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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

A Nossa Vida em Sete Dias, Francesca Hornak

Charneca em flor, 02.01.22

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O mês de Dezembro já lá vai e com ele terminou o desafio "Uma Dúzia de Livros" da Rita da Nova. O último tema era "Um livro festivo". Este tema foi o que me levantou mais dúvidas porque não sabia que livro ler. A escolha acabou por recair neste livro. 

A história deste livro passa-se na época festiva entre o Natal e o Ano Novo. A família Birch é obrigada a passar sete dias em isolamento porque a filha, a médica Olívia, volta da Libéria onde esteve como voluntária no combate a uma perigosa doença contagiosa.
Cada um deles carrega um segredo que escolhe não partilhar com os outros mas a estreita convivência da imposta quarentena poderá trazer a lume muitas coisas que ficaram por dizer ao longo dos anos.
Como se não bastassem os seus problemas pré-existentes, ainda enfrentam o aparecimento de outras personagens que aumentam a tensão que o isolamento provoca entre os elementos da família Birch. Afinal, os dias de festa em família podem ser muito complicados.

O livro termina de forma um pouco inesperada mas até gostei da forma como a autora fechou a história.

Uma leitura cativante, festiva mas também dramática, com alguns apontamentos de humor e muita ironia. 

"A Nossa Vida em Sete Dias" foi um dos livros que mais prazer me deu em 2021.

"Depois de os três terem conseguido enfiar a árvore mais ou menos na vertical dentro do balde de carvão, sentiu-se melhor. A sala de visitas estava gelada, como de costume, mas Phoebe sempre adorara as suas paredes de terracota, as sancas rococó e os lustres tipo cenário de cinema. Ela e Olívia costumavam patinar de peúgas no imenso soalho encerado e brincar às casinhas na enorme lareira.

(...)

Foi até à árvore, respirou fundo e o cheiro a resina de pinheiro transportou-a aos seus sete anos - a sacudir os embrulhos com Olívia"

 

Deus-Dará, Alexandra Lucas Coelho

Charneca em flor, 01.12.21

"Deus-Dará" foi o livro que escolhi para o mês de Novembro no Desafio Uma Dúzia de Livros. O tema proposto foi "Um livro que te foi oferecido". Não costumo receber muitos livro de presente porque já compro muitos livros ao longo do ano e ninguém se arrisca a oferecer-me mais nenhum. Só que, escavando nas minhas prateleiras, descobri este livro que me foi oferecido pela editora, a Tinta da China, quando eu assinava a Granta. Vou ser franca, possivelmente nunca teria comprado este livro se não me tivesse sido oferecido o que teria sido uma grande pena.. Este desafio tem sido refrescante para mim porque me tem levado a pegar em livros diferentes daqueles que costumava ler.

Nunca tinha lido nada de Alexandra Lucas Coelho embora já tivesse ouvido falar nesta autora. Um dos meus objectivos pessoais deste ano de 2021 era, precisamente, ler mais livros escritos por mulheres por isso este livro também contribuiu para esse objectivo. Alexandra Lucas Coelho começou por ser jornalista tendo estado em zonas de conflito no Médio Oriente e Ásia Central. Já viveu em vários locais do mundo tendo sido correspondente no Brasil onde morou durante cerca de 4 anos. Presumo que essa vivência tenha sido preponderante para a realização deste livro.

