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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

"rapariga, mulher, outra", Bernardine Evaristo

Charneca em flor, 06.04.21

Há algum tempo que eu me apercebi que leio, maioritariamente, livros escritos por homens. Daí ter feito algumas tentativas de privilegiar obras escritas por mulheres. Nos últimos meses tenho ouvido, recorrentemente, que se lêem muitos livros escritos pelo típico homem branco, heterossexual e ocidental. Assim quando peguei neste livro percebi que era uma excelente oportunidade para uma leitura que rompia com este estereótipo. Teria sido uma excelente opção para o clube de leitura, no passado mês de Fevereiro, cujo propósito era ler um livro fora da minha zona de conforto.

A autora, Bernardine Evaristo, é anglo-nigeriana e já tem obra extensa e abrangente em termos de género literário. Este romance, “rapariga, mulher, outra" foi galardoado com o Man Booker Prize de 2019, foi considerado livro de ficção do ano do British Book Awards 2020 (e a sua autora foi considerada autora do ano), foi, ainda, finalista do Women's Prize de Ficção de 2020 e do Orwell Prize de Ficção Política de 2020. Com todo este reconhecimento, comecei a ler este livro com muita expectativa.

Tal como o título indica, esta é um livro sobre mulheres, maioritariamente negras, com vivências diferentes mas que têm em comum a multiculturalidade resultante da diáspora e do colonialismo britânico. As personagens centrais são doze e a autora conseguiu construir estas personagens com bastante densidade. É-nos dado a conhecer as suas histórias de vida, as suas relações amorosas e de amizade bem como a batalha que cada uma empreende para encontrar o seu lugar na sociedade. No entanto, mais do que um romance ou um conjunto de histórias, este livro é um manifesto político que aborda temas intemporais como a orientação sexual, a identidade de género, a violência doméstica, o racismo estrutural ou quotidiano, a falta de oportunidades ou a pobreza, física e de espírito. Nem o Brexit foi esquecido.

O livro lê-se muito bem até porque a escrita de Bernardine é muito cativante e divertida e é fácil identificarmo-nos com as situações vividas pelas personagens mesmo para quem tem uma realidade muito diferente daquelas que são retratadas nesta obra. Até o grafismo do livro saí fora daquilo que são os parâmetros normais de um romance havendo, nalgumas partes, uma interessante distribuição das palavras nas páginas.

Para mim, foi também uma lição de tolerância e empatia e essa é uma das funções da literatura que faz cada vez mais falta neste mundo confuso em que vivemos.

 

"esta criatura indómita que habita este lugar selvagem, com cabelos cor de metal e uns olhos ferozes que se cravam em nós

é mãe dela

são o mesmo

são feitas do mesmo

que interessa a cor da pele? porque chegou a achar que isso interessa?

neste momento o que ela sente é tão puro e primevo que quase a esmaga

são mãe e filha e uma e outra estão a reajustar toda a ideia que faziam do seu eu

a sua mãe está tão perto que pode tocar-lhe

chegou a temer não sentir nada, ou que a mãe não demonstrasse ter-lhe amor ou afeto e fosse fria

mas como se enganou, estão as duas com os olhos rasos de lágrimas e é como se os anos estivessem a andar muito depressa para trás até que deixa de existir tudo o que uma e outra viveram

não importa o que sentem ou dizer seja o que for

só importa que estão ali

juntas."

 

Esquerda e Direita Guia Histórico para o Século XXI, Rui Tavares

Charneca em flor, 16.03.21

ESQUERDA-E-DIREITA.jpg

Como já referi aqui, no mês passado foi proposto, no desafio Uma Dúzia de Livros, ler um livro fora da nossa zona de conforto. Alguns dos participantes sugeriram este pequeno livro de Rui Tavares que me despertou alguma curiosidade. Como é muito raro ler algo para além de ficção ou biografias, achei que um livro sobre política também saía da minha zona de conforto. E assim foi. O mês de Fevereiro, apesar de ser o mais pequeno, permitiu-me ler 2 livros para o desafio.

Sempre me considerei uma pessoa com consciência política mas, como é óbvio, não sei tudo. Tento manter-me minimamente informada e gosto de ter uma visão abrangente de todos os quadrantes.

Este livro permitiu-me perceber algumas das principais diferenças entre a esquerda e a direita em termos políticos bem como entender o momento histórico a partir do qual se começou a estruturar a sociedade nestes termos.

