Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Um Prego no Coração / Natureza Morta / Vício

Paulo José Miranda

Charneca em flor, 25.03.22

Em Novembro, no início das Comemorações do Centenário do Nascimento de José Saramago, fiz o propósito de descobrir os autores cujos livros foram galardoados com o Prémio Saramago.

IMG_20220101_215207.jpg

Como é lógico resolvi começar pelo primeiro destes autores, Paulo José Miranda (PJM) que não é um autor muito conhecido. O livro premiado foi "Natureza Morta" mas só encontrei edições em que este livro vinha acompanhado com outros 2 livros uma vez que "Um Prego no Coração", "Natureza" e "Vício" são considerados uma trilogia. Apesar de PJM não escrever sobre as mesmas personagens, estes livros têm o facto de apresentarem como personagens centrais, três artistas portugueses, Cesário Verde*, João Domingos Bomtempo *e Antero de Quental*, respectivamente. Os três livros têm estilos diferentes, "Um Prego no Coração" foi escrito em estilo epistolar, "Vício" tem a forma de diário e "Natureza Morta" já se pode considerar um relato sobre a vida do músico João Domingos Bomtempo depois de ir perdendo todos os familiares e como isso influenciou a sua actividade como compositor. O autor não se debruçou, apenas, sobre vida dos artistas mas sim pela maneira como estes 3 autores se relacionam com a sua criação artística nomeadamente ao nível das dúvidas em relação à qualidade das várias produções artísticas.

Apesar de não ter sido uma leitura fácil, gostei desta experiência de leitura. Paulo José Miranda fez, quanto a mim, uma análise filosófica sobre as dificuldades que os artistas, sejam eles quais forem, enfrentam, como lutam com os seus fantasmas e como podem sofrer daquilo que se designa, hoje em dia, por "síndrome do impostor" uma vez que estes artistas mostram algumas dificuldaces e dúvidas sobre as suas capacidades e talentos.

Não é um livro para qualquer leitor e, provavelmente, se não fosse o meu propósito de conhecer melhor os autores premiados nunca teria pegado neste livro. No entanto, às vezes é bom sair da nossa zona de conforto.

"Ler, apesar de tudo, condiciona o pensar. Põe aIguma ordem nesta consciência. Não é um refugio, e uma bússola. As malditas palavras. Se, por um lado, me fazem perder, por outro, também me concedem alguma orientação. Não são palavras numa boca,são o palavras silenciosas. Palavras escritas, palavras pensadas. Na boca as palavras são naturais. Sons que dizem pedras, que dizem mar, que dizem peixe, vinho, que dizem senta-te, que dizem espera, que agradecem, que desdenham. Sem som, as palavras criam tempestades ou orientam-nos nelas. Agride-se a natureza. Há uma guerra imensa entre o som e a sua ausência."

 

*Cesário Verde era poeta, João Domingos Bomtempo era músico e compositor e Antero de Quental era poeta e escritor

Herdeiros de Saramago

Charneca em flor, 16.11.20

Espero não chegar muito tarde a casa, hoje. Pelas 22h30m quero estar à frente da televisão para assistir à série documental, "Herdeiros de Saramago". A partir de uma ideia de Carlos Vaz Marques e realizada por Graça Castanheira, a série pretende fazer um retrato mais intimista dos 11 galardoados com o Prémio Saramago. No primeiro episódio vamos acompanhar Paulo José Miranda, que foi o primeiro galardoado em 1999, e José Luís Peixoto, o mais jovem a ser premiado em 2001. 

Nos próximos episódios poderemos conhecer melhor Adriana Lisboa, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, João Tordo, Afonso Reis Cabral, Julián Fuks, Bruno Vieira Amaral, Ondjaki e Andréa del Fuego.

Não conheço todos estes autores. Dos que já li, José Luís Peixoto é aquele que conheço melhor. Aliás, sou grande, grande fã do escritor mas também da pessoa. De Gonçalo M. Tavares e Valter Hugo Mãe só li "Jerusalém" e "A desumanização", respectivamente. A obra de João Tordo conheço de forma mais extensa, principalmente, os primeiros livros e também gosto muito de Afonso Reis Cabral embora este autor ainda seja muito jovem e não tenha, ainda, muitos livros editados mas penso que continuará a dar que falar.

Quem sabe, esta série seja o gatilho para ir à procura dos livros dos outros premiados?

