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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Cuidado com o Cão, Rodrigo Guedes de Carvalho

Audiolivro

Charneca em flor, 21.07.22

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Depois de "Margarida Espantada", voltei a ouvir um livro do Rodrigo Guedes de Carvalho. Desta feita foi "Cuidado com o Cão" e a experiência foi, ainda, mais positiva do que da primeira vez. Para já, gostei mais desta história do que da "Margarida Espantada". Ou melhor, gostei muito das várias histórias que Rodrigo conta e que parecem não se relacionar umas com as outras. A dada altura, as personagens cruzam-se e tudo faz sentido.

No início do livro, os capítulos vão-se alternando entre a história do médico Pedro Gouveia, e da sua família, e a história das gémeas Adriana e Luciana, trapezistas de circo desde a infância. O título do livro reporta-nos aos cães que vão surgindo ao longo do relato e cuja presença nos ajuda a perceber a importância que estes maravilhosos animais têm na vida das pessoas.

Rodrigo Guedes de Carvalho é um excelente contador de histórias mas se fica por aí já que neste romance aproveita para abordar temas actuais como a solidão dos idosos, exacerbada pela pandemia, a violência contra os animais, a violência doméstica ou a doença mental. Para além disso, e se conhecermos minimamente o percurso de vida pública do escritor, percebemos a influência que a música exerce sobre ele uma vez que a música é omnipresente ao longo de toda a obra. De vez em quando, parei de ouvir o livro para ir descobrir as músicas que eram mencionadas.

No desenrolar da narrativa fiquei surpreendida com os caminhos escolhidos pelo autor e o final foi mesmo surpreendente. Não posso deixar de referir que gosto muito da maneira como o autor escreve. Este livro reforçou a minha vontade de continuar a descobrir os seus livros.

Em suma, ouvir "Cuidado com o cão" foi uma excelente  experiência de leitura auditiva.

"O que mais lhe chamou a atenção ao chegar ao céu foi a árvore.
O tronco gordo rugoso, os ramos longos, pesados, uns torcidos, outros numa curva larga ascendente. Um carvalho vermelho. Quercus rubra. Está no esplendor da folhagem inimitável. Seria uma coincidencia ou a prova maior de que o esperava?Tão concentrado ficou no carvalho, tão à medida de como sempre o quis, que nem tinha ainda reparado que caminha descalço, talvez porque os pés vão sem dor ou desconforto sobre uma relva de veludo."

 

"Uma oportunidade, mesmo que pequena, talvez só isso, a chance pequenina de conhecermos a maravilha de sermos de alguém e sentirmos que alguém quer ser nosso.
E por momentos, nem que seja por um momento, um só, sabermos o que é partilhar um momento, saborear o espanto de nos esquecermos de nós por um momento, um
pequeno momento, imaginarmos que ao nosso lado um outro coração corre à mesma velocidade serena, ansioso por chegar ao mesmo lugar, onde nos espera o mesmo destino
Por um momento, um pequeno momento, um momento simples, mínimo, um grãozinho, que nos garante estarmos vivos porque alguém deseja que estejamos vivos, ao nosso lado, a tocar-nos apenas o suficiente para sabermos que não estamos sós."

 

 

 

Margarida Espantada, Rodrigo Guedes de Carvalho

Versão Audiobook

Charneca em flor, 21.11.21

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"Margarida Espantada" foi a minha primeira experiência de ficção com audiobook. Já tinha recorrido a este meio mas para não-ficção já que ouvi um livro/documentário sobre várias gerações de emigrantes portugueses em França. Acresce a particularidade de "Margarida Espantada" ser lida pelo autor, Rodrigo Guedes de Carvalho. Provavelmente devido à sua longa experiência como pivô do Jornal da Noite da SIC, Rodrigo Guedes de Carvalho tem um excelente dicção e lê com o dinamismo inerente à sua história.

O livro debruça-se pela história de uma família abastada portuguesa constituída pelos pais e 4 irmãos. Embora pudesse parecer que aquela família nunca teria problemas, a sua existência acaba por ser muitíssimo atribulada pontuado por acontecimentos trágicos. O autor aproveita esta história para abordar, de forma brilhante, temas de grande actualidade como a doença mental, a dependência e a violência doméstica. O enredo está bem concebido e as personagens foram muito bem construídas.

Um pormenor que me chamou a atenção foi o facto de cada personagem ser designada por 2 nomes próprios, Margarida Rosa, Joana Ofélia, António Carlos ou Aida Vanda são alguns dos exemplos. Para mim, este pormenor significa que cada personagem, tal como cada pessoa, têm 2 lados, o que mostram aos outros e o que guardam para si. Achei esta opção muito curiosa.

Há, no entanto, alguns aspectos de que não gostei tanto mas que, talvez, tenham a ver com o facto de ter ouvido o texto em vez de o ter lido. Por um lado, o facto de o autor/narrador repetir o título do livro sempre que iniciava um novo capítulo. Na verdade isso irritou-me um pouco e distraía-me no início do capítulo. Por outro lado, e embora algumas passagens sejam quase poéticas, acho que o autor utilizou, num ou noutro capítulo, vernáculo em exagero. Para mim não havia necessidade porque é perfeitamente possível descrever o horror e o drama sem recorrer a essa subterfúgio de linguagem. Até acredito que isso me incomodou mais por estar a ouvir em vez de ler como já disse.

Seja como fôr, este foi o meu primeiro contacto com a escrita deste autor e talvez experimente ler outros livros. Em relação aos audiobooks, a experiência também será para repetir embora não haja muitas opções em português. Uma das hipóteses seria "Cem Anos de Solidão" de Gabriel Garcia Márquez que é narrado, precisamente, por Rodrigo Guedes de Carvalho.

"Margarida Rosa decidiu logo em pequena que nada nesta vida lhe causaria dano.
Há crianças assim, muito do seu tempo é passado a desenhar planos para o que lá vem. Não é bom nem mau. Não adianta dizermos a estas crianças

- Não te rales agora com isso, tens muito tempo
porque elas não fazem caso e mesmo que fizessem não significa
que conseguissem parar.
E o que deve acontecer com os vícios, que muita gente liga às vidas adultas, gastas e desiludidas, quando na verdade talvez comecem muito cedo, essas aflições com certos pensamentos e exigências absurdas do corpo.

Margarida Rosa pôs-se a imaginar o mundo antes de realmente o conhecer. Ainda a vida se limitava a casa, escola, outra vez para casa, e em casa subia e descia escadas, sempre a cirandar desde que aprendeu a andar, sempre indecisa entre o quarto lá em cima e o jardim grande lá em baixo. A mãe percebeu cedo que a filha gostaria sempre mais de saborear trajectos do que chegar a um destino."