O autor também explicita porque é que continua a fazer sentido, ou quiçá cada vez mais sentido, falar em esquerda e direita. 

Não quer dizer que Rui Tavares me tenha trazido conhecimento totalmente novo   mas ajudou-me a consolidar algumas ideias.

A única crítica que eu gostaria de fazer é o facto de o texto ser influenciado pela postura política, nunca escamoteada, do autor Rui Tavares. Tendo em conta que o autor é historiador e que se trata de um "guia histórico", preferia uma maior neutralidade.

Falta só fazer uma ressalva ao design da editora Tinta da China. Tenho alguns livros desta editora e acho que as capas são, mesmo, muito bonitas.

"Por isso eu dizia que as tentativas de esvaziar as diferenças entre a esquerda e direita, e de negar a relevância política dessas diferenças, acabam por substituir - de forma interesseira ou não, inconsciente ou não- a democracia pela demagogia. Pois se excluirmos os pontos cardeais, as direcções de trânsito e até os mapas que tentam aproximar-se sempre imperfeitamente da realidade, a única coisa que nos resta dizer às pessoas é 《venham atrás de mim》. E essa é a figura do demagogo. Aquele ou aquela que diz 《vocês não precisam de diferenças de opinião política, venham atrás de mim porque eu sei decifrar os mercados》, ou 《venham atrás de mim porque só eu sei combater a casta》, ou 《venham atrás de mim porque eu trago o fim dos corruptos》.

A conquista civilizacional da modernidade foi precisamente a de não irmos atrás de ninguém. Nem rei, nem patrão, nem sacerdote, nem autoproclamado profeta. Lográmos chegar a um ponto em que podemos ir uns ao lado dos outros, ir por caminhos comuns ou alternativos, caminhar sozinhos até, quando e se o desejarmos."

Rei "Morto", Rei Posto

Charneca em flor, 10.04.16

Segundo o site da Presidência da República, já há novo Ministro da Cultura. Será Luís Filipe Castro Mendes, atual Representante de Portugal junto do Conselho da Europa em Estrasburgo. Luís Filipe Castro Mendes é um ilustre desconhecido para o comum dos mortais. Imagino que seja conhecido pelas cabeças pensantes da cultura de que eu falava neste post. Segundo esta notícia do Económico, Luís Filipe Castro Mendes, para além de diplomata, é poeta e ficcionista. Por aquilo que descobri na Wikipédia, se calhar sou eu é que sou distraída. O novo Ministro da Cultura tem muitas obras publicadas tendo até já ganho alguns prémios literários. É natural de Idanha-a-Nova onde nasceu há 66 anos. António Costa mudou de estratégia com esta nomeação. Com João Soares, o PM procurou ter alguém no Governo que representasse a facção do PS que lhe era contrária, uma vez que João Soares era partidário de António José Seguro e alguém com um grande capital político porque estave ligado ao partido desde sempre. Agora foi buscar alguém que pouca gente conhece. Vamos aguardar para ver se executa um bom trabalho nesta área. Habitualmente, os ocupantes desta pasta não conseguem agradar a toda gente, são até muito pouco consensuais porque é muito díficil lidar com os humores dos artistas. Tem um ar simpático e bonacheirão. A ver vamos.

Aqui fica um dos poemas do novo Ministro da Cultura:

Sonho

Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.
Num poço ou num cristal me debrucei.
Só no teu rosto a morte me alcançava.

De quem a morte, por terror de mim?
De quem o infinito que faltava?
Numa casa de vidro vi meu fim.
Numa casa de vidro me esperavas.

Numa casa de vidro as persianas
desciam lentamente e em seu lugar
a noite abria o escuro das entranhas
e o teu rosto morria devagar.

Numa casa de vidro te sonhei.
Numa casa de vidro me esperavas.
Fiz do teu corpo sonho e não olhei
nas palavras a morte que guardavas.

Descemos devagar as persianas,
deixámos que o amor nos corroesse
o íntimo da casa e as estranhas
cerimónias do dia que adoece.

Numa casa de vidro. Num espelho.
Na memória, por vezes amargura,
por vezes riso falso de tão velho,
cantar da sombra sobre a selva escura.

Numa casa de vidro te sonhei.
No vazio dessa casa me esperavas.

Luís Filipe Castro Mendes, in “Os Amantes Obscuros”