"Uma Viagem à Índia", Gonçalo M. Tavares
"A grande epopeia dos nossos tempos" nas palavras do Le Monde des Livres e também foi, para mim, uma epopeia lê-lo. Nunca mais acabava. Não que o livro fosse chato ou mau mas é um livro difícil de ler. Primeiro que tudo porque é preciso alguma concentração o que, nos dias que correm, nem sempre é possível. Este não é um livro de viagens embora, pelo título, pudesse parecê-lo. Bloom, a personagem central, enceta uma viagem física mas, principalmente, espiritual de aprendizagem, auto-conhecimento e também de esquecimento, de corte com o seu passado. Cruza-se com outras personagens, umas amigáveis e outras nem por isso. A Índia é o objectivo final da viagem só que, como na vida real, o caminho faz-se caminhando. O caminho que ele faz, passando por várias cidades, torna-se muito mais importante do que a Índia propriamente dita. Em certas partes do livro até se pode ficar confuso se a viagem é mesmo física ou se é apenas até à alma do Bloom.
A organização que Gonçalo M. Tavares deu à sua epopeia é muito semelhante à organização de uma das maiores obras portuguesas, "Os Lusíadas" estendendo-se ao longo de X Cantos, cada um deles com 100 estrofes (em média). Não lhe chamaria poesia, antes prosa poética.
Não sou capaz de dizer se amei ou odiei esta obra. Digo antes que é uma obra que desassossega, que nos faz sair da nossa "zona de conforto" literária. Vale a pena arriscar lê-la para se conhecer melhor a literatura portuguesa contemporânea. Até acho que sou capaz de experimentar outros livros do autor quando estiver refeita deste desassossego.
Falaremos da hostilidade que Bloom,
o nosso herói,
revelou em relação ao passado,
levantando-se e partindo de Lisboa
numa viagem à Índia, em que procurou sabedoria
e esquecimento.
E falaremos do modo como na viagem
levou um segredo e o trouxe, depois, quase intacto.
Número 10, Canto I
É evidente que me preparei com cuidade
para avançar para o outro lado do mundo,
e mais longe que isso: para o outro lado de mim próprio.
Pus na mochila as ferramentas para a luz
e para sede, mapas da Europa, uma Bíblia,
um livro sobre a alma e outro sobre o funcionamento das células,
e ainda dois valiosos livros clássicos; juntei dinheiro,
esperei que o vento sossegasse e apanhei um avião para Londres,
a minha primeira paragem.
Número 85, Canto IV