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Nunca tinha lido nada de José Eduardo Agualusa embora, de algum tempo para cá, tenha alguma curiosidade pelos escritores africanos como Agualusa ou Mia Couto. Comecei a ler a medo mas foi uma boa aposta. O livro não é muito grande (184 páginas apenas) e lê-se muito bem desde que se leia com disciplina e atenção já que não se trata de um relato linear. Capítulos do enredo alternam com capítulos que contam lendas africanas, relatos de sonhos e histórias longinquas no tempo. Agualusa escreve de uma maneira muito divertida. O fulcro desta história é a pesquisa de novas palavras, neologismos, na língua portuguesa. Nesta busca acompanhamos o percurso de Iara, uma jovem linguista portuguesa, à procura da origem destes neologismos. Iara conta com a ajuda de um velho professor angolano e anarquista. Como diz na sinopse, "Milagrário Pessoal é um romance de amor e, ao mesmo tempo, uma viagem através da história da língua portuguesa, das suas origens à actualidade, percorrendo os diferentes territórios aos quais a mesma se vem afeiçoando."
Tendo em conta o cenário actual da língua portuguesa, com o tão falado Acordo Ortográfico, esta história prova que uma das riquezas da língua portuguesa é a sua diversidade, as várias maneiras de falar português em Portugal, nos vários países africanos ou no Brasil. A meu ver, este (des)Acordo vai retirar inocência à nossa língua obrigando-nos a escrever todos da mesma maneira. Não sei se Agualusa escreveu esta história a pensar nestas discussões sobre o Acordo mas foi isso que eu li nas entrelinhas e essa conclusão é da minha responsabilidade, evidentemente.
"Volto a estudar a lista. Vinte e três palavras, todas elas polidas e perfeitas, lúcidas, evidentes, e - sobretudo - imprescindíveis.
São palavras tão familiares, ou melhor, soam tão familiares, que não parecem neologismos, diz-me Iara. As pessoas ouvem-nas, e ficam convencidas de que sempre as utilizaram."
"Levou-o este necromante à Vila de Massangano, onde o apresentou a uns pássaros de voo lento e trabalhoso, forte penagem verde e azul, e uma crista púrpura na cabeça, à maneira do solidéu dos cardeais, mostrando-se tais pássaros muito àgeis nos pensamento e hábeis no falar. A partir de várias conferências com os referidos pássaros doutores, que os nativos chamam onduvas, reuniu Moisés da Conceição uma colecção de palavras extravagantes, de muita serventia, segundo me confidenciou o índio Mariano, para a boa iluminação das nações que habitam este país e, mais do que isso, da natureza da vida e dos seus maiores."