Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

A ponte sobre o Drina, Ivo Andrič

Charneca em flor, 27.03.17

No Verão passado viajei para leste como aflorei aquiaqui e aqui. No penúltimo dia, que coincidiu com o aniversário do A., parei, por acaso, em Višegrad perto da fronteira entre a Bósnia e a Sérvia. Quer dizer, foi mais ou menos por acaso já que tinha planeado parar nesta cidade porque o nome me fez lembrar outra viagem (há uma cidade na Hungria com o mesmo nome) e porque estaríamos lá pela hora do almoço. Então não é que descobri que Višegrad foi o berço de um Prémio Nobel da Literatura, Ivo Andrič? Não resisti a comprar a sua obra-prima, "A ponte sobre o Drina".

pontedrina.jpg

 

DSC08357.JPG

Como os meus olhos não me permitem ler muito depressa, só terminei de lê-lo ontem. A ponte é a personagem central da trama. Tudo gira à volta dela, da sua atribulada construção, das amizades e dos amores que cresceram sobre a ponte, as festas, as desgraças ou as guerras. Em Višegrad, mais do que qualquer praça, é a ponte que é o centro da cidade.

A construção da ponte data do séc. XVI e foi mandada construir durante o domínio Otomano sobre aquela região pelo grão-vizir Mehmed-Paxá que tinha nascido ali perto. Nessa altura, os muçulmanos turcos levavam os rapazes cristãos para os converterem ao islamismo e passavam pela cidade de Višegrad. O Drina tinha que se atravessar de barco e a ponte foi construída para facilitar o transporte de pessoas e mercadorias. 

Ao longo do tempo transformou-se em testemunha muda da passagem do tempo, mas também da amizade, entre cristãos, judeus e muçulmanos que tanto vivam em harmonia como em conflito. Mais que um romance,  "A ponte sobre o Drina" faz-nos compreender um pouco melhor os acontecimentos históricos que determinaram a forma como aqueles povos viveram e todas as provações que foram passando.

A ponte lá continua, com mais ou menos mazelas, até hoje com a sua pedra branca sobre as águas verdes do Drina.

"Mas a ponte continuava sempre firme e igual a si, com a eterna juventude da qual gozam as grandes e boas obras dos homens, que não sabem o que significa mudar e envelhecer e que, pelo menos assim parece, não  partilham a sortw de todas as coisas passageiras deste mundo."

 

Espólio de Saramago na Biblioteca Nacional

Charneca em flor, 11.12.16

saramago_nobel-1.jpg

 

Ontem passaram 18 anos sobre a cerimónia em que José Saramago recebeu o Prémio Nobel. É o único Prémio Nobel da Literatura português. Um dos actos que assinalou esta efemeride foi a doação, pelas legatárias Violante Saramago Matos e Pilar del Rio, do espólio do falecido escritor à Biblioteca Nacional. A partir de agora tudo aquilo que Saramago deixou é do domínio público, todas as anotações, todos os textos inéditos incluindo o diploma do Prémio Nobel. Já em vida, José Saramago tinha expressado esta vontade como se pode perceber por este fax: a “entrega do que nunca tive dúvidas devia ter como destino a Biblioteca Nacional. […] Um dia destes, com vagar, vou dar uma volta aos meus desordenados arquivos. Há cartas, papéis, manuscritos que não tenho o direito de conservar como coisa minha, pois pertencem a todos” (Saramago, em fax à Diretora da BN, 22 de março de 1994). 

Assim, este património passa mesmo a ser de todos.

saramago_nobel.jpg

 

Até sempre, Gabriel Garcia Marquez

Charneca em flor, 17.04.14

 

Hoje perdemos um dos grandes génios da literatura, Gabriel Garcia Marquez. "Cem anos de solidão" é um dos livros da minha vida, é um livro que nos preenche e que não conseguimos parar de ler. Dei por mim tão envolvida pela história que já sentia que também fazia parte dos Buendía.

 

Imagino Gabriel Garcia Marquez a passar a eternidade rodeado das muitas personagens fantásticas que criou durante a sua longa vida literária e num mundo fantástico como os ambientes que ele soube tão bem retratar. As imagens que nos chegaram dele através da televisão mostram, invariavelmente, um homem de sorriso afável e com um ar feliz. Espero que ele tenha enfrentado a morte com o mesmo sorriso luminoso. Que descanse em paz. Seja como for ele já se eternizou...

 

O Vício de Ler


O vício de ler tudo o que me caísse nas mãos ocupava o meu tempo livre e quase todo o das aulas. Podia recitar poemas completos do repertório popular que nessa altura eram de uso corrente na Colômbia, e os mais belos do Século de Ouro e do romantismo espanhóis, muitos deles aprendidos nos próprios textos do colégio. Estes conhecimentos extemporâneos na minha idade exasperavam os professores, pois cada vez que me faziam na aula qualquer pergunta difícil, respondia-lhes com uma citação literária ou com alguma ideia livresca que eles não estavam em condições de avaliar. O padre Mejia disse: «É um garoto afectado», para não dizer insuportável. Nunca tive que forçar a memória, pois os poemas e alguns trechos de boa prosa clássica ficavam-me gravados em três ou quatro releituras. Ganhei do padre prefeito a primeira caneta de tinta permanente que tive porque lhe recitei sem erros as cinquenta e sete décimas de «A vertigem», de Gaspar Núnez de Arce.

