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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Parabéns, Sérgio Godinho

Charneca em flor, 31.08.20

Sérgio Godinho é mais conhecido como músico mas, se prestarmos atenção às suas letras, descobrimos poemas fantásticos. Para assinalar o seu 75° aniversário, partilho aqui a letra da sua mais recente canção.

Este "O novo normal" é tristemente actual

No novo normal
Há cidades inteiras
Por onde rasgaram
Invisíveis poeiras
Malignas benignas
Ninguém sabe se sabe
Nem que acaso ou que destino nos cabe
O novo normal
É terreno minado
De acasos
No novo normal
Caem corpos à sorte
Em valas comuns
Num silêncio de morte
Cortado somente
Por soluços distantes
Longe vão os tempos de ser como dantes
No novo normal
Nunca nada vai ser
Nunca igual

Dadas as circunstâncias
Mantenha as distâncias
Respeite os espaços
Controle essas ânsias
De beijos e abraços
Refreie as audácias e as inobservâncias

Escolha bem as audácias
Refreie essas ânsias
De beijos e abraços
Dadas as circunstâncias
Respeite os espaços

No novo normal
Nunca são contas feitas
Acordaste informado
E ignorante te deitas
E amanhã pela manhã
Será que algo mudou
(tudo) não passou de um pesadelo fugaz
Uma história do medo
Largada ao ouvido
Em segredo

No novo normal
Há grandes filas de fome
Nomes tão desgastados
Até deixar de ter nome
Até que o medo não tenha
Racionais fundamentos
E seja só um buraco negro no céu
Um horizonte de eventos
Memorial do que
Se viveu

Dadas as circunstâncias
Mantenha as distâncias
Respeite os espaços
Controle essas ânsias
De beijos e abraços
Refreie as audácias e as inobservâncias

Escolha bem as audácias
Refreie essas ânsias
De beijos e abraços
Dadas as circunstâncias
Respeite os espaços

Parabéns, Zeca Afonso (2/8/1929-23/02/1987)

Charneca em flor, 02.08.19

 

Se fosse vivo, faria hoje 90 anos. Zeca Afonso foi o autor de algumas das mais belas canções da música portuguesa. É mais conhecido pelo seu activismo, por ser um cantor de intervenção e porque a sua "Grândola, Vila Morena" entrou para a História por ter sido uma das senhas do Movimento das Forças Armadas que levou a cabo a Revolução dos Cravos. Mas nem só de canções de intervenção vive a sua obra que perdura até hoje. É quase impossível ter crescido no pós-25 de Abril e não ter crescido com a sua música. Faz parte do imaginário daqueles que têm, hoje 40/50 anos.

Muitas das suas canções têm letras escritas por ele. Na minha opinião, para além da sua sonoridade típica, os seus poemas são excepcionais. Como este  por exemplo

Dorme meu menino a estrela dàlva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme quinda à noite é muito menina
Deixa-a vir também adormecer

 

 

A day of sun by Alexander Search

Charneca em flor, 17.06.17

 

Alexander Search é uma banda de língua inglesa que cresceu na África do Sul, mas que está radicada na Europa, mais concretamente Portugal, "paraíso à beira mar plantado" como dizia o seu maior poeta, Fernando Pessoa. A sua música mistura influências da indie-pop, música electrónica e rock. As letras foram escritas maioritariamente por Alexander Search, membro da banda que morreu tragicamente ainda jovem, mas que granjeia o respeito e admiração dos seus pares como "the greatest conquerer of the beauty of words", o maior conquistador da beleza das palavras.

Augustus Search é o compositor de serviço da banda, toca piano e sintetizadores e faz a direcção musical. Benjamin Cymbra é um cantor extraordinário e traz na sua voz a garra rock n'roll do passado e as angústias e esperanças do presente. O futuro "é a possibilidade de tudo", dizia também Pessoa.

Sgt. William Byng comanda a vertente computacional e electrónica. Marvel K. tem uma guitarrada cortante e espacial. E Mr. Tagus, ex-baterista de jazz, ainda tem na música e 'groove' de África uma das suas maiores riquezas.

Alexander Search é uma banda que gosta de ousar, impaciente, à procura, sempre à procura, da quintessência. Nunca o conseguiu. Este é o disco de mais uma tentativa falhada.

 

É com estas palavras que Júlio Resende e companhia definem o seu novo projecto. Alexander Search é um dos heterónimos ingleses de Fernando Pessoa. Júlio Resende musicou esses poemas e convidou Salvador Sobral para os cantar assim como outros músicos para os acompanharem. Cada um deles criou também um heterónimo à semelhança do inspirador Fernando Pessoa. 

"A day of sun" é o primeiro single deste trabalho e é, sem dúvida, o poema indicado para o dia de hoje, um excelente dia de sol.

 

DAY OF SUN

 

I love the things that children love

        Yet with a comprehension deep

That lifts my pining soul above

        Those in which life as yet doth sleep.

 

All things that simple are and bright,

        Unnoticed unto keen‑worn wit,

With a child's natural delight

        That makes me proudly weep at it.

 

I love the sun with personal glee,

        The air as if I could embrace

Its wideness with my soul and be

        A drunkard by expense of gaze.

 

I love the heavens with a joy

        That makes me wonder at my soul,

It is a pleasure nought can cloy,

        A thrilling I cannot control.

 

So stretched out here let me lie

        Before the sun that soaks me up,

And let me gloriously die

        Drinking too deep of living's cup;

 

Be swallowed of the sun and spread

        Over the infinite expanse,

Dissolved, like a drop of dew dead

        Lost in a super‑normal trance;

 

Lost in impersonal consciousness

        And mingling in all life become

A selfless part of Force and Stress

        And have a universal home;

 

And in a strange way undefined

Lose in the one and living Whole

The limit that I call my mind,

The bounded thing I call my soul.

17-3-1908

 

 

 

 

 

Romance(s),

Charneca em flor, 16.05.15

Já, anteriormente, falei de poemas que se tornam canções. Desta vez quero falar de um encontro de 3 artistas que vêm de áreas diferentes mas que uniram os seus vários talentos para dar origem a este(s) Romance(s). A voz de Aldina Duarte, o génio literário de Maria do Rosário Pedreira (escritora e editora) e o talento musical de Pedro Gonçalves (Dead Combo) não poderiam ter resultado melhor. Maria do Rosário Pedreira escreveu  a história de um triângulo amoroso em verso ao longo de 14 fados a que Aldina Duarte deu a sua voz sublime. Ontem à noite, esta história foi a minha companhia durante a viagem de 1 hora que tive de fazer. E que companhia excelente. O ideal é ouvir do primeiro ao último fado mas, por agora, mordam "A maçã de Adão"

 

 

 

Tiago Bettencourt canta Sophia

Charneca em flor, 23.02.14

Hoje publico mais um post dedicado ao tema "Poemas que se tornaram canções". Faz parte de um projecto de Tiago Bettencourt "Tiago na toca e os poetas" em que o músico deu vida a poemas dos nossos melhores autores. Escolhi o poema de Sophia de Mello Breyner Andresen porque, esta semana, a Assembleia da República decidiu, em boa hora, pela transladação da poetisa para o Panteão Nacional.

 

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação
Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão
Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo da ameaça.