Esta obra é muito difícil de catalogar. Durante a sua leitura fiquei na dúvida se era um livro de História ou se contava as histórias particulares de cada personagem. O livro está organizado em 3 grandes capítulos e 7 subcapítulos em que cada um representa um dia da semana começando à 4a. feira. As personagens principais são também 7, Lucas, Judite, Zaca, Tristão, Inês, Gabriel e Noé. O narrador acaba por ser uma espécie de personagem que, de quando em vez, nos vai interpelando directamente tornando o relato mais dinâmico. Através destas personagens, Alexandra Lucas Coelho mostra-nos a diversidade do povo brasileiro e a História da construção deste povo. A acção desenrola-se no Rio de Janeiro, ou melhor, em São Sebastião do Rio de Janeiro no tempo que antecedeu a preparação do Campeonato Mundial de Futebol e os Jogos Olímpicos. Alexandra Lucas Coelho leva-nos numa vertiginosa pelo Rio de Janeiro passando pelas favelas, pelo Corcovado ou pelo elegante bairro Cosme Velho. Mas, também, nos conduz numa fantástica viagem no tempo ao longo dos 500 anos de História, partilhados por Portugal e Brasil.

A estrutura do livro pode-se tornar algo confusa uma vez que intercala a acção propriamente dita com a abordagem histórica. Esta obra exige alguma concentração para podermos apreender tudo aquilo que a autora nos pretendeu transmitir. "Deus- dará" encaixa na categoria de livros que nos fazem pensar uma vez que desconstrói muitas das ideias feitas que temos sobre o papel dos portugueses nos Descobrimentos, na colonização e no processo da escravatura. A autora mostra-nos um retrato do Brasil numa época em que o país vivia um período de maior prosperidade na era pré-Bolsonaro e pré-pandemia. Apesar de a acção se situar há menos de 10 anos, retrata uma realidade que já se pode considerar histórica.

 

"- Mas continua a ser o presente, é o que estás a sentir, o que sente quem cá vive. Entre o seculo XVI e o fim da escravatura, Portugal tirou quase seis milhões de pessoas de Africa...

- Caramba. É o numero de mortos no Holocausto.

- E o número de habitantes do Rio, hoje. E uns quatro milhões foram trazidos para aqui, para extrair açúcar, garimpar ou ouro, diamantes. Tudo isto já em cima do extermínio dos indios. Como é possível que não haja um museu ou um memorial da escravatura em Portugal, quando nenhum pais europeu foi responsável por escravizar tantos africanos? Ou dos povos indígenas, quando demos cabo de tantos?

- Sim, nunca vejo isso nos discursos políticos.

- Se não nos virmos nesse espelho nunca seremos capazes de mudar, ir além. Acho cada vez mais que o grande problema portugues é a incapacidade de transformação . Fomos para o mundo a querer mudar os outros, e incapazes de ser mudados por eles. Ajeitamo-nos, mas nao mudamos. Enfim, longa conversa."

 

A Luz, Stephen King

Charneca em flor, 19.10.21

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Não escolho este género literário com frequência mas este mês propus-me a experimentar a ler um thriller. O tema proposto pelo clube de leitura #umadúziadelivros da Rita da Nova para o mês de Outubro foi, precisamente, "Um livro assustador"

Nem me lembrava que tinha esta edição na prateleira. A leitura não foi fácil e algumas passagens assustaram-me verdadeiramente. O que quer dizer que o objectivo deste livro foi atingido. A história está bem escrita, como é óbvio, embora se possa dizer que a época em que foi escrita está muito marcada no enredo. O autor recorreu a ideias muito diferentes para nos provocar muitos momentos assustadores. Não sei se se pode considerar uma obra intemporal mas não deixa de ser um clássico dos thrillers. O facto de este romance ter uma criança como personagem principal incomodou-me muito e quase que me levou a desistir da leitura. Isso levou a que, no início, avançasse com alguma dificuldade mas a partir de certa altura, o livro conseguiu prender-me até à última linha.

O protagonista da história é um menino de 5 anos muito especial. O pai, um homeme problemático, arranja um trabalho como zelador num hotel isolado nas montanhas que fica fechado durante o Inverno. Devido aos grandes nevões que caem naquela região, quem está no hotel pode ficar muitos meses sem falar com mais ninguém para além das pessoas que estão consigo no hotel, neste caso a família Torrance, Danny, o menino e os pais Jack e Wendy. Obviamente que este isolamento afecta qualquer pessoa sujeita a essa experiência como bem sabemos pelo último ano e meio de pandemia. No entanto, podemos dizer que o edifício antigo onde se situa o hotel Overlook também é personagem nesta história.

