Um Prego no Coração / Natureza Morta / Vício
Paulo José Miranda
Em Novembro, no início das Comemorações do Centenário do Nascimento de José Saramago, fiz o propósito de descobrir os autores cujos livros foram galardoados com o Prémio Saramago.
Como é lógico resolvi começar pelo primeiro destes autores, Paulo José Miranda (PJM) que não é um autor muito conhecido. O livro premiado foi "Natureza Morta" mas só encontrei edições em que este livro vinha acompanhado com outros 2 livros uma vez que "Um Prego no Coração", "Natureza" e "Vício" são considerados uma trilogia. Apesar de PJM não escrever sobre as mesmas personagens, estes livros têm o facto de apresentarem como personagens centrais, três artistas portugueses, Cesário Verde*, João Domingos Bomtempo *e Antero de Quental*, respectivamente. Os três livros têm estilos diferentes, "Um Prego no Coração" foi escrito em estilo epistolar, "Vício" tem a forma de diário e "Natureza Morta" já se pode considerar um relato sobre a vida do músico João Domingos Bomtempo depois de ir perdendo todos os familiares e como isso influenciou a sua actividade como compositor. O autor não se debruçou, apenas, sobre vida dos artistas mas sim pela maneira como estes 3 autores se relacionam com a sua criação artística nomeadamente ao nível das dúvidas em relação à qualidade das várias produções artísticas.
Apesar de não ter sido uma leitura fácil, gostei desta experiência de leitura. Paulo José Miranda fez, quanto a mim, uma análise filosófica sobre as dificuldades que os artistas, sejam eles quais forem, enfrentam, como lutam com os seus fantasmas e como podem sofrer daquilo que se designa, hoje em dia, por "síndrome do impostor" uma vez que estes artistas mostram algumas dificuldaces e dúvidas sobre as suas capacidades e talentos.
Não é um livro para qualquer leitor e, provavelmente, se não fosse o meu propósito de conhecer melhor os autores premiados nunca teria pegado neste livro. No entanto, às vezes é bom sair da nossa zona de conforto.
"Ler, apesar de tudo, condiciona o pensar. Põe aIguma ordem nesta consciência. Não é um refugio, e uma bússola. As malditas palavras. Se, por um lado, me fazem perder, por outro, também me concedem alguma orientação. Não são palavras numa boca,são o palavras silenciosas. Palavras escritas, palavras pensadas. Na boca as palavras são naturais. Sons que dizem pedras, que dizem mar, que dizem peixe, vinho, que dizem senta-te, que dizem espera, que agradecem, que desdenham. Sem som, as palavras criam tempestades ou orientam-nos nelas. Agride-se a natureza. Há uma guerra imensa entre o som e a sua ausência."
*Cesário Verde era poeta, João Domingos Bomtempo era músico e compositor e Antero de Quental era poeta e escritor