Lia nas aulas, com o livro aberto em cima dos joelhos e com tal descaramento que a minha impunidade só parecia possível devido à cumplicidade dos professores. A única coisa que não consegui com as minhas astúcias bem rimadas foi que me perdoassem a missa diária às sete da manhã. Além de escrever as minhas tolices, era solista no coro, desenhava caricaturas cómicas, recitava poemas nas sessões solenes e tantas coisas mais fora de horas e de lugar que ninguém entendia a que horas estudava. A razão era a mais simples: não estudava.

No meio de tanto dinamismo supérfluo, ainda não entendo por que razão os professores se interessavam tanto por mim sem barafustar com a minha má ortografia. Ao contrário da minha mãe, que escondia do meu pai algumas das minhas cartas para o manter vivo e outras mas devolvia corrigidas e às vezes com os parabéns por certos progressos gramaticais e o bom uso das palavras. Mas ao fim de dois anos não houve melhorias à vista. Hoje o meu problema continua a ser o mesmo: nunca consegui entender por que se admitem letras mudas ou duas letras diferentes com o mesmo som e tantas outras normas sem razão.

Gabriel García Marquez, in 'Viver para Contá-la'

"A tia Julia e o escrevedor", Mario Vargas Llosa

Charneca em flor, 31.03.14

Este livro morava há algum tempo na minha estante aguardando o momento certo. Mario Vargas Llosa ganhou o Prémio Nobel em 2010 e este romance data de 1977. É uma história fantástica, divertida e autobiográfica. A história do jovem Marito mistura-se e confunde-se com as histórias escritas pelo escrevedor, Pedro Camacho, autor de sucesso de radionovelas. Marito procurava o seu caminho na vida entre o trabalho numa estação de rádio e o curso de Direito que nunca chegou a terminar. Reencontra a tia Julia, divorciada, irmã da mulher do seu tio, por quem se apaixona apesar da diferença de idade e da oposição da família. Através dos capítulos acompanhamos todas as peripécias desta atribulada relação. Ao mesmo tempo, Mario Vargas Llosa conhece Pedro Camacho, que escreve guiões para radionovelas de modo quase compulsivo. Pedro Camacho torna-se, para Mario Vargas Llosa, um exemplo de dedicação à escrita. As delirantes histórias de Pedro Camacho vão aparecendo, naturalmente, no meio dos capítulos autobiográficos tornando-se difícil seguir o fio à meada. Típico de alguns autores sul-americanos...

 

 

"Os amores com a tia Julia continuavam de vento em popa, mas as coisas iam-se complicando porque se tornava difícil manter a clandestinidade. De comum acordo, para não provocar suspeitas na família, tinha reduzido drasticamente as minhas visitas a casa do tio Lucho. Só continuava a ir com pontualidade ao almoço das quintas-feiras. Para o cinema à noite inventávamos várias artimanhas."

 

 

"Não eram instruções o que lhes distribuía, pelo menos no sentido prosaico de indicações concretas sobre como dizer as suas deixas - com mesura ou exagero, devagar ou depressas -, mas sim, segundo era o seu costume, pontificando, nobre e olímpico, sobre profundidades estéticas e filosóficas."

"Amada Vida", Alice Munro

Charneca em flor, 02.02.14
Não tenho por hábito, nem curiosidade, procurar os livros do vencedor do Prémio Nobel da Literatura. Tem sido atribuído a escritores que o comum dos leitores, em que eu me incluo, normalmente não conhece. No entanto, em relação ao Nobel de 2013, ouvi e li umas quantas opiniões, algumas muito contraditórias. Tanto se disse que Alice Munro era a mestra do conto como se disse que a sua escrita e as suas histórias eram provincianas e versavam, apenas, uma determinada região do Canadá. O que é certo é que fiquei curiosa, não só pelas críticas, mas também pelo facto de os seus contos se passarem no Canadá porque, em 2009, passei 1 dia no Canadá entre as Cataratas do Niagara e Toronto e fiquei com muita vontade de conhecer este belo país. Como ainda não houve essa possibilidade, ler também é uma maneira de viajar. Posto isto lá me dispus a ler este livro. Como andei ocupada com outras coisas, demorei imenso tempo a terminá-lo. Não posso dizer que não tenha gostado mas soube-me a pouco para um Nobel. Talvez eu tenha tido azar com a obra que escolhi mas é suposto o Nobel premiar toda a obra, não é verdade? Se compararmos com Gabriel Garcia Marquez e José Saramago, por exemplo, Alice Munro saí mesmo a perder. Estes 2 Nobel foram geniais e Alice Munro é boa mas...

De qualquer modo, aqui fica um excerto: "Em jovem, eu vivia no fim de uma estrada comprimida, ou uma estrada que me parecia comprida. Atrás de mim, ao voltar para casa da escola primária, e mais tarde do liceu, ficava a vila propriamente dita, com o seu movimento e os seus passeios e a sua iluminação pública depois de escurecer. Assinalando os limites da vila, havia duas pontes sobre o rio Maitland: uma estreita ponte de ferro, onde os automobilistas tinham por vezes dificuldades em decidir quem podia atravessar e quem tinha de esperar, e outra pedonal, em madera, onde ocasionalmente faltava uma tábua, o que nos  permitia ver a àgua a correr lá em baixo, rápida e cintilante. Eu gostava daquilo , mas a tábua acabava sempre por ser reposta."