Apesar de ter gostado desta história, este género não é para mim. No entanto é importante sairmos da nossa zona de conforto. Afinal, não podemos ler sempre o mesmo.

"Por um momento foi incapaz de respirar, a vista tinha-a deixado sem fôlego. Estavam parados próximos do cume de um pico. Do outro lado - ninguém sabe a que distância - uma montanha ainda mais alta empinava-se no céu, com o cume recortado, apenas uma silhueta aureolada pelo sol que coneçava a pôr-se. 

(...)

Afastou o olhar do abismo quase à força e acompanhou o dedo de Jack. Podia ver a estrada agarrada à encosta daquele pináculo de catedral, com um traçado sinuoso mas sempre dirigindo-se para noroeste, ainda subindo, porém menos íngreme. Mais adiante, aparentemente cravado na própria encosta, viu os pinheiros rigidamente fixados darem lugar a um relvado muito verde tendo ao centro, contemplando tudo, o hotel. O Overlook. Ao vê-lo, tomou fôlego e recuperou a voz.

- Oh, Jack, é esplêndido!"

 

 

1984, George Orwell

Charneca em flor, 30.09.21

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Neste mês de Setembro, o tema proposto pelo clube #umadúziadelivros foi "um livro com apenas uma palavra no título". Inicialmente, pensei em ler o livro "Bela" de Ana Cristina Silva e, talvez, ainda consiga lê-lo mas acabei por pegar neste "1984" para que fosse o livro mais importante deste mês.

Esta obra, de 1949, do britânico Orson Orwell é considerado um clássico da literatura europeia. A minha edição é a que está na imagem com uma belíssima capa de autoria do artista português Vhils.

"1984" é uma obra de ficção política mas também pode ser considerada uma distopia. Nesta história o mundo está dividido em 3 grandes potências, Oceânia, a Eurásia e a Estásia. Na Oceânia, a sociedade é dominada pelo Grande Irmão e pelo Partido e organizada em 3 estratos, o Partido Interno, o Partido Externo e os "proles". Estes pertencem ao nível mais baixo da sociedade e estão fora da influência do Partido. Os membros do Partido são constantemente vigiadas através de um telecrã que, não só vigia, mas também difunde as mensagens que o Partido emite. O Partido determina todos os aspectos da vida dos seus membros, seja o trabalho, a habitação, as relações amorosas e até os pensamentos. O Partido domina tudo desde a informação, a arte, a literatura até ao próprio passado chegando a reescrevê-lo várias vezes.

Presumo que o autor tenha criado esta "sociedade" a partir daquilo que se conhecia sobre os regimes totalitários que emergiam na Europa naquela época, principalmente o regime comunista, o fascismo espanhol, italiano ou português ou mesmo o Nazismo que já tinha terminado aquando da publicação do livro. No entanto, a distopia imaginada pela mente brilhante de Orwell tem um certo paralelismo com aquilo que vivemos hoje com a utilização massiva da Internet e das redes sociais. Aderimos, voluntariamente, a uma espécie de "Grande Irmão" que parece vigiarmos até os pensamentos no sentido em que uma determinada pesquisa faz com que sejamos bombardeados com outras publicações subordinadas ao mesmo tema, por exemplo. Ou a criarmos a nossa bolha nas redes sociais que nos faz acreditar que todas as pessoas pensam da mesma maneira e que concordam connosco.

"1984" é um livro importante para compreendermos a sociedade em que vivemos mas também para termos um vislumbre do que é viver sob o jugo de um regime totalitário baseado na existência de uma única pessoa/Partido. No entanto, não é um livro para qualquer pessoa. Não quero com isto dizer que é um livro para um certo tipo de intelectuais mas que o leitor que pega neste livro deve ter algum interesse e conhecimento em Política e em História mas tem que ter uma visão abrangente e clara da sociedade em que quer viver. Para mim "1984" pode ser uma perigosa arma na mão de alguns negacionistas e chalupas que pululam por aí.

