A Viagem do Elefante, José Saramago
"A Viagem do Elefante" e o Monte Branco (Alpes)
O grupo de Leitura Conjunta de Saramago escolheu, para o mês de Fevereiro, "A Viagem do Elefante". Li esta edição mais antiga que pertenceu ao meu sogro, já falecido, o que tornou a leitura ainda mais especial.
Numa das primeiras páginas do livro, o autor explica que resolveu escrever este livro depois de numa viagem à Áustria, a Salzburgo, se ter deparado com algumas imagens de madeira entre as quais figurava a "nossa" Torre de Belém. A pessoa que o acompanhava contou-lhe que o Rei português D. João III oferecera, como presente de casamento, um elefante indiano ao Arquiduque da Áustria, Maximiliano II. O pobre animal viajara desde Lisboa até Viena atravessando grande parte de Europa incluindo os Alpes. Partinda deste facto histórico, do qual não existem muitos registos, Saramago aplicou toda a sua mestria e imaginação para construir mais uma história fascinante em que os protagonistas são o elefante Salomão e o seu cornaca mas também a organização social portuguesa e europeia da época.
José Saramago escreveu este livro com a saúde num estado muito debilitado. O autor chegou a temer falecer antes de o terminar.
Não sei dizer aquilo que mais me fascinou, se a imaginação que Saramago aplicou na "reconstrução" da viagem do elefante ou a sua acutilância na análise das contradições da sociedade da época mas que continuam presentes. Saramago utilizou o exemplo desta atribulada viagem para mostrar como os ditames de quem nos governa, ou comanda, nos podem conduzir a caminhos íngremes e difíceis de percorrer como aconteceu com o elefante.
Achei admirável que um homem de quase 90 anos ainda mantivesse as suas capacidades intelectuais intactas a ponto de ser capaz de escrever um romance que tem tanto de divertido como de denunciador dos males da sociedade. E ainda ser capaz de piscar o olho aos seus leitores mais assíduos ao colocar uma referência a um dos seus livros mais icónicos.
"A Viagem do Elefante" proporcionou-me bons momentos e levou-me a viajar por essa Europa fora, sentada no dorso do elefante. É impossível não ficar apaixonada pelo Salomão, pelo seu cornaca e pela relação tão estreita que havia entre eles.
"Não se pode descrever. Realmente, o maior desrespeito à realidade, seja ela, a realidade, o que for que se poderá cometer quando nos dedicamos ao inútil trabalho de descrever uma paisagem, é ter de fazê-lo com palavras que não são nossas, que nunca foram nossas, repare-se, palavras que já correram milhões de páginas e de bocas antes que chegasse a nossa vez de as utilizar, palavras cansadas, exaustas de tanto passaram de mão em mão e deixarem em cada uma parte da sua substância vital."