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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

"Deus Pátria Família", Hugo Gonçalves

Charneca em flor, 07.08.21

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O mais recente livro de Hugo Gonçalves é muito difícil de classificar. Será um romance histórico? Uma distopia, no sentido em que apresenta uma realidade histórica alternativa? Um policial? Não se consegue classificar porque é isso tudo e muito mais. Aquilo que se percebe é uma exaustiva pesquisa histórica de modo a que a ficção engendrada pelo escritor não seja desprovida de lógica. Aliás, nem sempre se consegue perceber onde acaba a verdade histórica e começa a genial criatividade da narrativa criada por Hugo Gonçalves.

O enredo centra-se, principalmente, no Portugal do início da década de 40 do século passado embora recue aos Estados Unidos dos anos 20, ao período que se seguiu à Primeira Grande Guerra.

A historia parte da premissa de que o afastamento de Salazar do poder conduz o país a uma certa radicalização de posições com o surgimento de uma nova personalidade ao comando dos destinos do país. Esta mudança leva Portugal a abandonar a sua neutralidade no conflito europeu*, unindo-se às Potências do Eixo com as consequências que daí advêm. Na mesma altura, a personagem central desta obra, o detective Luís Paixão Leal, vê-se a braços com a investigação acerca da morte de várias jovens mulheres cujos corpos são encontrados estranhamente amortalhados.

O livro está muito bem escrito provando que o acto de escrever um livro precisa tanto de inspiração como de transpiração. A história está muito bem trabalhada levando-nos a acreditar que esta realidade alternativa criada por Hugo Gonçalves podia muito bem acontecido. As personagens foram construídas com mestria e realismo. 

Só tenho uma coisa a apontar, achei as críticas à religiosidade exageradas, embora compreensíveis dado o enquadramento social e histórico bem como à história construída só que não era preciso ir tão longe. Mas talvez seja só a minha sensibilidade judaico-cristã a manifestar-se.

Este livro é mais um exemplo de que a literatura, mais do que distracção, deve levar-nos a questionar as nossas certezas bem como a sociedade que nos rodeia e o mundo em que vivemos. A acção de "Deus Pátria Família" decorre no século passado mas, infelizmente, muito daquilo que aqui se conta podia repetir-se nos dias de hoje.

"Este é o século em que as ideologias logram aquilo que só  a religião alcançou: convencer as massas da existência de um Paraíso. Os mecanismos são idênticos, substituindo-se Deus por um líder providencial. Mas, se a religião remete o bónus do Éden para depois da morte, o fascismo e o comunismo garantem a construção desse lugar perfeito ainda em vida. Cardoso já antecipa o descalabro de tanta ilusão e ortodoxia, a entrega com que muitos seguem um sistema de ideias como num culto suicida, sem um questionamento que seja. O detetive não embarca em cruzadas políticas ou espirituais."

*Segunda Guerra Mundial 

 

Filho da Mãe, Hugo Gonçalves

Charneca em flor, 07.01.20

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"Filho da Mãe” de Hugo Gonçalves é um dos livros que mais me tocou nos últimos tempos. Já acompanho o percurso do autor há alguns anos. Lia as suas crónicas quando ele viveu no Brasil e li os seus romances “Enquanto Lisboa arde o Rio de Janeiro pega fogo" e “O Caçador do Verão”.


Olhando, agora, para aqueles 2 romances chego à conclusão que, embora sejam ficção, têm qualquer coisa de autobiográfico. É natural que a vida de um autor “contamine" a sua obra. Nunca são totalmente indissociáveis. No entanto este “Filho da Mãe” é mesmo o autor, Hugo Gonçalves. O livro mostra-nos a busca pela memória da mãe que ele perdeu quando tinha 9 anos. Tudo começa quando o autor recebe o testamento do avô materno que lhe é entregue, num saco de plástico, pela avó. Este evento é o ponto de partida para a uma viagem à infância, aos lugares, às memórias difusas que lhe permita descobrir a sua falecida mãe e, nesse percurso, encontrar-se a si mesmo.


Obviamente que o livro me tocou, em primeiro lugar, porque a minha história de vida é similar à do autor. Afinal, eu perdi o meu pai na adolescência. Mas esta obra também me toca porque vai ao encontro daquilo que eu já penso há muito. Há acontecimentos que mudam a nossa vida para sempre e, ao mudarem a nossa vida, influenciam a maneira como crescemos enquanto pessoas e determinam as escolhas que vamos fazendo ao longo da nossa construção. Perder o pai ou a mãe quando a nossa personalidade ainda está em formação deve ser das coisas mais violentas que podem acontecer a alguém.


Poder-se-á pensar que ė um livro destinado apenas, a todos aqueles que já perderam alguém mas isso seria redutor e injusto. Cada um de nós encontrará ali um pedacinho da sua própria história, seja ela qual fôr. Todos nós já passámos por um processo de luto seja por morte de pessoas queridas, de sonhos ou de relações. Mais do que um livro sobre a morte de alguém que se ama, é a história da vida que se viveu depois desse acontecimento
Há quem diga que as pessoas só morrem quando nos esquecemos delas. Hugo Gonçalves, menino da sua mãe, trouxe-a de volta à vida através das páginas deste livro. E assim ela tornou-se eterna.


“A história do luto é tão rica em aparições de fantasmas como a poesia ultrarromântica. Nunca julguei ver o espírito da minha mãe, tão-pouco senti a sua presença na casa. O que eu sentia era a brutalidade da sua ausência – inarredável, sem solução, o silêncio soprando nas veias como no interior das paredes de uma casa devoluta. Porém, muitas vezes falei com ela, fazendo uma espécie de telefonema intergaláctico, em que primeiro era preciso marcar o indicativo de um pai-nosso, e então, estabelecida a linha entre os mortos e os vivos, pedia-lhe que voltasse ou, pelo menos, e como rogava a avó Margarida durante as orações, que a sua alma estivesse na paz do Senhor. Tantas outras vezes acreditei que, ao abrir uma porta, a minha mãe estaria do outro lado. Não um fantasma, não de visita, mas para me dizer que apanhasse os carrinhos do chão, vestisse o pijama e me fosse deitar porque no dia seguinte havia escola.”

Companhia  das Letras

ISBN 978-989-665-772-7

Lotaria Literária #5

Charneca em flor, 05.01.20

"Que tu não devias nascer. Mas, olha, tu nasceste e tens saúde. Ela é que não."

Filho da Mãe

Hugo Gonçalves

Companhia  das Letras

ISBN 978-989-665-772-7

Hoje fiz batota e escrevi mais do que 1 frase. A primeira frase é muito curta por isso achei que fazia sentido acrescentar o resto. Este livro foi o último que li e ainda estou a ultimar o meu comentário. Será publicado brevemente.