"Lá fora, mesmo através da janela fechada, o mundo parecia frio. Em baixo, na ruam pequenos remoinhos de vento lançavam poeira e papéis rasgados em espirais e, ainda que o sol brilhasse e o céu se mostrasse de um azul severo, parecia não haver cor em nada, exceto nos cartazes afixados por toda a parte. O rosto de bigode negro mirava, sobranceiro, de cada canto e esquina. Havia um na fachada da casa mesmo em frente. O GRANDE IRMÃO ESTÁ A VIGIAR-TE,  dizia a legenda, enquanto os olhos escuros fixava  profundamente os de Winston."

 

 

A Pequena Farmácia Literária, Elena Molini

Charneca em flor, 28.08.21

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  • Este livro estava guardado, há uns meses, para ser lido neste mês de Agosto. O tema mensal do clube de leitura a que aderi #umadúziadelivros era "um livro veranil". Esta capa chamou-me a atenção na primeira vez que entrei na livraria que abriu, este ano, na rua onde trabalho. Achei que se adequava ao tema pelo que li na sinopse e por se passar em Itália, um dos meus países preferidos que rima com "férias" pelo menos para mim .

Realmente este livro cumpriu o seu objectivo, leve, divertido, adequado para ler na praia ou à beira da piscina entre um mergulho ou outro. Partindo de um facto verídico, a existência de uma farmácia literária propriedade da autora, é construída uma história engraçada, romântica e com muitos livros à mistura. Também chama a atenção para as dificuldades que enfrentam aqueles que ousam abrir uma livraria independente dos grandes grupos económicos e editoriais. 

O conceito de biblioterapia, ou seja, utilizar os livros como instrumento de prevenção ou cura em processos de doença psicológica ou alterações emocionais já existe há muitos anos aparecendo, pela primeira vez, num dicionário médico em 1941. A título preventivo pode ser aplicado por livreiros, como é o caso de Elena Molini, ou bibliotecários. Como tratamento é utilizado por alguns psicólogos.

Fiquei muito curiosa com o conceito ainda mais devido à minha profissão. Um dia destes, vou tentar convencer a proprietária da farmácia onde trabalho a organizarmos lá uma secção de biblioterapia .

Voltando ao livro, adequou-se ao tema mas não posso dizer que é um grande livro mas lê-se muito bem e distrai. E, às vezes, é só isso que é preciso.

"Sucede na vida sentirmo-nos perdidos, acabados. Sentirmos que nos estilhaçámos em mil pedaços, olharmos à volta sem saber por onde começar apanhá-los. Tentamos reconstruir o que se partiu para que tanto quanto possível volte a assemelhar-se a como era antes. Mas já não conseguimos juntar de novo esses pedaços. Não há maneira de encaixarem. E não encaixam porque na realidade não são os nossos.

Esses pedaços são todos os sábios conselhos que fomos seguindo ao longo dos anos, que pareciam tão sensatos, e que no entanto nos levavam para longe do nosso verdadeiro Eu. São todas essas decisões que tomámos por 《sim, vá, é melhor assim》, e contudo não era melhor assim, era só mais confortável."

 

O Labirinto dos Espíritos, Carlos Ruiz Zafón

Charneca em flor, 22.07.21

IMG_20210630_184520.jpgPara o mês de Julho, no desafio Uma Dúzia de Livros, era proposta a leitura de um livro passado na nossa cidade favorita. A escolha não foi fácil uma vez que já passei por inúmeras cidades de que gostei muito. Optei pelo último livro da série "O Cemitério dos Livros Esquecidos" porque se passa numa das cidades mais interessantes que já visitei. "O Labirinto dos Espíritos" tem mais de 800 páginas mas lê-se com muita facilidade. De tal forma que, nas últimas páginas, fui tentando protelar o final porque não queria deixar as personagens que fazem parte da saga "O Cemitério dos Livros Esquecidos" como Daniel Sempere, Fermín, Bea, Juliáou mesmo as personagens novas como Alicia e o jovem Julian Sempere.

