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Livros de Cabeceira e outras histórias

Todas as formas de cultura são fontes de felicidade!

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Desafio de escrita dos Pássaros #2

É só um estalo

Charneca em flor, 20.09.19

A minha história começou há alguns anos. Nunca fui muito namoradeira. Durante a adolescência preferia ficar a estudar ou a ler do que sair com as minhas amigas. Como era muito introvertida, tinha alguma dificuldade em conversar com os rapazes sem ficar corada. Na faculdade, tornei-me um pouco mais sociável. O ambiente académico fez com que eu me libertasse da minha timidez e até tive alguns namoros mas nunca tive muita experiência amorosa.
Quando comecei a trabalhar, conheci aquele que seria o meu marido. Eu tomava café sempre na mesma pastelaria. Ele também. A dada altura, os nossos olhares cruzaram-se. Nunca pensei que aquele homem lindo reparasse em mim. Mas, para minha surpresa, ele não só reparou em mim como me convidou para jantar. Ele era muito sedutor e eu apaixonei-me loucamente. Daí até começarmos a namorar e ele fazer o “pedido", passaram muito poucos meses. Eu estava encantada mas a minha família, e os meus amigos, achavam que eu estava enfeitiçada. Todos me aconselhavam em não embarcar num casamento tão depressa. Afinal, eu conhecia-o muito mal e não sabia nada do seu passado.
Umas semanas antes do casamento, durante uma discussão, ele deu-me um estalo. Eu não contava com aquela atitude e fiquei sem reacção. Mal eu sabia que aquilo era só o início. Com o casamento, tudo piorou. A pouco e pouco, ele conseguiu afastar-me da minha família e dos meus amigos. Ele insistia para que eu ficasse grávida. Como também tinha esse desejo, deixei de tomar a pílula. Na minha ingenuidade, acreditava que um filho o iria suavizar. Não podia estar mais enganada. As discussões e a violência foram crescendo. Mesmo durante a gravidez, ele não teve qualquer pejo em bater-me. Podem perguntar: “Mas porque é que não o deixaste?”. Não tenho uma resposta para essa pergunta. A verdade é que ele me fazia acreditar de que, de certa forma, eu era a culpada.
Quando ele bateu na nossa filha, fez-se luz. Aquilo não podia continuar. Resolvi deixá-lo mas ele apanhou-me a fazer as malas. Nesse momento, a minha vida acabou. Literalmente. Ele espancou-me até à morte.
Agora estou aqui, gelada, neste caixão rodeada pela minha família e pelos meus amigos. Queria pedir-lhes desculpa por não ter acreditado neles mas eles não me conseguem ouvir.
Tudo começou com aquele primeiro estalo que eu perdoei. Porque nunca é só um estalo. É por aí que tudo começa.

 

Aqui está a minha participação no Desafio de Escrita dos Pássaros. Num registo mais sério do que na semana passada.