paciência para aquele traste, gritou:

- Não aguento mais contigo! – afirmou, enquanto o atirava para longe.

O pobre portátil embateu na parede e desintegrou-se, espalhando teclas, pedaços de ecrã bem como todos os outros componentes que o constituíam.

Ela apercebeu-se, imediatamente, de que a sua impulsividade lhe tinha arranjado um grande problema. Como é que ela ia terminar o desafio proposto pelo Desafio de Escrita dos Pássaros sem o seu velhinho computador?! Já não funcionava muito bem mas era o único que tinha.

 

Mais uma brincadeira escrevinhadora respondendo a este Desafio.

Desafio de Escrita dos Pássaros 3.0

Afinal havia outro... fogão

Charneca em flor, 21.05.21

A chave rodou na fechadura com alguma dificuldade o que não me surpreendeu. Afinal, aquela porta já não devia ser aberta há anos.

Durante muito tempo não fui capaz de entrar na casa da minha avó onde passei os momentos mais felizes da minha infância. Mas desde dia negro da “zanga", nunca mais vi a minha avó. Os meus pais levaram-me para longe, cresci e fui-me esquecendo desta pessoa que tanto me amou. Só que ela nunca se esqueceu de mim deixando a sua casa como herança. O meu coração foi invadido pela culpa por ter deixado que a minha avó partisse sem sentir, novamente, o meu abraço e levei anos a decidir voltar aqui.

Depois de algum esforço , lá abri a porta para poder entrar. Logo ali, na entrada, fiquei envolvida, dos pés à cabeça, em teias de aranha. Encontrei uma janela que estava tão perra como a porta. Abri-a permitindo que a claridade do dia iluminasse aquele cenário desolador. Os móveis estavam protegidos com lençóis velhos e plásticos mas, em cima deles, repousava uma espessa camada de pó.

Continuei a explorar a casa da qual me recordava vagamente. Quando encontrei a cozinha, lembrei das muitas horas que passava com a minha avó a cozinhar. Só que aquela cozinha é-me estranha. Não reconheci aquele fogão ou aquela bancada por mais que rebuscasse na minha memória. Não consegui visualizar a minha avó naquele espaço. Talvez a cozinha tivesse sido remodelada.

Olhei através do vidro baço da janela e reparei numa outra construção diante da cozinha. Por coincidência, ou talvez não, ao lado da porta estava uma chave identificada com “cozinha do quintal”. Será…

Meia dúzia de passos separavam a casa principal daquele anexo. Assim que me aproximei, senti-me invadida por uma sensação de conforto. Estranhamente entrei, com relativa facilidade, e comigo entraram também os raios de sol que fizeram brilhar algo que se encontrava em frente da porta. Foi então que o vi, tão reluzente como se fosse novo, o fogão a lenha da minha avó. Só nesse instante é que as recordações regressaram em catadupa. Senti a presença da minha avó visualizando-a enquanto mexia os tachos confeccionando comida reconfortante que me enchia o estômago e a alma. Caí de joelhos diante do fogão a lenha da minha avó e chorei pelo tempo irrecuperável que passei longe dela. 

Pela porta entrou uma brisa que me abraçou e enxugou as lágrimas. Só podia ser a minha avó. Finalmente reconciliei-me com o passado e resolvi começar a limpeza pela maravilhoso fogão da minha avó. Só faltava aprender a cozinhar ali e assim honrar-lhe a memória, entre tachos e tachinhos.

 

Aqui está a minha resposta ao Desafio dos Pássaros.

 

Desafio de Escrita dos Pássaros 3.0

Tema 1 - Foi o que ouvi

Charneca em flor, 07.05.21

Pela fresca da manhã, a Ti Catrina varria a rua à frente da sua porta. “ Quando o presidente da junta passar por aqui tenho que lhe dizer que os varredores de rua nunca põe cá os pés, quanto mais a vassoura”, pensava ela enquanto manejava a sua. Com o barulho que fazia, nem ouvia os passos arrastados que se aproximavam:

- Bom dia, Ti Catrina. Anda varrendo?

A outra deu um pulo assustada.

- Ai, comadre, que a vi. Já lhe punha os olhos em cima há que tempos. Tem estado doente? me diga que apanhou aquela maleita que veio da estranja.

- Cruzes, credo. Nem me fale nesse bicho. O meu filho se cala com isso. Sempre a dizer que tenho que me meter em casa. Se ele sonha que eu saí, vai ficar azedo como um limão.

- Os meus filhos são iguais. Sempre em fezes por causa desse conovírus ou como é que se chama essa coisa. Então e onde vai a Ti Jaquina? Ao médico?

- Ao médico?! O posto médico está sempre fechado. sei onde se meteu o doutor. Ando aqui com umas dores no lombardo há um ror de dias.

- No lombardo?! será na lombar?!

- É isso, é. Até fui ali à doutora da farmácia e ela deu-me uns pusitórios e uns emplastrios mas estou nada melhor. Disseram-me que há ali um endirêta na rua de baixo que é mûta bom.

- Um endirêta aqui na terra?!

- A Ti Maria Carraça diz que apareceu aí, vindo lá de Lisboa com a filha do falecido Ti Chico da Fonte. Estão a viver na casa do falecido. Diz que vão arranjá-la. A cachopa disse à Ti Maria que estavam fartos de Lisboa e com medo do conovírus e fugiram para cá. Só que a Ti’Anica diz que fugiram doutra coisa.

- Atão e como é que ela sabe?

- A Joana que trabalha na televisão, a filha da Ti’Anica, conhece bem a cachopa do Ti Chico. Diz que foi uma escâdaleira. Fugiram de Lisboa para se amigarem.

- E fugiram de quê?

- Atão não se alembra? A cachopa era casada com um figurão da política com muito mau feitio. Mas a Ti’Anica diz que isso nem foi o pior. O tal endirêta é muito mais novo do que ela e namorava a neta do Ti Chico. A cachopita anda a estudar nessas medicinas novas, alternadeiras ou como é que se chamam.

- Grande pouca vergonha. Então e a Ti Jaquina vai-se meter na casa de gente dessa?

- Ó comadre, desde que passem as dores… quero lá saber em que cama é que o hôme se deita. Se ele afagava a mãe e a filha deve ter muito jeitinho naquelas mãos.

E a Ti Jaquina lá seguiu o seu caminho. A Ti Catrina?! Foi bater à porta da vizinha para lhe contar a sem vergonhice que se passava na casa do Ti Chico.

 

P.S. - Como é Primavera, a passarada voltou a voar através da escrita. Não podia deixar de responder ao desafio deste pardalito. Este tema levou-me às conversas que ouvia quando ia ao Alentejo na minha infância mas também me inspirei nas palavras engraçadas que ouço lá na farmácia. Não é uma obra-prima da literatura mas espero que se divirtam.

 

P.S.2 - tinha-me enganado na hora da publicação. Reposto.