As histórias contadas por Carlos Ruiz Zafón são tão envolventes e cativantes que até o próprio leitor se sente uma das suas personagens. Neste livro, que fecha a saga, Zafón supera-se e fecha a história da família Sempere, e dos seus amigos, de forma magistral.
Para além da brilhante narrativa elaborada, o autor leva-nos pelas ruas de Barcelona de forma tão real que parece que nós também caminhamos por aquelas ruas acompanhando as maravilhosas personagens. Neste "Labirinto" descobrimos também o contexto histórico no qual se desenrola a acção, a Guerra Civil Espanhola e o pós-guerra. Conseguiu aguçar-me a curiosidade sobre esse período da História ibérica e europeia.
Não posso deixar de dizer que "O Labirinto dos Espíritos", bem como os restantes livros da saga, representa um verdadeiro hino de amor aos livros. Uma leitura, quase obrigatória, para todos aqueles que não prescindem dos livros na sua vida.

"Se os olhos não a enganavam, tinha caído no alto de uma enorme espiral, uma torre articulada em redor de um infinito labirinto de corredores, passadiços, arcos e galerias que parecia uma imensa catedral. Mas ao contrário das catedrais que conhecia, aquela não era feita de pedra.

Era feita de livros.

Os sopros de luz que caíam da cúpula revelaram aos seus olhos grupos de escadarias e pontes flanqueados por milhares e milhares de livros que entravam e saiam daquela estrutura."

 

"

O ano sabático, João Tordo

Charneca em flor, 15.06.21

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Este mês de Junho, o clube de leitura a que pertenço propôs a leitura de um livro subordinado ao tema "Um livro sobre irmãos"

Eu escolhi uma das obras de João Tordo, "O ano sabático". A história de vida de João Tordo foi o ponto de partida para o enredo que construiu nesta obra. Quer João Tordo quer um dos personagens principais nasceram de uma gravidez de trigémeos  em que um dos bebés acabou por morrer. 

O livro começa com um contrabaixista com uma vida problemática que regressa a Portugal depois de ter vivido alguns anos no Canadá. Há anos que vem trabalhando numa composição musical que não consegue terminar. Numa noite em que assiste a um concerto descobre um pianista de sucesso, estranhamente parecido consigo, que toca a "sua" composição. Começa a questionar-se como é possível que tal tenha acontecido. Quem será aquele homem? Será uma terrível coincidência? Plágio? Quem será aquele homem? Será que o seu gémeo não morreu?

A história criada por João Tordo coloca uma série de perguntas que também podem questionar os leitores. Seremos mesmo seres únicos e originais ou haverá alguém igual a nós por aí?

Li este livro em menos de 10 dias logo lê-se facilmente. O estilo de escrita e o desenvolvimento da narrativa são característicos do autor. Nos livros que já li de João Tordo, é habitual encontrar personagens masculinas atormentadas tal como acontece com este "O ano sabático". 

Não posso dizer que não gostei do livro mas acho que ficou àquem daquilo que podia ter sido. Com a história que o autor tinha entre mãos, podia ter desenvolvido melhor a narrativa. Obviamente que o livro já tem alguns anos e que João Tordo já será um escritor diferente, actualmente. Por exemplo, o último livro que publicou, "Felicidade", é muito mais interessante de onde se concluí que é sempre possível evoluir.

"Foi nessa altura, enquanto estes pensamentos lhe surgiam e sentia, cada vez mais próximo, o calor do braço de Elsa, docemente afagando o seu ao ritmo sincopado da bateria, que escutou o acorde tão familiar. Dó sustenido. E, em seguida, a sequência que, na sua cabeça, se desmultiplicara inúmeras vezes numa melodia de grande beleza, embora rasgada por acordes menores, a extravagante sequência que tantas vezes ensaiara no Nutella.