Pão de Açúcar por Afonso Reis Cabral

Charneca em flor, 28.09.20

1540-1 (1).jpg

 

Afonso Reis Cabral é um jovem escritor de 30 anos mas já conseguiu ganhar 2 dos mais importantes prémios literários portugueses. Com "O meu irmão" foi o vencedor do Prémio Leya em 2014. No ano passado, com este "Pão de Açúcar", juntou-se ao grupo dos mais brilhantes escritores contemporâneos de língua portugues vencendo o Prémio Saramago. Nem sempre escrever um livro premiado significa que o leitor comum o aprecie. Não faço ideia se estes livros foram muito vendidos mas eu, uma leitora comum, gostei muito de os ler. Tal como escrevi na minha análise d' "O meu irmão ", é difícil de acreditar que estas histórias, tão duras e dramáticas, existam dentro deste jovem sorridente e simpático. Na altura do Prémio Leya, tive oportunidade de trocar meia dúzia de palavras com ele e o Afonso Reis Cabral é muito afável. 

Neste "Pão de Açúcar" o autor revisitou um caso verídico que chocou o Porto bem como todo o país em 2006. Num poço da cave de um prédio abandonado foi encontrado um corpo, nu da cintura para baixo, e com marcas de agressões. Era a transsexual brasileira Gisberta e as agressões tinham sido cometidas por um grupo de jovens, alguns muito novos, que viviam na instituição Oficina de São José.

Este romance, em que se confunde a ficção com a realidade, fornece-nos o relato do ponto de vista de um dos jovens, Rafa, aquele que primeiro descobre Gi na cave do prédio que devia ter sido o supermercado "Pão de Açúcar". Como o próprio autor escreve na sua nota de agradecimento, usando as palavras da jornalista Catarina Marques Rodrigues, "Nesta história conhece-se o princípio e conhece-se o fim. Não se conhece o meio." Afonso Reis Cabral criou esse "meio" cerzindo um enredo perfeitamente plausível. Uma história dura e chocante, mas realista. Podia muito bem ter acontecido assim. Ao longo do livro conhecemos a vida da Gisberta mas também as histórias de vida dramáticas de alguns dos jovens envolvidos. Espreitamos para as péssimas condições em que os menores viviam naquela instituição de acolhimento, entretanto encerrada. Confrontamo-nos com o ponto a que pode chegar a degradação humana e percebemos que cada pessoa pode ter em si um lado mau e um lado bom. Ninguém é totalmente bom nem totalmente mau. As atitudes que tomamos individualmente podem ser totalmente diferentes daquelas que tomamos em grupo e ser determinantes para o resto da nossa vida. Apesar deste caso já se ter passado há 14 anos, continua a ser actual e faz-nos falta pensar sobre ele. Estamos ainda mais perto de que estes casos de violência contra aqueles que são diferentes se repitam. E não é por virarmos a cara que eles deixam de acontecer.

Afonso Reis Cabral teceu este enredo de maneira brilhante confirmando o talento que já se antevira n' "O meu irmão". Nem quero imaginar a pressão que ele deve sentir em frente à folha branca depois desta projecção conseguida com 2 prémios importantes no espaço de, apenas, 5 anos. Espero que tenha uma carreira repleta de sucessos. 

"Avancei às apalpadelas a tocar no frio das colunas, indiferente à herança do Pão de Açúcar e certo de que seria bom rever a Gi, reconciliarmo-nos. Voltar a cozinhar para ela, ouvir-lhe os gemidos de bicho enquanto comia o meu pão, a minha massa. De novo a ajudá-la, por fim compreendendo que os lugares certos na vida são os lugares errados. Como na cave, ao lado da Gi."

Premio Saramago 2019

Pão de Açúcar de Afonso Reis Cabral

Charneca em flor, 08.10.19

mw-320.jpeg

Acabo de saber que Afonso Reis Cabral venceu o Prémio Saramago com o seu livro "Pão de Açúcar". A obra baseia-se no caso verídico do assassinato da transexual Gisberta em 2006.

250x.jpeg

Nas palavras de Manuel Frias Martins, membro do jurí, 《trata-se de um “grande romance de um jovem autor de quem a literatura portuguesa se pode desde já orgulhar”. 》

Segundo Ana Paula Tavares, membro do júri do Prémio Saramago, o romance “lida com o espesso e confuso mundo da memória e retira do esquecimento acontecimentos que os jornais e os relatórios da polícia tinham tratado de forma redutora e parcial com silêncios e omissões que o autor se propõe aqui a revelar”.

Ainda não li este livro mas o seu romance "O meu irmão", Prémio Leya 2014, é um dos melhores livros que li na vida.

Fiquei muito feliz com a atribuição deste prémio. De certeza, que é merecido. Vou já tratar de trazer este livro para a minha colecção.