(...)

Primeiro, incrédulo, compreendeu que, enquanto adivinhava a progressão dos acordes, a melodia, tocada por cima destes com a destreza da mão direita do músico, era exactamente igual à que havia inventado e trabalhado durante tanto tempo;"

 

Uma Casa na Escuridão, José Luís Peixoto

Charneca em flor, 23.03.21

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José Luís Peixoto é um dos meus escritores contemporâneos preferidos. Tenho, praticamente, todos os seus livros. No entanto, sentia uma mágoa na minha relação com as suas obras. Não tinha conseguido terminar este "Uma Casa na Escuridão". Agora, graças à minha participação  no clube de leitura Uma Dúzia de Livros, voltei a ele e percebi porque é que não o tinha conseguido ler. Este livro não é de leitura fácil. Sei que desisti de ler numa passagem,  particularmente, violenta. Na verdade, acho que me faltava uma certa maturidade como pessoa e como leitora para conseguir levar até ao fim esta tarefa de terminar o livro.

"Uma Casa na Escuridão" foi editado, pela primeira vez, em 2002. No ano anterior, José Luís Peixoto tinha ganhado a 2a edição do Prémio Saramago. Na minha opinião, foi necessária alguma coragem, da parte do escritor e do editor, para publicar este livro. A história é estranha, algumas situações são descritas de forma violenta e crua de tal maneira que tive vontade de fechar os olhos para não ler, como fazemos com os filmes, e tentei não imaginar as cenas criadas por José Luís Peixoto. Não consegui lidar com aquele horror. 

Há livros que valem pelo conteúdo e outros valem pela forma. "Uma Casa na Escuridão" vale, sobretudo, pela forma embora eu tenha conseguido começar a perceber aonde o autor queria chegar. Se calhar, ainda terei que ler o livro mais vezes para conseguir compreender esta obra na sua plenitude. Ou talvez a compreensão esteja fora do meu alcance.

Esta obra vale a pena, sobretudo, pela linguagem. José Luís Peixoto brinca com as palavras e escreve frases  maravilhosas e encantadoras mesmo quando conta uma história tão particular como esta. Seja como fôr, não sei se considere esta obra como uma prosa poética ou uma gigante metáfora de mais de 250 páginas. O que sei é que será difícil esquecer aquilo que li nestas folhas.

"era costume ela vir cá e ficar a sussurrar um bule de chá com a minha mãe"

"O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levantam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda. O amor é o sentido de todas as palavras impossíveis."

"As estrelas espalhadas, as nuvens a passarem como pessoas tristes, o céu da noite sem lua, o céu da noite escuro e sem lua. Eu acreditava que o amor é a inocência sufocada mil vezes na vontade ridícula de desejar que o céu compreenda."

Esquerda e Direita Guia Histórico para o Século XXI, Rui Tavares

Charneca em flor, 16.03.21

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Como já referi aqui, no mês passado foi proposto, no desafio Uma Dúzia de Livros, ler um livro fora da nossa zona de conforto. Alguns dos participantes sugeriram este pequeno livro de Rui Tavares que me despertou alguma curiosidade. Como é muito raro ler algo para além de ficção ou biografias, achei que um livro sobre política também saía da minha zona de conforto. E assim foi. O mês de Fevereiro, apesar de ser o mais pequeno, permitiu-me ler 2 livros para o desafio.

Sempre me considerei uma pessoa com consciência política mas, como é óbvio, não sei tudo. Tento manter-me minimamente informada e gosto de ter uma visão abrangente de todos os quadrantes.

Este livro permitiu-me perceber algumas das principais diferenças entre a esquerda e a direita em termos políticos bem como entender o momento histórico a partir do qual se começou a estruturar a sociedade nestes termos.

O autor também explicita porque é que continua a fazer sentido, ou quiçá cada vez mais sentido, falar em esquerda e direita. 

Não quer dizer que Rui Tavares me tenha trazido conhecimento totalmente novo   mas ajudou-me a consolidar algumas ideias.

A única crítica que eu gostaria de fazer é o facto de o texto ser influenciado pela postura política, nunca escamoteada, do autor Rui Tavares. Tendo em conta que o autor é historiador e que se trata de um "guia histórico", preferia uma maior neutralidade.

Falta só fazer uma ressalva ao design da editora Tinta da China. Tenho alguns livros desta editora e acho que as capas são, mesmo, muito bonitas.

"Por isso eu dizia que as tentativas de esvaziar as diferenças entre a esquerda e direita, e de negar a relevância política dessas diferenças, acabam por substituir - de forma interesseira ou não, inconsciente ou não- a democracia pela demagogia. Pois se excluirmos os pontos cardeais, as direcções de trânsito e até os mapas que tentam aproximar-se sempre imperfeitamente da realidade, a única coisa que nos resta dizer às pessoas é 《venham atrás de mim》. E essa é a figura do demagogo. Aquele ou aquela que diz 《vocês não precisam de diferenças de opinião política, venham atrás de mim porque eu sei decifrar os mercados》, ou 《venham atrás de mim porque só eu sei combater a casta》, ou 《venham atrás de mim porque eu trago o fim dos corruptos》.

A conquista civilizacional da modernidade foi precisamente a de não irmos atrás de ninguém. Nem rei, nem patrão, nem sacerdote, nem autoproclamado profeta. Lográmos chegar a um ponto em que podemos ir uns ao lado dos outros, ir por caminhos comuns ou alternativos, caminhar sozinhos até, quando e se o desejarmos."

Normal People, Sally Rooney

Charneca em flor, 20.02.21

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No seguimento do desafio Uma dúzia de livros, em Fevereiro foi proposto o seguinte tema: um livro fora da tua zona de conforto. Como leio, habitualmente, em português, achei que se seria interessante ler um livro em inglês. Optei pelo "Nomal People" de Sally Rooney. Posso não ter comprrendido todas as palavras mas acho que consegui perceber, perfeitamente, o enredo.

Já há uns meses que tinha ouvido falar deste livro e da série que lhe deu origem. Pelo que vi, pareceu-me que a história, e o estilo, seriam adequados para eu fazer esta tentativa. E foi uma boa opção. A linguagem é acessível, as personagens são cativantes e a história, embora possa parecer banal, é muito boa. Pelo menos, eu gostei . Embora nunca me tenha acontecido nada parecido com as situações vividas por Marianne e Connell, senti-me identificada com um e com outro. Logo, no início, enquanto são adolescentes, a autora faz uma excelente análise de como se deseja a identificação com o grupo e como essa integração pode ser difícil e dolorosa. Ao longo do livro são abordados, de maneira mais ou menos clara, muitos problemas que afectam a sociedade actual. Outro ponto interessante, e real, é a constatação de que ninguém é totalmente bom ou totalmente mau. Podemos ser boas pessoas ou nem por isso, alternadamente e em alturas diferentes da vida. Nem sempre conseguimos perceber isso e a imagem que temos de nós próprios é muito diferente da imagem que os outros têm de nós.

"Normal People" pode parecer, "apenas", uma história de amor mas é muito mais abrangente do que isso. Até porque há muitas formas de amar. A maneira como nos sentimos amados, ou não, no início da nossa vida vai, definitivamente, influenciar a nossa  maneira de amar e de nos deixarmos amar.

"She closes her eyes. He probaly won't come back, she thinks. Or he will, differently. What they have now they can never have back again. But for her the pain of loneliness will be nothing to the pain that she used to feel, of being unworth. He brought her goodness like a gift and now it belongs to her. Meanwhile his life opens out before him in all directions at once. They've done a lot of good each other. Really, she thinks, really. People can really change one another."